A racialização social brasileira entre (as) linhas (abissais) e o papel do Sistema Interamericano no reconhecimento de violações
DOI:
https://doi.org/10.5380/rfdufpr.v70i1.98449Palavras-chave:
Racismo, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Favela Nova Brasília, Fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus, Teoria descolonialResumo
A raça, enquanto marcador de diferença determinante de hierarquizações sociais, é um legado do processo de colonização europeia, que seguiu compondo o tecido social brasileiro sem que fossem desenvolvidos mecanismos para o seu enfrentamento. O intuito desse processo sempre foi atender aos objetivos do projeto político e de exploração econômica em curso, que usa as diferenças físicas dos indivíduos para classificá-los e, assim, justificar a manutenção de pretos e pardos em uma situação de inferioridade, submetendo-os a repetidas violações de direitos humanos. Considerando esse contexto, este estudo, orientado pela teoria descolonial, além de analisar a gramática moderna da diferença racial e as relações entre essa lógica e a do projeto colonial, buscando compreender as origens da divisão racializada da sociedade brasileira hodiernamente, questiona o papel e os limites da Corte Interamericana de Direitos Humanos no enfrentamento de tal racialização. Para tanto, são analisados dois casos envolvendo o Brasil, adotando-se como técnica de pesquisa a análise documental e a pesquisa bibliográfica: Favela Nova Brasília, de 2017, e fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus, de 2020 – escolhidos justamente por avultarem a racialização das relações sociais no país. Ao cabo, conclui-se que a Corte Interamericana colabora, seja no reconhecimento de transgressões, na visibilização dos agressores ou mesmo na possibilidade de libertação da população negra no/do Brasil, a qual pode ser configurada como uma “segunda descolonização”, capaz de considerar e superar as diversas colonialidades internas que a primeira terminou por instituir.
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