Open Journal Systems

Do direito nazifascista ao “neo”constitucionalismo à brasileira: método jurídico, não-direito e outras reflexões

Raoni Macedo Bielschowsky

Resumo


Não é raro se encontrar no discurso teórico-dogmático brasileiro certa tentativa de relacionar o positivismo jurídico com regimes autoritários, especialmente com o nazismo. Essa argumentação muitas vezes é utilizada com a intenção de justificar posturas antiformalistas, várias delas autoidentificadas como neoconstitucionalistas, que são, pelo menos em tese, metodologicamente marcadas por forte comprometimento valorativo, pela prevalência de normas do tipo princípios e por certa fluidez na aplicação do Direito. Contudo, a historiografia do direito contemporânea aponta no sentido de que a pretensa identificação entre a experiência normativa nazista com algum formalismo jurídico é, no mínimo, imprecisa, como imprecisa é também a própria definição de neoconstitucionalismo. O presente trabalho é fruto de uma pesquisa teórica e tem o objetivo de dialogar criticamente com alguns dos argumentos que se pretendem justificadores de posturas autodenominadas neoconstitucionalistas, sobretudo no quadro brasileiro. Para tanto, primeiro se atentará para o que diz a historiografia do direito contemporânea sobre a relação entre experiência normativa do nazifascismo e o método jurídico; para na sequência voltar os olhos a alguns problemas das posturas identificadas com o neoconstitucionalismo e sua relação com certo déficit de controlabilidade das racionalidades decisórias e seus os riscos.


Palavras-chave


método jurídico; antiformalismo; neoconstitucionalismo; direito Nazifascista; não-direito

Texto completo:

PDF

Referências


ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

ARENDT, Hannah. Eichman em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, n. 17, p. 1-19, jan./mar. 2009. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

BARBERIS, Mauro. ¿Existe el neoconstitucionalismo? In: FABRA ZAMORA, Jorge Luis; GARCÍA JARAMILLO, Leonardo (orgs.). Filosofía del derecho constitucional: Cuestiones fundamentales. México: UNAM, p. 455-478, 2015. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 225, p. 5-37, jul./set. 2001. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 02, n. 01, p. 1-48, 2006, p. 5-10. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 232, p. 141-176, abr./jun. 2003. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

BELLEAU, Marie-Claire. Les juristes inquiets: classicisme juridique et critique du droit au début du XXe siècle en France. Cahiers de droit, v. 40, n. 3, p. 507-544, 1999. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1999.

CAMPOS, Ricardo. Prefácio à edição brasileira: o direito na história e o (neo)constitucionalismo tupiniquim. In: STOLLEIS, Michael. O Direito Público na Alemanha: uma introdução a sua história do século XVI ao XXI. São Paulo: Saraiva, p. 13-20, 2018.

CARBONELL, Miguel (ed.). Neoconstitucionalismo(s). 4 ed. Madri: Editorial Trotta, 2009.

CURRAN, Vivian G. Fear of Formalism: Indications from the Fascist Period in France and Germany of Judicial Methodology’s Impact on Substantive Law. Cornell International Law Journal, Ithaca, v. 35, n. 1, p. 101-187, 2001. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021

CURRAN, Vivian Grosswald. Formalism and anti-formalism in french and german judicial methodology. In: JOERGES, Christian; GHALEIGH, Navraj Singh (eds.). Darker Legacies of Law in Europe: the shadow of National Socialism and Fascism over Europe and its legal traditions. Oxford/Portland: Hart, p. 205-228, 2003.

DAWSON, J. P. Specific Performance in France and Germany. Michigan Law Review, Ann Arbor, v. 57, n. 4, p. 495-538, 1959. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.

DYZENHAUS, David. Law as justification: Etienne Mureinik’s conception of legal culture. South African Journal On Human Rights, Johannesburg, n. 14, p. 11-37, 1998. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021

GARCÍA AMADO, Juan Antonio. Nazismo, Derecho y Filosofía del Derecho. Anuario de Filosofia del Derecho, n. 8, p. 341-364, 1991. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

GARCÍA AMADO, Juan Antonio. Sobre el neoconstitucionalismo y sus precursores. In: MANTILLA ESPINOSA, Fabricio (coord.). Controversias constitucionales. Bogotá: Editorial Rosário, p. 24-69, 2009.

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. A germanística jurídica e a metáfora do dedo em riste no contexto explorativo das justificativas da dogmática dos direitos fundamentais. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 451-478, 2015. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

GUASTINI, Riccardo. A propósito del neoconstitucionalismo. Gaceta Constitucional, Lima, n. 67, p. 231-240, 2013.

