Violência contra a mulher: consequências da perspectiva de gênero para as políticas de segurança pública
Resumo
A Lei Maria da Penha promoveu um acréscimo significativo na demanda de atuação policial. Estudos têm demonstrado o caráter cíclico da violência doméstica, decorrente da dificuldade de rompimento de relações afetivas marcadas pela violência, com a resistência em denunciar e a tendência de reatar o relacionamento, bem como o caráter potencialmente letal na evolução deste ciclo de violência. Tais características das relações de gênero devem ser incorporadas nas estratégias político-criminais de atuação policial, trazendo como consequências: (1) a especial atenção à não prática de atos de revitimização durante as interações com a mulher; (2) a incorporação de novas estratégias de investigação criminal que não se fundamentem, exclusivamente, na palavra da vítima, diante do elevado risco de eventual não cooperação posterior da mulher com a persecução penal; e (3) a incorporação de estratégias político-criminais de monitoramento de casos de risco e de integração em rede para a prevenção da reiteração da violência. A realização de reformas nas instituições policiais a partir desse paradigma hermenêutico de gênero pode permitir substancial elevação na concretização do direito fundamental à segurança das mulheres.
Palavras-chave
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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v62i3.51841