Riscos epistêmicos associados à admissão judicial de confissões em acordos de não persecução penal: uma análise à luz da teoria da dissonância cognitiva
DOI:
https://doi.org/10.5380/rfdufpr.v69i2.88804Palavras-chave:
Confissão. Acordo de não persecução penal. Epistemologia jurídica. Fiabilidade probatória. Teoria da dissonância cognitiva.Resumo
O acordo de não persecução penal trouxe uma nova disciplina aos mecanismos de justiça penal negociada no Brasil. Para que seja celebrado, o acordo impõe que o imputado confesse a prática de infração penal. Como todo negócio jurídico, o acordo de não persecução pode não prosperar, tendo como consequência uma provável ação penal. Diante disso, a questão-problema a ser analisada neste artigo diz respeito à admissibilidade, no processo criminal, da confissão realizada visando à celebração do pacto. Trabalha-se com a hipótese de que a acusação não poderá se valer judicialmente de tal confissão. Visando ao aprimoramento do sistema de justiça criminal, com amparo na noção de se garantir uma fiabilidade dos meios de prova e de informação, bem como na teoria da dissonância cognitiva, de Leon Festinger, conclui-se, por meio de uma análise crítico-propositiva, pela necessidade de se evitar que o julgador de eventual ação penal seja psicologicamente contaminado por uma confissão de baixa confiabilidade e produzida de forma irritual, externa ao processo, e desprovida de contraditório.
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