“O comprimido entra e o chip sai": uma análise etnográfica da medicalização da periculosidade em um manicômio judiciário

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5380/cra.v19i2.65096

Palavras-chave:

medicalização, periculosidade criminal, manicômio judiciário, HCTP, medida de segurança

Resumo

Neste artigo descrevo o papel central que ocupam os psicotrópicos no tratamento-compulsório do manicômio judiciário. Para explorar esta questão analiso, em um primeiro momento, uma série de documentos jurídicos e administrativos que versavam sobre o déficit no estoque de medicamentos e seus efeitos negativos sobre a população de internos nos dois Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do Estado do Rio de Janeiro. Na segunda parte do texto examino etnograficamente a história de Sérgio, paciente de um HCTP que foi reinternado na instituição poucos meses após extinta sua medida de segurança. A análise antropológica do caso de Sérgio permitirá melhor compreender de que modo a “medicalização da periculosidade” se relaciona com a ideia de que o tratamento medicamentoso seria capaz de restituir o “equilíbrio psiquiátrico” ao paciente fazendo cessar sua “periculosidade”.

 

 

Biografia do Autor

Túlio Maia Franco, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Doutorando em Antropologia Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ).

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Publicado

2018-12-31

Como Citar

Franco, T. M. (2018). “O comprimido entra e o chip sai": uma análise etnográfica da medicalização da periculosidade em um manicômio judiciário. Campos - Revista De Antropologia, 19(2), 103–123. https://doi.org/10.5380/cra.v19i2.65096

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Artigos