Open Journal Systems

“O comprimido entra e o chip sai": uma análise etnográfica da medicalização da periculosidade em um manicômio judiciário

Túlio Maia Franco

Resumo


Neste artigo descrevo o papel central que ocupam os psicotrópicos no tratamento-compulsório do manicômio judiciário. Para explorar esta questão analiso, em um primeiro momento, uma série de documentos jurídicos e administrativos que versavam sobre o déficit no estoque de medicamentos e seus efeitos negativos sobre a população de internos nos dois Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do Estado do Rio de Janeiro. Na segunda parte do texto examino etnograficamente a história de Sérgio, paciente de um HCTP que foi reinternado na instituição poucos meses após extinta sua medida de segurança. A análise antropológica do caso de Sérgio permitirá melhor compreender de que modo a “medicalização da periculosidade” se relaciona com a ideia de que o tratamento medicamentoso seria capaz de restituir o “equilíbrio psiquiátrico” ao paciente fazendo cessar sua “periculosidade”.

 

 


Palavras-chave


medicalização; periculosidade criminal; manicômio judiciário; HCTP; medida de segurança

Texto completo:

PDF

Referências


BIEHL, João. 2007. A Life: Between Psychiatric Drugs and Social Abandonment. In: BIEHL, João, GOOD, Byron e KLEINMAN, Arthur (orgs.). 2007. Subjectivity: ethnographic investigations. Berkley: University of California Press.

BIEHL, João. 2008. "Antropologia do devir: psicofármacos - abandono social - desejo". Revista de Antropologia, 51(2):413-449. https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27285

BIEHL, João. 2011. "CATKINE … Asylum, Laboratory, Pharmacy, Pharmacist, I and the Cure: Pharmaceutical Subjectivity in the Global South." In: JENKINS, Janis (org). Pharmaceutical Self and Imaginary: Psychopharmacology in a Globalizing World. Santa Fe: SAR Press.

BONET, Octavio. 2014. Itinerações e malhas para pensar os itinerários de cuidado: A propósito de Tim Ingold. Revista sociologia & antropologia. Rio de janeiro, 4(2):327-350. https://doi.org/10.1590/2238-38752014v422

BRASIL. 2004. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender a gestão do Programa de Medicamentos de dispensação em caráter excepcional. Brasília: CONASS.

BRASIL. Decreto-lei 2848 de 7 de dezembro de 1940.Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 28 de abril de 2017.

BRASIL. Lei nº 7.210 de julho de 1984.Lei de Execução Penal. Disponível em: . Acesso em: 27/03/17.

BRASIL. Lei 10.216 de 06 de abril 2001. Lei da Reforma Psiquiátrica. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em 28 de abril de 2017.

BRASIL. Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Ministério da Saúde. Disponível em: . Acessado em 01 de maio de 2019.

BRASIL. Decreto nº 9.761 de 11 de abril de 2019. Aprova a Política Nacional sobre Drogas. Disponível em:. Acesso em 01 de maio de 2019.

BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

BUTLER, Judith. 2000. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.), O corpo educado, 2ª edição. Belo Horizonte: Autêntica.

FERRAZZA, Daniele et al. 2013. Medicalização em um serviço público de saúde mental: um estudo sobre a prescrição de psicofármacos. Gerais, Rev. Interinst. Psicol.,6(2):255-265.

FOUCAULT, Michel. 1988. 'Technologies of the self'. In: MARTIN, L. H., et al. (org.). Technologies of the Self: A seminar with Michel Foucault. Amherst: The University of Massachusetts Press.

FOUCAULT, Michel. 2006. O Poder Psiquiátrico: curso dado no Collège de France (1973-1974). São Paulo: Martins Fontes.

FOUCAULT, Michel. 2010a. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 38ª ed. Petrópolis: Vozes.

FOUCAULT, Michel 2010b. Os Anormais: curso no Collège de France (1974 - 1975). 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes.

FRANCO, Túlio Maia. 2017. Além da medida: uma etnografia do "tratamento" previsto na medida de segurança em um manicômio judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.

GARLAND, David. 2005. Cultura del control: crimen y orden social em la sociedade contemporánea. Barcelona: Editorial Gedisa.

GOFFMAN, Erving. 1974. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.

