CAROLINA MARIA DE JESUS, EPISTEMOLOGIA PERIPHÉRICA DOS RESTOS
Resumo
Este artigo propõe uma análise da obra Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, à luz da crítica contracolonial, da necropolítica e da epistemologia negra. Carolina não apenas narra a exclusão: ela a escreve com o corpo e com restos — de papel, de comida, de humanidade. Sua escrita encarna o conceito de peripheria, conforme formulado por Ronald Lopes e Jairo Carioca: uma produção de saberes a partir da escassez, da dor racializada e da recusa em silenciar. Confrontamos a pedagogia libertadora de Paulo Freire com os limites impostos por uma realidade onde a ideia de “ser-mais” já não basta. Carolina não se conscientiza para se libertar; ela escreve para não desaparecer. Mobilizando as contribuições de Judith Butler, Julia Kristeva, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez e Achille Mbembe, o texto argumenta que Carolina é epistemóloga do resto, pensadora do abjeto e fundadora de uma pedagogia encarnada — onde a palavra escrita é sobrevivência e insurgência. Seu diário não apenas documenta a dor: ele a transforma em denúncia encarnada contra o pacto colonial do saber. Em vez de exceção, Carolina deve ser lida como ruptura
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