Chamada de artigos - Dossiê: Ascensão e Queda do Paraíso Tropical
ENVIO até 22/03/2021
Organizadores:
Margareth Rago (História - UNICAMP)
Mauricio Pelegrini (História - UNICAMP)
Proposta do dossiê:
A imagem do Brasil como “paraíso tropical” tem uma longa história, como mostram os estudos de Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre, Ronaldo Vainfas, Ronald Raminelli e Richard Parker, entre outros. Desde os inícios da colonização, os europeus perceberam os povos indígenas como indolentes e preguiçosos, e não foi muito
diferente a imagem que construíram dos negros e negras africanos, muito sensualizados, segundo os colonizadores, aqui trazidos pelo tráfico negreiro para substituir o trabalho indígena. Sensualidade, docilidade, preguiça e irracionalidade foram atributos construídos pelo racismo estrutural para nomear negros/as e indígenas, o que vem sendo fortemente denunciado em nossos dias. Vale lembrar que, nos anos de 1990, o antropólogo Richard Parker questionou a imagem de “povo sensual” com que se viam ou eram vistos os brasileiros, assim como o mito da “democracia racial”, que Thomas Skidmore denunciara desde a década de 1970, seguido por muitos outros pesquisadores. Ainda assim, por muitos séculos o Brasil foi visto como o país do carnaval, do samba, do corpo, da alegria, das “mulatas sensuais”, o que implicava ao mesmo tempo a noção de irracionalidade ou incapacidade política de autogerir-se. Os brasileiros precisavam ser conduzidos e por mãos fortes. A justificativa para a ditadura militar ganhava forma. Em nossos dias, esse mito desmorona rapidamente, acentuando tendências que já se faziam notar desde o período autoritário e mesmo durante a redemocratização. Contudo, a pandemia acelerou o processo de desagregação social resultante da crise política que vivemos, desde a ascensão de grupos neofascistas ao poder e a escalada neoliberal, com
a “economização do social”, ou extensão da lógica do mercado para se pensarem todas as dimensões da vida, como assinala Wendy Brown. Sem dúvida alguma, já não nos vemos, nem somos vistos, como o país paradisíaco, e muito pelo contrário, constatamos a violência crescente tanto nas formas de exploração do trabalho quanto no racismo estrutural que marca fortemente as relações cotidianas, na opressão de gênero, na destruição das florestas e matas, no genocídio que afeta as populações indígenas, negras, pobres, periféricas, na perseguição homofóbica às “minorias”, em todo o país.
Este dossiê visa discutir a ascensão e a queda do mito do “paraíso tropical” atribuído ao Brasil, construído e refinado ao longo de décadas. Presenciamos, no momento, o desmoronamento desse imaginário em várias dimensões e com uma rapidez espantosa. E seguindo o cineasta Karim Aïnouz: “Acredito que essa pandemia deveria também anunciar o fim daquele mundo, não dá para “voltar ao normal” porque o que vivíamos não era normal. É isso que desejo, que a ruína seja a ruína do sistema que vivemos hoje e que o futuro aponte para a superação do que está dado.” (Entrevista ao IMS, 2020)