Open Journal Systems

Violência contra a mulher: consequências da perspectiva de gênero para as políticas de segurança pública

Thiago André Pierobom de Ávila

Resumo


A Lei Maria da Penha promoveu um acréscimo significativo na demanda de atuação policial. Estudos têm demonstrado o caráter cíclico da violência doméstica, decorrente da dificuldade de rompimento de relações afetivas marcadas pela violência, com a resistência em denunciar e a tendência de reatar o relacionamento, bem como o caráter potencialmente letal na evolução deste ciclo de violência. Tais características das relações de gênero devem ser incorporadas nas estratégias político-criminais de atuação policial, trazendo como consequências: (1) a especial atenção à não prática de atos de revitimização durante as interações com a mulher; (2) a incorporação de novas estratégias de investigação criminal que não se fundamentem, exclusivamente, na palavra da vítima, diante do elevado risco de eventual não cooperação posterior da mulher com a persecução penal; e (3) a incorporação de estratégias político-criminais de monitoramento de casos de risco e de integração em rede para a prevenção da reiteração da violência. A realização de reformas nas instituições policiais a partir desse paradigma hermenêutico de gênero pode permitir substancial elevação na concretização do direito fundamental à segurança das mulheres.


Palavras-chave


Atuação policial. Política criminal. Perspectiva de gênero. Ciclo de violência. Proteção.

Texto completo:

PDF PDF (English)

Referências


ADORNO, Sérgio; PASINATO, Wânia. Crime, violência e impunidade. Revista eletrônica de jornalismo científico, n. 98, 10 maio 2008. Disponível em: https://goo.gl/AvK1dU. Acesso em: 22 mar. 2017.

ALBRECHT, Peter-Alexis. Prevention as a problematic objetive in the criminal justice system. In: ALBRECHT, Peter-Alexis; BACKES, Otto. Crime prevention and intervention: legal and ethical problems. Berlim: Walter de Gruyter, 1989, p. 47-72.

ANDRADE, Vera Regina Pereira. Criminologia e feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito de direito. In: CAMPOS, Carmen Hein de (Org.). Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999, p. 105-117.

ANGELIM, Fábio Pereira. A importância da intervenção multidisciplinar face à complexidade da violência doméstica. In: LIMA, Fausto Rodrigues de; SANTOS, Claudiene (Org.). Violência doméstica: vulnerabilidades e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 125-136.

ASSOCIAÇÃO DE MULHERES CONTRA A VIOLÊNCIA (AMCV). Avaliação e gestão de risco em rede: manual para profissionais. Lisboa: AMCV, 2013. Disponível em: https://goo.gl/A5nrE6. Acesso em: 31 mar. 2017.

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Articulação do trabalho em rede para a proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Revista do CNMP. No prelo.

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Fundamentos do controle externo da atividade policial. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016a.

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Investigação criminal: o controle externo de direção mediata pelo Ministério Público. Curitiba: Juruá, 2016b.

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. O sistema francês. In: ÁVILA, Thiago André Pierobom de. (Org.). Modelos europeus de enfrentamento à violência de gênero: experiências e representações sociais. Brasília: ESMPU, 2014, p. 203-299.

BANDEIRA, Lourdes Maria; THURLER, Ana Liési. A vulnerabilidade da mulher à violência doméstica: aspectos históricos e sociológicos. In: LIMA, Fausto Rodrigues de; SANTOS, Claudiene (Org.). Violência Doméstica: vulnerabilidades e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 159-167.

BRASIL. Diretrizes nacionais de investigação criminal com perspectiva de gênero. Brasília: Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, Senasp/MJ, Copevid, 2016.

BRASIL. Informações da Central do Ligue 180 fornecidas com amparo na Lei de Acesso à Informação. Brasília: SPM, 2017 [e-mail encaminhado ao autor em 11 abr. 2017].

BRASIL. Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2013. Disponível em: https://goo.gl/9dFQzL. Acesso em: 27 mar. 2017.

