FRANCO BASAGLIA E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA SAÚDE MENTAL: DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO À CIDADANIA
DOI:
https://doi.org/10.5380/nep.v11i2.102024Resumo
Este artigo investiga o legado de Franco Basaglia para a reforma psiquiátrica e sua relevância para os desafios contemporâneos da saúde mental. Partindo de uma abordagem qualitativa, fundamentada em revisão bibliográfica e análise comparativa, examinamos a ruptura epistemológica promovida por Basaglia ao criticar o manicômio como dispositivo de exclusão e violência institucionalizada. Nossa hipótese é que, embora as reformas legais tenham permitido a superação formal dos asilos, a lógica da exclusão persiste sob novas formas, como a medicalização excessiva, a reclusão terapêutica e a precarização das políticas públicas. A análise inclui os casos emblemáticos do Hospital Colônia de Barbacena e de San Servolo, destacando o papel da memória como instrumento político e histórico. Concluímos que a desinstitucionalização permanece como um processo inacabado, que exige articulação entre cuidado comunitário, cidadania e preservação da memória das violências. Revisitar Basaglia implica reafirmar a saúde mental como arena de direitos humanos e luta pela dignidade dos sujeitos.
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