Eugenia, esterilização e raça: uma hipótese sobre o mito da democracia racial e a institucionalização da esterilização eugênica no Brasil

Autores

  • Leonardo Dallacqua de Carvalho Professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) - PPGHIST. Doutor em História pela FIOCRUZ-RJ.

DOI:

https://doi.org/10.5380/his.v72i2.95868

Palavras-chave:

Eugenia, História das Ciências, raça

Resumo

 A eugenia “negativa” foi adotada de maneiras diversas em países como Estados Unidos, Alemanha e Brasil. No Brasil, sua implementação se destacou pelas restrições à imigração, que foram institucionalizadas até 1945. No entanto, a esterilização como método, embora tenha sido proposta em diferentes momentos, inexistiu como prática institucionalizada no país. Por quê? O texto levanta a hipótese que a celebração da mestiçagem, com base na falsa ideia da democracia racial como um elemento inquestionável da identidade nacional, foi um dos fatores que inibiu a adoção de práticas como a esterilização em massa por razões eugênicas como política de Estado. Não se pretende com essa hipótese afirmar que o Brasil tenha sido “privilegiado” por uma forma “branda” de eugenia; pelo contrário, busca-se entender sob novas perspectivas como a exclusão por meio da eugenia adotou diferentes mecanismos. A formação do racismo brasileiro, pautado na sua própria negação, não dependeu da legitimação das técnicas de esterilização para promover formas de segregação que historicamente estavam arraigadas na sociedade. Portanto, a rejeição da institucionalização da esterilização eugênica estava relacionada, entre outras, à lógica do discurso da democracia racial, facilitando a viabilidade do sistema excludente no contexto brasileiro.

Biografia do Autor

Leonardo Dallacqua de Carvalho, Professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) - PPGHIST. Doutor em História pela FIOCRUZ-RJ.

Professor no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) - PPGHIST.

Doutor em História pela FIOCRUZ-RJ.

Referências

ADAMS, Mark. Eugenics in the History of Science. In: ADAMS, Mark (ed.). The wellborn science: eugenics in Germany, France, Brazil, and Russia. New York, Oxford: Oxford University Press, pp.3-7, 1990.

ALBERTO, Paulina; HOFFNUNG-GARSKOF, Jesse. “Democracia racial” e inclusão racial: histórias hemisféricas. In.: ANDREWS, George; FUENTE, Alejandro de la. Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLASCO, 2018.

ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.

BOLETIM DE EUGENIA. Principais conclusões aprovadas pelo Congresso Brasileiro de Eugenia. Ano 4, n. 40, 1932.

BRASIL. Congresso Nacional. Relatório n. 2, de 1993. Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência de esterilização em massa nas mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos Patrocínio. Brasília, 1993. Acesso em: 09/01/2024.

CARVALHO, Leonardo Dallacqua de; SOUZA, Vanderlei Sebastião de. (2017). Continuidades e rupturas na história da eugenia: uma análise a partir das publicações de Renato Kehl no Pós-Segunda Guerra Mundial. Perspectiva, v. 35, n. 3, p. 2017.

CARVALHO, Leonardo Dallacqua de. O saneador do Brasil: saúde pública, política e integralismo na trajetória de Belisário Penna (1868-1939). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 2019.

COSTA, Jurandir Freire. História da psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. a ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. v.1. São Paulo: Editora Globo, 2008 [1964].

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007 [1972].

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia pratiarcal. 48 ed. São Paulo: Global, 2003 [1933].

GRAHAM, Jessica Lynn. Shifting the Meaning of Democracy: Race, Politics, and Culture in the United States and Brazil. Oakland: University of California Press, 2019.

GUIMARÃES, A. S. A. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002.

KEHL, Renato. Aparas eugênicas: Sexo e Civilização. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1933.

KEHL, Renato. Crise Biológica. S/D. (recorte avulso, Fundo Renato Kehl, DAD-COC).

KEHL, Renato. Degeneração e Esterilização. Correio da Manhã, 20 de agosto de 1933.

KEHL, Renato. Devem ser esterilizados os enfermos incuráveis? O GLOBO, 3 de janeiro de 1934.

KEHL, Renato. Eugenia e Integralismo. A Offensiva, 1 de março de 1936.