GONÇALVES, Renata Weber; VIEIRA, Fabíola Sulpino; DELGADO, Pedro Gabriel Godinho. 2012. Política de Saúde Mental no Brasil: evolução do gasto federal entre 2001 e 2009. Rev. Saúde Pública, São Paulo, 46(1):51-58. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000085

GØTZSCHE, Peter. 2016. Psicofármacos que matan y denegación organizada, Barcelona: Los Libros del Lince.

HARAWAY, Donna. 1997. Modest-Witness@Second-Millennium.FemaleMan©- Meets-OncoMouse™: feminism and technoscience. New York: Routledge.

INGOLD, Tim. 2012.Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horiz. antropol., 18(37):25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002

IRIART, Celia; MERHY, Emerson.2017. Disputas inter-capitalistas, biomedicalización y modelo médico hegemónico. Interface, 1:1-18. https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0808

JENKINS, Janis. 2011. Psychopharmaceutical Self and Imaginary in the Social Field of Psychiatric Treatment, In: Pharmaceutical Self and Imaginary: Psychopharmacology in a Globalizing World. Santa Fe: SAR Press.

KESSING, Lars, et al. 2005. Depressive and bipolar disorders: patients' attitudes and beliefs towards depression and antidepressants. Psychol Med, 35: 1205-1213. https://doi.org/10.1017/S0033291705004605

LATOUR, Bruno. 1994. On technical mediation - philosophy, sociology, genealogy. Common Knowledge, 3(2):29-64.

LEADER, Darian.2015. Simplesmente bipolar. Rio de Janeiro: Zahar.

MATEUS, Mário. 2013. Políticas de saúde mental: baseado no curso Políticas públicas de saúde mental, do CAPS Luiz R. Cerqueira. São Paulo: Instituto de Saúde.

MATOS, Alexandre. 2014. Grupo faz mapeamento da farmoquímica nacional. Agência fiocruz de notícias. Rio de Janeiro, 21 de mar. de 2014. Disponível em: < https://agencia.fiocruz.br/grupo-faz--mapeamento-da-farmoqu%C3%ADmica-nacional>. Acesso em: 18 fev. 2019.

MISSE, Michel. 2010. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria "bandido". Lua Nova, 79:15-38. https://doi.org/10.1590/S0102-64452010000100003

MITJAVILA, Myriam; MATHES, Priscilla. 2016. Labirintos da medicalização do crime. Saúde soc., 25(4): 847-856. https://doi.org/10.1590/s0104-12902016165278

MITJAVILA, Myriam; VÁSQUEZ, María. 2018. Apresentação - Medicalização do crime: indagações genealógicas. Saúde soc. 27(2):295-297. https://doi.org/10.1590/s0104-12902018000011

PERES, Maria Fernanda Tourinho; NERY FILHO, Antônio. 2002. A doença mental no direito penal brasileiro: inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. Hist.cienc. saude-Manguinhos, 9(2):335-355. https://doi.org/10.1590/S0104-59702002000200006

PIGNARRE, Philippe. 1999. O que é o medicamento?: um objeto estranho entre ciência, mercado e sociedade. São Paulo: Editora 34.

PRINS, Baukje; MEIJER, Irene Costera. 2002. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Rev. Estud. Fem., 10(1):155-167. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100009

ROSE, Nikolas. 2013. A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no Século XXI. São Paulo: Paulus.

SAFATLE, Vladimir. 2015. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo: Cosac Naify.

SCARAMELLA, Maria Luisa. 2015. Biografias judiciárias: analisando laudos psiquiátricos de autos de processos penais. In: KOFES, Suely; MANICA, Daniela (orgs.) Vidas & Grafias: narrativas antropológicas entre biografia e etnografia. Rio de Janeiro: Lamparina Editora.

SJAAK, Van Der Geest; WHYTE, Susan Reynolds. 2011. O encanto dos medicamentos: metáforas e metonímias. Sociedade e Cultura, 14(2):457-472.

TURNER, Victor. 1974. O Processo Ritual: Estrutura e Anti-Estrutura. Petrópolis: Vozes.




DOI: http://dx.doi.org/10.5380/cra.v19i2.65096

Apontamentos

  • Não há apontamentos.