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ADPF 442: a tutela penal da vida nas audiências públicas sobre a descriminalização do aborto

Bianca Petri da Silva, Francielle Benini Agne Tybusch, Marília de Nardin Budó

Resumo


Neste artigo são analisados discursos proferidos nas audiências públicas realizadas no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442, a respeito dos sentidos atribuídos à intervenção penal do Estado em relação à prática de aborto. A pesquisa foi estruturada por meio da metodologia da Teoria Fundamentada nos Dados. O marco teórico do trabalho é a criminologia crítica e feminista, bem como os estudos de gênero. Os resultados apontam para uma estrutura argumentativa pró-criminalização do aborto que parte da linguagem dos direitos, tratando da questão da origem da vida, para pensar a tutela penal do embrião. A mulher é construída como objeto e meio, enquanto o feto se torna sujeito e fim. A ruptura com a redução da mulher ao seu suposto destino biológico provém de grupos anticriminalização que, ao compreender a criminalização do aborto – que para eles obedece a uma lógica de controle e morte – como um desrespeito ao direito à vida das mulheres, apresentam uma compreensão feminista e interseccional.

Palavras-chave


ADPF 442. Criminalização do aborto. Criminologia feminista.

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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v66i2.74412