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Paradoxos e ambiguidades na ideia de interdisciplinaridade

Claude Raynaut

Resumo


A prática da interdisciplinaridade nos coloca diante de um paradoxo: embora a ideia que a inspira ainda nos pareça pioneira, ela não tem nada de efetivamente novo. Apareceu há quase um século e desde então nunca deixou de ser aprofundada e aplicada em vários contextos da pesquisa e do ensino. No entanto, apesar de seu aparente sucesso, o projeto de ultrapassagem do quadro disciplinar continua a ser objeto de múltiplas controvérsias e resistências. Quais as razões das difculdades que essa visão inovadora da prática científca encontra para alcançar um pleno reconhecimento no quadro acadêmico? Em primeiro lugar, há de constatarmos que, como qualquer outra forma de inovação, ela é percebida como ameaça por instituições e atores sociais que se benefciam da estabilidade de quadros organizacionais estabelecidos e que impõem resistências a toda perspectiva de mudança. Contudo, além dessa blocagem de cunho político – no sentido amplo da palavra – existem também razões mais essenciais, de caráter conceitual e epistemológico, ligadas à confusão que geram a multiplicidade e a heterogeneidade das interpretações da noção e dos conteúdos a ela atribuídos. É esse caráter heterogêneo do pensamento interdisciplinar que gostaria de explorar aqui. Para isso, proponho que, em um primeiro momento, nós nos interroguemos sobre a própria noção de disciplina e sobre a dinâmica de redefnições, de trocas de conceitos e métodos, de passagem de fronteiras, intrínseca ao recorte disciplinar. O primeiro passo para clarifcar a ideia interdisciplinar consiste em abster-se de confundi-la com esse movimento constitutivo da vida das disciplinas. Em segundo lugar, se o projeto interdisciplinar se defne como esforço para ultrapassar essa dinâmica espontânea das disciplinas e construir algo novo no domínio da produção e da transmissão do conhecimento, quais as características e os objetivos dessa tentativa original para ambiguidades na ideia de interdisciplinariedade dar conta da complexidade e da hibridização do mundo real? Aqui diversas são as metas almejadas, múltiplos os caminhos seguidos e dispares os públicos visados pelos projetos que se reclamam da interdisciplinaridade. Tal diversidade não é um problema em si. Entretanto, torna-se problemática quando a confusão reina, bem como as nuanças e divergências não são sufcientemente explicitadas, clarifcadas, articuladas. Nesse caso, surge uma incoerência que prejudica a elaboração de uma estratégia institucional comum necessária para combater as falsas interpretações, os preconceitos, as resistências que até hoje impedem que a abordagem seja integrada de modo duradouro e incontestável nas instituições científcas acadêmicas. É esse trabalho de identifcação e clarifcação da diversidade e das ambiguidades da interpretação da prática interdisciplinar que procurei iniciar nesse texto.

Palavras-chave


história das ciências; disciplinas científcas; interdisciplinaridade; ensino superior; pesquisa

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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/dma.v47i0.62428