Chamada de artigos - Dossiê: Os tempos na (depois da) história: revoltas, crise e guerra

Organizadores: prof. Sergio Villalobos Ruminott (Michigan University), prof. Andrea Cavalletti (Università di Verona) e prof. Vinícius Nicastro Honesko (UFPR).

Prazo para envio de textos: 5/9/2022

O teórico Furio Jesi, por volta de maio de 1968, dedica-se à escritura de um ensaio sobre a revolta espartaquista de 1918. Spartakus. Simbologia da revolta, que nunca foi publicado em vida pelo autor (apenas em 2000 ganha uma edição crítica), aponta para a suspensão do “tempo histórico normal” que acontece numa revolta. À “normalização do tempo” – operada por meio de uma contínua tecnicização (a lógica subjacente à toda operação do capital) e que também seria condicionante da concepção de história – a revolta traria uma possibilidade outra, qual seja: a abertura de uma experiência política capaz de revolver as condições de compreensão da temporalidade e, com isso, tal como já advertia Walter Benjamin em suas Teses sobre o conceito de História, exibir todo “tempo normal” como um processo ideologicamente guiado e, por fim, sempre pressuposto, naturalizado e inexorável – um continuum pontual e teleologicamente direcionado. Nesse sentido, as revoltas figurariam como propulsoras de crises no seio dessa normalidade temporal e histórica. O próprio Jesi escreve diante dos efeitos de uma revolta que, porém, como o tempo que pós-68 se rearranja, não seriam apenas as únicas determinantes das crises. Estas poderiam muito bem ser engendradas de formas muito diferentes e, ademais e de modo paradoxal, poderiam ser aproveitadas como oportunidades de reformas à ideologia (ao mito) da normalidade.

As crises que nos últimos cinquenta anos parecem lançar suas sombras de forma constante sobre essa normalidade têm sido oportunamente neutralizadas, tal como aponta Wolfgang Streeck, por uma espécie de compra de tempo (a estratégia da reforma seja pela doutrina do choque, como diz Naomi Klein, seja por uma espécie de operacionalização legislativa, como aponta Grégoire Chamayou, seja ainda pelas campanhas ideológicas via think thanks). Depois das explosões do muro (1989), das torres (2001), das bolhas (2008) e dos consensos ditos “mínimos democráticos”(sobretudo depois da eleição de Donald Trump, em 2016), o tempo acelerado imprimido pelos circuitos do fluxo de capital parece, paradoxalmente, dilatar-se num presente distendido que, por sua vez, não seria um tempo de aberturas aos possíveis, mas da simulação do continuum que dissimula sua precipitação na catástrofe: do pós-trabalho à recomposição de mitologias identitárias – novos muros, novos inimigos, novas fronteiras à financeirização (da corrida espacial particular aos implantes de chips para memórias cibernéticas) –, das migrações por escassez de recursos e alimentos à intensificação da precarização das condições de vida mesmo nos países do Atlântico Norte, da crise ambiental às persistentes guerras por combustíveis fósseis, parece que o contemporâneo, com sua normalidade, está envolto num delírio de onipotência e no desespero da impotência absoluta, como disse Franco “Bifo” Berardi.

Nesse sentido, o dossiê pretende acolher ensaios e artigos que transitem por análises dirigidas às inquietações e problemáticas acerca da compreensão do tempo na história contemporânea e também que busquem novas formas refletir sobre nossas diretrizes epistemológicas no âmbito das humanidades. Como pensar os rearranjos histórico-políticos que se deram nestes primeiros vinte anos de século XXI? Como os desenvolvimentos tecnológicos e científicos imprimiram novas dinâmicas econômicas e sociais: com seus esfacelamentos e novas formas de sociabilidades advindas da cibernética, com seus deslocamentos espaciais (a intensificação da China como principal máquina industrial do planeta) e alcance cada vez maior (incluindo, direta ou indiretamente, povos e populações no circuito global: seja por meio da ocupação de seus espaços pela expansão de fronteiras agrícolas ou industriais, seja pelos efeitos da crise ambiental, com as migrações forçadas por colapsos climáticos regionalizados)? Em que medida as reflexões no âmbito das humanidades têm sido capazes de lidar com essas questões?