KEHL, Renato. Eugenização Nacional. Jornal do Commercio, 5 de fevereiro de 1950.

KEHL, Renato. Grupo: Pesquisa. Dossiê: Comunicação de resultados. (recorte avulso, Fundo Renato Kehl, DAD-COC).

KEHL, Renato. Por que sou eugenista: 20 anos de campanha eugênica (1917-1937). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1937.

KEHL, Renato. Questão de Raça. Boletim de Eugenia. Rio de Janeiro, Ano 1, n. 6-7, 1929.

KÜHL, Stefan. The Nazi connection: Eugenics, American racism, and German National Socialism. New York: Oxford University Press, 1994.

KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros para o Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

LESSER, Jeffrey. A invenção da brasilidade: identidade nacional, etnicidade e políticas de imigração. São Paulo: Editora UNESP, 2015.

LEVINE, Philippa. Eugenics: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2017.

LIMA, Nisia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (org.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 23-40, 1996.

LOPES, Ernani. A alta tardia dos heredo-psychopathas por motivo de ordem eugênica: subsídio para a nossa lei de assistência a psychopathas. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental. A. VI, n.4, pp. 277-189, outubro-dezembro de 1933.

MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. À luz do biológico: psiquiatria, neurologia e eugenia nas relações Brasil-Alemanha (1900-1942). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2015.

PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos. São Paulo: Editora da UNESP, 2005.

RAMOS, Jair Souza. O ponto da mistura: raça, imigração e nação em um debate da década de 20. Dissertação de Mestrado, Antropologia Social, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1994.

ROITBERG, Guilherme Prado. Crítica da razão eugênica: A educação para a consciência racial em Renato Kehl, Salvador Toledo Piza Júnior e Octavio Domingues. Tese de Doutorado. São Carlos-SP, Universidade Federal de São Carlos, 2023.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2002.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Questão Racial e Etnicidade. In: MICELI, S. O que ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995). v1. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999.

SEYFERTH, Giralda. The diverse understandings of foreign migration to the South of Brazil (1818-1950). Vibrant, Virtual Brazilian Anthropology.

Brasília, v. 10, n. 2, pp.118-162, 2013.

SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco: raça e nacionalidade do pensamento brasileiro (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

SODRÉ, Muniz. O fascismo da cor: uma radiografia do racismo nacional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A política biológica como projeto: a “Eugenia Negativa” e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Em Busca do Brasil: Edgard Roquette Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935). Rio de Janeiro: FGV Editora e Editora FIOCRUZ, 2017.

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Eugenia, racismo científico e antirracismo no Brasil: debates sobre ciência, raça e imigração no movimento eugênico brasileiro (1920-1930). Revista Brasileira de História, Rio de Janeiro, v.42, n.89, pp.93-115, 2022. Disponível em: . Acesso em: 22/04/2023.

STEPAN, Nancy. “A hora da eugenia”: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005. STERN, Alexandra. “The Hour of Eugenics” in Veracruz, Mexico: Radical Politics, Public Health, and Latin America’s Only Sterilization Law. Hispanic American Historical Review. Durham, NC: v.91, n.3, 2011. https://read.dukeupress.edu/hahr/article-abstract/91/3/431/10510/The-

-Hour-of-Eugenics-in-Veracruz-Mexico-Radical.Acesso em: 21/05/2023.

ZEM EL-DINE, Lorenna. A alma e a forma do Brasil: o modernismo paulista em verde-amarelo. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2017.

VALLEJO, Gustavo. La hora cero de la eugenesia en la Argentina: disputas e ideologías en el surgimiento de un campo científico, 1916-1932. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 25, supl., pp.93-115, 2018.

WEGNER, Robert; SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Eugenia ‘negativa’, psiquiatria e catolicismo: embates em torno da esterilização eugênica no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.20, n.1, pp. 263-288, 2013. Acesso em: 12/07/2023.

Downloads

Publicado

2025-05-29

Como Citar

de Carvalho, L. D. (2025). Eugenia, esterilização e raça: uma hipótese sobre o mito da democracia racial e a institucionalização da esterilização eugênica no Brasil. História: Questões & Debates, 72(2). https://doi.org/10.5380/his.v72i2.95868