Discriminação estrutural e cotas raciais para candidaturas negras em partidos políticos: análise da decisão do Supremo Tribunal Federal na arguição de descumprimento de preceito fundamental 738/DF
DOI:
https://doi.org/10.5380/rinc.v10i1.88132Keywords:
cotas na política, jurisdição constitucional, poder contramajoritário, litígios estratégicos, sub-representação política.Abstract
O presente estudo tem como objetivo analisar os fundamentos utilizados pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 738/DF para decidir pela impossibilidade de reconhecimento das cotas de candidatura para negros na política por equiparação às cotas de gênero na política. Levando-se em consideração que na ADPF 738/DF o STF reconheceu a responsabilidade prioritária do Congresso Nacional para a estipulação de ações afirmativas direcionadas à promoção de uma maior inclusão da população negra na política e, diante do fato de que essa maioria que compõe a atual conjuntura do Congresso Nacional — composta, majoritariamente, por representantes não negros (atualmente, a população negra representa 22,22% da composição do Senado Federal e 24,16% da Câmara de Deputados) — não tem demonstrado empenho na articulação de ações afirmativas nesse sentido, o estudo pretende destacar a atuação da jurisdição constitucional em prol da correção dos défices de representação democrática numa perspectiva inclusiva e igualitária, justamente pelo fato de permanecer exclusivamente ao encargo da maioria política a responsabilidade pela articulação de ações afirmativas de estímulo à candidatura da população negra a cargos políticos. Para tanto, utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo e o método de procedimento analítico. Da análise, concluiu-se que, na ADPF 738/DF, a inexistência de previsão legal definindo a ação afirmativa de reserva de vagas para candidatura de pessoas negras nos pleitos eleitorais foi o principal fundamento para o reconhecimento da impossibilidade de equiparação com as cotas de gênero na política, reafirmadas na decisão da ADI 5617/DF. No tocante à proteção das minorias politicamente sub-representadas, se constatou que não só a atuação contramajoritária opera como um mecanismo de proteção das minorias por intermédio da atuação da jurisdição constitucional, assim como a articulação de litígios estratégicos pode atuar como importante ator de mudanças sociais significativas, reivindicando que a jurisdição constitucional profira decisões estruturantes direcionadas a suprir os défices democráticos e possa corrigir as situações de desigualdade estrutural.
References
ALVES, Fernando de Brito; OLIVEIRA, Guilherme Fonseca de. Democracia e ativismo judicial: atuação contramajoritária do judiciário na efetivação dos direitos fundamentais das minorias. Revista Argumenta – UENP, n. 20, p. 33-45, 2014.
ARAUJO, Luiz Henrique Diniz. Os efeitos do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão: a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal até a ADO nº 26/DF. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 21, n. 86, p. 131-155, out./dez. 2021.
BAZÁN, Víctor. Control de las omisiones inconstitucionales e inconvencionales. Bogotá: Fundación Konrad Adenauer, 2014.
BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê Rodrigues. Políticas públicas de Governo e de Estado – uma distinção um pouco complexa: necessidade de diferenciação entre modelos decisórios, arranjos institucionais e objetivos de políticas públicas de Governo e Estado. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 3, p. 631-667, set./dez. 2021.
BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Anmerkungen zum Begriff Verfassungswandel. In: Staat, Nation, Europa: Studien zur Staatslehre, Verfassungstheorie und Rechtsphilosophie. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1999, pp. 141-156.
BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Grundrechte als Grundsatznormen: zur gegenwärtigen Lage der Grundrechtsdogmatik. In: Staat, Verfassung, Demokratie: Studien zur Verfassungstheorie und zum Verfassungsrecht. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1991, pp. 159-199.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 116, de 30 de novembro de 2011. Autor da proposta: Luiz Alberto (PT/BA). Disponível em:<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=529275>. Acesso em: 01 abr. 2022.
BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, 10 de novembro de 1999. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em: 12 set. 2022.
BRASIL. Senado Federal. Mulheres na política: ações buscam garantir maior participação feminina no poder. 27 de maio de 2022. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/05/aliados-na-luta-por-mais-mulheres-na-politica>. Acesso em: 05 jul. 2022.
