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Situações de direito como situações de exceção: a relação entre direito e vida em Nietzsche

Vinicius Fernandes Ormelesi

Resumo


Antes de os estudos críticos sobre a temática da “juridicização” serem desenvolvidos na área das ciências sociais, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche já percebia o aumento do direito formal nas sociedades modernas como um sintoma de decadência cultural. Assim, este artigo tem como objetivo analisar os escritos nietzschianos, buscando neles uma antecipação filosófica da crítica sociológica ao problema da hipertrofia do direito. Para tanto, confere-se especial atenção ao parágrafo 11 da segunda das três dissertações que compõem o livro Genealogia da moral, obra fundamental do autor, na qual se encontram as principais de suas reflexões sobre o fenômeno jurídico. Utiliza-se como metodologia de estudo a interpretação contextual da ideia da provisoriedade das situações de direito, formulada por Nietzsche no referido parágrafo. Partindo de uma perspectiva que considera a filosofia nietzschiana uma crítica cultural ao processo civilizatório, pretende-se mostrar que, para Nietzsche, o direito é um meio para a afirmação da vida, a qual se dá por meio da luta entre as vontades de potência. Entretanto, o aumento exagerado do direito representaria uma supressão dos espaços de luta indispensáveis à vida. Logo, a hipertrofia do direito moderno seria um sintoma de decadência cultural, uma vez que tolheria a vida de seu aspecto fundamental.

Palavras-chave


Direito. Exceção. Juridicização. Nietzsche. Genealogia.

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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v67i1.73902