A prisão domiciliar com monitoramento eletrônico como instrumento de expansão do controle penal sobre mães e gestantes: estudo de caso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
DOI:
https://doi.org/10.5380/rfdufpr.v70i1.94208Palavras-chave:
Encarceramento feminino, Maternidade, Monitoramento eletrônico, Criminologia feminista, Criminologia críticaResumo
Este artigo objetiva analisar como o Poder Judiciário utiliza o monitoramento eletrônico como instrumento cumulativo à prisão domiciliar de mães e gestantes na gestão das medidas cautelares substitutivas da prisão preventiva. A hipótese central é a de que houve uma descaracterização da prisão domiciliar, transformando o substitutivo penal em um mecanismo de expansão do controle punitivo. Assim, as mulheres que respondem a processos criminais são submetidas a uma vigilância constante, em desproporcional restrição de liberdade, situação que inviabiliza o pleno exercício da maternidade e que reforça a lógica opressora de gênero. Em termos metodológicos, à pesquisa exploratória dos dados sobre o encarceramento feminino no Brasil foi acrescido estudo de caso, consistente na descrição e análise de duas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2017. A investigação é orientada pela criminologia crítica e pela criminologia feminista, renovadas pela perspectiva interseccional. Ambas as decisões judiciais analisadas demonstram que a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico de mulheres foi utilizada para subverter a lógica redutora das medidas cautelares diversas da prisão preventiva, em manifestação de misoginia judicial que contribui para a expansão do controle penal.
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