HELLER, Hermann. ¿Estado de Derecho o Dictadura? In: HELLER, Hermann. Europa y el Fascismo. Tradução Francisco J. Conde. Granada: Comares, p. 117-135, 2006.

HELLER, Herman. Teoría del Estado. Tradução Luís Tobio. Cidade do México: FCE, 1998.

JACOBSON, Arthur; SCHLINK, Bernhard (org.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkley: University of California Press, 2002.

LOCHAK, Danièle. La doctrine sous Vichy ou les mésaventures du positivisme. In: LOCHAK, Danièle. (ed). Les usages sociaux du droit. Paris: Presses universitaires de France, 1989. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2019.

LOUGHLIN, Martin. Foundations of Public Law. Oxford: Oxford University Press, 2010.

LUCAS VERDÚ, Pablo. Lugar de la teoria de la constitución en el marco del derecho político. Revista de Estudios Políticos, Madri, vol. 188, p. 5-20, mar./abr. 1973. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 7 ed. São Paulo, 2018.

MARTINS, Ricardo Marcondes. Neoconstitucionalismo. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Alvaro de Azevedo; FREIRE, André Luiz (coords.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

MATOS, Andityas S. M. C.; MILÃO, Diego A. P. Decisionismo e Hermenêutica Negativa: Carl Schmitt, Hans Kelsen e a afirmação do poder no ato interpretativo do direito. Seqüência, Florianópolis, n. 67, p. 111-137, dez. 2013. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

MATOS, Andityas S. M. C.; SOUZA, Joyce K. S. Sobrevivências do nazifascismo na teoria jurídica contemporânea e seus reflexos na interpretação judicial brasileira. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), v. 9, n. 3, p. 295-310, 2017. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

MERRYMAN, J. H. The French Deviation. The American Journal of Comparative Law, v. 44, n. 1, p. 109-119, 1996. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

MORA SIFUENTES, Francisco M. Contra el neoconstitucionalismo y otros demonios. Entrevista a Juan Antonio García Amado. Ciencia Jurídica, a. 5, n.10, p. 259-276, 2016. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

MÜLLER, Ingo. Los juristas del horror: la 'justicia' de Hitler: el pasado que Alemania no puede dejar atrás. Caracas: Editorial ACTUM, 2006.

MUREINIK, Etienne. A bridge to where? Introducing the interim Bill of Rights. South African Journal on Human Rights, Johannesburg, n. 10, p. 31-48, 1994. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 36 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

NEUMANN, Franz. A mudança de função da lei no direito da sociedade burguesa. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 109, p. 13-87, jul./dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

NEUMANN, Franz. Behemoth: the Structure and Practice of National Socialism 1933-1944. Chicago: Ivan R. Dee, 2009.

POZZOLO, Susanna. Apuntes sobre “neoconstitucionalismo”. In: ZAMORA, Jorge Luis Fabra; VAQUERO, Álvaro Núnez. Enciclopedia de filosofía y teoría del derecho. Cidade do México: Unam, p. 363-405. 2015.

POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación constitucional. Doxa, Alicante, n. 21, v. 2, p. 339-353, 1998. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

RADBRUCH, Gustav. Cinco minutos de Filosofia do Direito. Publicações da Escola da AGU, n. 17, p. 261-263, 2012. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

RADBRUCH, G. Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht. Süddeutsche Juristen-Zeitung, v. 1, n. 5, p. 105-108, 1946.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. As figuras da perversão do direito: para um modelo crítico de pesquisa jurídica empírica. Revista Prolegómenos Derechos y Valores, v. 19, n. 37, 99-124, jan./jun. 2016. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

RÜTHERS, Bernhard. Derecho degenerado. Teoría jurídica y juristas de câmara em el Tercer Reich. Madri: Marcial Pons, 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2019.

SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo Jurídico, Racionalidade Decisória e Malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, mai./ago. 2008. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

STOLLEIS, Michael. A history of public law in Germany 1914-1945. Tradução Thomas Dunlap. Oxford: Oxford University Press, 2004.

STOLLEIS, Michael. The law under the swastika: studies on legal history in Nazi Germany. Chicago: University of Chicago Press, 1998.

STRECK, Lênio. Contra o neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, n. 4, p. 9-27, jan./jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

STRECK, Lênio. Uma leitura hermenêutica das características do neoconstitucionalismo. Observatório da Jurisdição Constitucional, Brasília, a. 7, n. 2, p. 25-48, jul./dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 29/07/2021.

SILVA, Virgílio Afonso. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: SILVA, Virgílio Afonso (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 115-143.




DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v10i1.86042

Apontamentos

  • Não há apontamentos.