BUZAWA, Eve S.; BUZAWA, Carl G.; STARK, Evan D. Responding to domestic violence: The integration of criminal justice and human services. 5. ed. Los Angeles: SAGE, 2017.

CAMPBELL, Jacquelyn et al. Risk factors for femicide in abuse relationships: Results of a multisite case control study. American Journal of Public Health, n. 93(7), p. 1.089-1.097, 2003.

CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 10-22, fev.-mar. 2017.

CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência doméstica e Juizados Especiais Criminais: análise a partir do feminismo e do garantismo. Estudos feministas, Florianópolis, 14(2), p. 409-422, maio-ago. 2006.

CARNEIRO, Suelaine. Mulheres negras e violência doméstica: decodificando os números. São Paulo: Geledés, 2017.

CARVALHO, José Raimundo; OLIVEIRA, Victor Hugo. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher: prevalência da violência doméstica e impacto nas novas gerações. 2016. Disponível em: https://goo.gl/bzEFGB. Acesso em: 4 abr. 2017.

CUSSEN, Tracy; BRYANT, Willow. Domestic/family violence in Australia. Research in Practice, 38, 2015.

DATASENADO. Relatório de Pesquisa: violência doméstica contra a mulher. Brasília: Senado, 2005. Disponível em: https://goo.gl/MFAfQC. Acesso em: 4 abr. 2017.

DATASENADO. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Senado, 2013. Disponível em: https://goo.gl/AHRHsc. Acesso em: 4 abr. 2017.

DATASENADO. Violência doméstica e familiar contra a mulher: pesquisa de opinião pública nacional. Brasília: Senado, 2011. Disponível em: https://goo.gl/PzjeUP. Acesso em: 4 abr. 2017.

DINIZ, Debora; GUMIERI, Sinara. Implementação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha no Distrito Federal entre 2006 e 2012. Pensando a segurança pública, v. 6 (direitos humanos, grupos vulneráveis e segurança pública). Brasília: MJ, p. 205-231, 2016.

DISTRITO FEDERAL. Relatório Estatístico do MPDFT referente à violência doméstica contra a mulher no Distrito Federal no período de 2006 a 2016. Brasília: MPDFT, 2017. Disponível em: https://goo.gl/A628oo. Acesso em: 27 mar. 2017.

EIGENBERG, Helen M.; KAPPELER, Victor E.; MCGUFFEE, Karen. Confronting the complexities of domestic violence: A social prescription for rethinking police training. Journal of Police Crisis Negotiations, n. 12(2), p. 122-145, 2012.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015. 2015. Disponível em: https://goo.gl/za9CFQ. Acesso em: 4 abr. 2017.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO (FPA). Violência doméstica. São Paulo: FPA, 2011. Disponível em: https://goo.gl/Eg7QGu. Acesso em: 4 abr. 2017.

GERHARD, Nádia. Patrulha Maria da Penha: o impacto da ação da polícia militar no enfrentamento da violência doméstica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.

GOMES, Ana Paula Portella Ferreira. Como morre uma mulher? Configurações da violência letal contra mulheres em Pernambuco. 2014. 394 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014. Disponível em: https://goo.gl/EiC9ZX. Acesso em: 4 abr. 2017.

HASSEMER, Winfried. La Policía en el Estado de Derecho. In: HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad: bases para una teoría de la imputación en derecho penal. Tradução Francisco Muñoz Conde e María del Mar Díaz Pita. Valência: Tirant lo Blanc, 1999, p. 249-294.

HIRSCHEL, David J.; BUZAWA, Eve S. The role and impact of primary aggressor laws and policies. Journal of Police Crisis Negotiations, n. 12(2), p. 165-182, 2012.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Brasília: IBGE, 2010. Disponível em: https://goo.gl/P5Xp8F. Acesso em: 4 abr. 2017.

KALKMANN, Suzana et al. Racismo institucional: um desafio para a equidade no SUS? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 146-155, 2007.