BRASIL. Senado Federal. Negros representam 56% da população brasileira, mas representatividade em cargos de decisão é baixa. 11 de outubro de 2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2020/08/negros-representam-56-da-populacao-brasileira-mas-representatividade-em-cargos-de-decisao-e-baixa>. Acesso em 01 abr. 2022.
BRASIL. Senado Federal. Observatório Equidade no Legislativo. 26 de novembro de 2021. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/responsabilidade-social/oel/observatorio-de-equidade-nos-legislativos-federal-e-estaduais>. Acesso em: 01 abr. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41/DF. Relator: Min. Roberto Barroso, 08 de junho de 2017. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4917166>. Acesso em: 01 ago. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 738/DF. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 05 de outubro de 2020. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur435114/false>. Acesso em: 01 abr. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186/DF. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 26 de abril de 2012. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=698469>. Acesso em: 01 ago. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 635/DF. Relator: Min. Edson Fachin, 27 de maio de 2022. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5816502>. Acesso em: 01 ago. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 5617/DF. Relator: Min. Edson Fachin, 16 de março de 2018. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5080398>. Acesso em: 08 jun. 2022.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta n. 0600306-47.2019.6.00.0000/DF. Relator: Min. Roberto Barroso. Disponível em: <https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/942852216/consulta-ctael-6003064720196000000-brasilia-df>. Acesso em: 01 abr. 2022.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Estatísticas sobre as eleições de 2020. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais>. Acesso em: 18 abr. 2022.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE lança campanha para incentivar mais mulheres na política nas Eleições 2022. 21 de junho de 2022. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/tse-lanca-campanha-para-incentivar-mais-mulheres-na-politica-nas-eleicoes-2022>. Acesso em: 05 jul. 2022.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE promove audiência pública sobre “Desigualdade Racial e Sistema Eleitoral”. 18 de maio de 2022. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Maio/presidente-do-tse-enfatiza-baixa-representatividade-negra-no-congresso-em-audiencia-publica-sobre-desigualdade-racial-e-sistema-eleitoral>. Acesso em: 05 jul. 2022.
BUCCI, Maria Paula Dallari. As ações afirmativas no Supremo Tribunal Federal: conexões entre direito e política na difícil promoção da equidade racial no Brasil. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 21, n. 83, p. 51-74, jan./mar. 2021.
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sério Antonio Fabris Editor, 1993.
CARDOSO, Evorah Lusci Costa. Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
CARVALHAES, Rafael Bitencourt; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Questioning our faith in the judiciary: from institutional entrenchment to the monopoly of constitution. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 9, n. 2, p. 347-370, maio/ago. 2022.
CASTILHOS, Ângelo Soares. O procedimento de consulta ao Tribunal Superior Eleitoral: o novo Código de Processo Civil e a segurança jurídica. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 13, n. 2, p. 55-78, 2019.
DUARTE, Evandro Piza; BERTÚLIO, Dora Lucia de Lima; QUEIROZ, Marcos. Direito à liberdade e à igualdade nas políticas de reconhecimento: fundamentos jurídicos da identificação dos beneficiários nas cotas raciais. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 173-210, abr./jun. 2020.
DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999.
ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
GARDIN, Silia. Representación politica y equilibrios de género en Italia. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 89, p. 37-56, jul./set. 2022.
GARGARELLA, Roberto. La justicia frente al gobierno: sobre el carácter contramayoritario del poder judicial. Quito: Corte Constitucional para el Período
de Transición, 2011.
GARGARELLA, Roberto. La revisión judicial en democracias defectuosas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 9, n. 2, p. 153-169, 2019.
HALTERN, Ulrich R. Verfassungsgerichtsbarkeit, Demokratie und
Misstrauen: das Bundesverfassungsgericht in einer Verfassungstheorie zwischen Populismus und Progressivismus. BerlIn: Duncker
& Humblot, 1998.
HIRSCH, Fábio Periandro de Almeida; SILVA, Jailce Campos e. O princípio da juridicidade e o controle judicial sobre o mérito dos atos administrativos discricionários na implementação das políticas sociais. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 89, p. 113-141, jul./set. 2022.