KLEIN, A. R. Practical implications of current domestic violence research: For law enforcement, prosecutors and judges. Washington, DC: National Institute of Justice, 2009.

MACHADO, Lia Zanotta. Onde não há igualdade. In: MORAES, Aparecida; SORJ, Bila (Org.). Gênero, violência e direitos na sociedade brasileira. v. 1. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009, p. 158-183.

MCCULLOCH, Jude et al. Review of the family violence risk assessment and risk management framework (CRAF): final report. Melbourne: Monash University, 2016.

MEDEIROS, Marcela Novais. Avaliação de risco em casos de violência contra a mulher perpetrada por parceiro íntimo. 2015. 235 f. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica e Cultura) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2015.

MISSE, Michel (Org.). O inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: Booklink, 2010.

NAVARRO-SWAIN, Tania. Entre a vida e a morte, o sexo. In: NAVARRO-SWAIN, Tania; STEVENS, Cristina (Org.). A construção dos corpos: perspectivas feministas. Ilha de Santa Catarina, SC: Editora Mulheres, 2008, p. 285- 302.

ONU MULHERES. Diretrizes nacionais feminicídio: investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília: ONU, SPM/PR e Senasp/MJ, 2016.

OUR WATCH; AUSTRALIA’S NATIONAL RESEARCH ORGANISATION FOR WOMEN’S SAFETY (ANROWS); VICHEALTH. Change the story: a shared framework for the primary prevention of violence against women and their children in Australia. Melbourne: Our Watch, 2015.

PASINATO, Wânia. Acesso à justiça e violência contra a mulher em Belo Horizonte. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2012.

PASINATO, Wânia. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites de aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, São Paulo, n. 11(2), p. 407-428, jul.-dez. 2015.

PASINATO, Wânia. Lei Maria da Penha: novas abordagens sobre velhas propostas: onde avançamos? Civitas, 10(2), p. 216-232, 2010.

PATTERSON, Debra. The linkage between secondary victimization by law enforcement and rape cases outcomes. Journal of Interpersonal Violence, n. 26(2), p. 328-347, 2011.

PORTUGAL. Manual do policiamento de violência doméstica. Lisboa: MAI, 2014.

RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: Abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira e CESeC, 2005.

SAMPAIO, Elias de Oliveira. Racismo institucional: desenvolvimento social e políticas públicas de caráter afirmativo no Brasil. Revista Internacional de Desenvolvimento Local, v. 4, n. 6, p. 77-83, mar. 2003.

SILVA, Danielle Martins; RIBEIRO, Diogo Abe. Função orientadora das Corregedorias do Ministério Público na promoção da igualdade de gênero. Revista Jurídica Corregedoria Nacional: a atuação orientadora das Corregedorias do Ministério Público, v. 2. Brasília: CNMP, p. 187-216, 2017.

SOARES, Luiz Eduardo; BALESTRERI, Ricardo. A raiz de nossos problemas de segurança. Folha de São Paulo, 18 maio 2012.

SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano. O sistema inglês. In: ÁVILA, Thiago André Pierobom de (Org.). Modelos europeus de enfrentamento à violência de gênero: experiências e representações sociais. Brasília: ESMPU, 2014, p. 301-383.

VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria geral do direito policial. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009.

VICTORIA. Future directions for victim-centric policing. Melbourne: Victoria Police, 2015.

VICTORIA. Royal Commission on Family Violence: Report and recommendations. V. 3. Melbourne: RCFV, 2016. Disponível em: https://goo.gl/bimKBc. Acesso em: 4 abr. 2017.

WAISELFISZ, Julio J. Mapa da Violência 2015: Homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso, 2015.

WALKER, Lenore E. The Battered Woman. Nova Iorque: Harper and Row, 1979.

WHITE, Michael D. Police officer body-worn cameras: assessing the evidence. Washington, DC: Office of Justice Programs Diagnostic Centre, 2014.




DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v62i3.51841