LANDA ARROYO, Cesar. Estudios sobre Derecho Procesal Constitucional. México: Editorial Porrúa, 2006.
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta. Reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional democrática. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
LIMA, Sabrina Santos; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. O controle de constitucionalidade e a atuação do Supremo Tribunal Federal na proteção das minorias: análise crítica da ADC nº 41 (cotas raciais em concursos públicos). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 2, p. 507-528, maio/ago. 2021.
MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira; MITUZANI, Larissa. Direito das Minorias Interpretado: o compromisso democrático do direito brasileiro. Revista Seqüência, n. 63, p. 319-352, dez. 2011.
MORAES, Maria Valentina de; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Nova constituição chilena, paridade de gênero e regulamentação de direitos sexuais e reprodutivos: uma mirada para os standards interamericanos. Estudios constitucionales, Santiago, v. 20, n. especial, p. 264-290, 2022. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-52002022000300264&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 06 jul. 2022.
NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt; FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha. Litígio estratégico x litígio estrutural (de interesse público): Ao fim e ao cabo, denominações de um mesmo instituto para a defesa de direitos fundamentais? Revista Pensar, Fortaleza, v. 27, n. 1, p. 1-12, jan./mar. 2022.
OLSEN, Ana Carolina Lopes; KOZICKI, Katya. O constitucionalismo transformador como instrumento de enfrentamento do racismo estrutural: o papel do STF. Suprema: revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 1, n. 1, p. 82-118, jan./jun. 2021.
OSÓRIO, Letícia. O litígio estratégico pressupõe um judiciário independente e criativo. In: FUNDO BRASIL DE DIREITOS HUMANOS. Litigância Estratégica em Direitos Humanos: experiências e reflexões. São Paulo: FBDH, 2016. p. 14-17.
ROA ROA, Jorge. El rol del juez constitucional en el constitucionalismo transformador latinoamericano. Max Planck Institute for Comparative Public Law & International Law (MPIL), n. 2020-11, p. 01-16, 2020.
RODRIGUES, Carla. Análise da ADPF nº 738: avanço histórico para a participação de negros e pardos na política brasileira. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 13, n. 24, p. 43-57, jan./jun. 2021.
SAGÜES, María Sofía. Discriminación estructural, inclusión y litígios estratégicos. In: FERRER MAC-GREGOR, Eduardo; MORALES ANTONIAZZI, Mariela; FLORES PANTOJA, Rogelio (Coord.). Inclusión, Ius Commune y justiciabilidad de los DESCA en la jurisprudencia interamericana. El caso Lagos del Campo y los nuevos desafíos. Colección Constitución y Derechos. México: Instituto de Estudios Constitucionales del Estado de Querétero, 2018. p. 129-178.
SALGADO, Eneida Desiree; GABARDO, Emerson. The role of the Judicial Branch in Brazilian rule of law erosion. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 3, p. 731-769, set./dez. 2021.
SANTIAGO NINO, Carlos. La constitución de la democracia deliberativa. Tradução de Roberto P. Saba. Espanha: Editorial Gedisa, 1997.
VARGAS, Eliziane Fardin de; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. O Direito à igualdade e não-discriminação das mulheres na política: a decisão da ADI 5617/DF e a doutrina das categorias suspeitas. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 22, n. 2, p. 85-114, 9 maio 2022.
YOUNG, Iris Marion. La justicia y la política de la diferencia. Madrid: Catedra, 2000.
Downloads
Published
How to Cite
Issue
Section
License
Authors who publish in this Journal agree to the following terms:
- Authors retain copyright and grant the Journal of Constitutional Research the right of first publication with the article simultaneously licensed under the Creative Commons - Attribution 4.0 International which allows sharing the work with recognition of the authors and its initial publication in this Journal.
- Authors are able to take on additional contracts separately, for non-exclusive distribution of the version of the paper published in this Journal (eg.: publishing in institutional repository or as a book), with a recognition of its initial publication in this Journal.
- Authors are allowed and encouraged to publish their work online (eg.: in institutional repositories or on their personal website) at any point before or during the submission process, as it can lead to productive exchanges, as well as increase the impact and the citation of the published work (see the Effect of Open Access).




















