Open Journal Systems

O poder da palavra: notas sobre o profetismo taurepáng, norte de Roraima

Caio Monticelli

Resumo


O objetivo deste trabalho é esboçar os contornos gerais do que seria uma faceta do profetismo taurepáng, povo indígena que vive no norte do estado de Roraima. Testemunhas oculares da imigração em massa de venezuelanos para o Brasil, os impactos da crise venezuelana na fronteira brasileira forneceram novos referenciais para a vida ritual dos Taurepáng, praticantes há décadas da religião do Sétimo Dia. Entretanto, se eles condenam as sessões de cura dos xamãs, a própria atuação de seus pregadores sugere a existência de um xamanismo subjacente à sua experiência religiosa. Nos cultos, o poder da palavra ritual proferida pelos pregadores assume o primeiro e parece indicar elementos fundamentais para pensarmos esse caso particular de cristianismo indígena, no qual eventos do cotidiano são sistematicamente interpretados à luz da doutrina adventista.

 


Palavras-chave


Taurepáng; profetismo; cristianismo indígena; fala ritual; crise venezuelana.

Texto completo:

PDF

Referências


Abreu, S. (1995). Aleluia: o banco de luz (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Amâncio, T. (2019). Com crise venezuelana, Pacaraima é cidade que mais cresce; veja mais curiosidades sobre a população. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 ago. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/com-crise-venezuelana-pacaraima-e-cidade-que-mais-cresce-veja-outras-curiosidades.shtml. Acesso: 08/07/2021.

Amaral, M. (2019). Os Ingarikó e a religião Areruya (Tese de Doutorado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Andrello, G. (1993). Os Taurepáng: Memória e Profetismo no Século XX (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Andrello, G. (1999). Profetas e pregadores: a conversão taurepáng à religião do Sétimo Dia. In R. Wright (ed.). Transformando os Deuses: os múltiplos sentidos da conversão entre os povos indígenas no Brasil (pp. 258-308). Campinas: Editora da Unicamp.

Andrello, G. (2010). Fazenda São Marcos: de Próprio Nacional a Terra Indígena. In R. Barbosa, & V. Melo (eds). Roraima: homem, ambiente e ecologia (pp. 67-93). Boa Vista: FEMACT.

Armellada, C. (1964). Tauron Pantón: cuentos y leyendas de los indios pemón. Caracas: Ministerio de Educación, Biblioteca Venezolana de Cultura.

Armellada, C. (1972). Pemonton Taremuru. Invocaciones Mágicas de los Indios Pemón. Caracas: Centro de Lenguas Indígenas, Universidad Católica Andrés Bello.

Armellada, C., & Salazar, M. (1981). Diccionario Pemón-Castellano. Caracas: Universidad Católica Andrés Bello.

Barbosa, M. (2022). Inflação bateu 686,4% na Venezuela em 2021. Poder 360, 8 jan. https://www.poder360.com.br/economia/inflacao-subiu-6864-na-venezuela-em-2021. Acesso: 15/02/2022.

Basso, E. (1987). In Favour of Deceit. A Study of Tricksters in an Amazonian Society. Tucson: The University of Arizona Press.

Basso, E. (1995). The Last Cannibals. A South American Oral History. Austin: University of Texas Press.

Bermúdez, Á. (2021). “País de velhos e crianças”: migração em massa aprofunda crise na Venezuela. BBC News Brasil, 10 ago. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58151392. Acesso: 18/11/2021.

Buchillet, D. (1990). Los poderes del hablar: terapia y agresión chamánica entre los indios Desana del Vaupes brasileiro. In E. Basso, & J. Sherzer (eds). Las culturas nativas latino-americanas a través de su discurso (pp. 319-352). Rome: Abya-Yala.

Buchillet, D. (2002). Contas de vidro, enfeites de branco e “potes de malária”. Epidemiologia e representações de doenças infecciosas entre os Desana do alto Rio Negro. In B. Albert, & A. Ramos (eds). Pacificando o branco. Cosmologias do contato no Norte-Amazônico (pp. 113-144). São Paulo: Editora da Unesp.

Butt, A. (1960). The birth of a religion: the origins of a semi-Christian among the Akawaio. Journal of the Royal Anthropological Institute, 90(1), 66-106. https://doi.org/10.2307/2844219

Butt Colson, A. (1971). Hallelujah among the Patamona Indians. Antropologica, 28, 25-58. http://www.fundacionlasalle.org.ve/userfiles/ant_1971_28_25-60.pdf

Butt Colson, A. (1983-1984). The spatial component in the political structure of the Carib speakers of the Guiana Highlands: Kapon and Pemon. Antropologica, 59-62, 73-124.

Butt Colson, A. (1985). Routes of Knowledge: An Aspect of Regional Integration in the Circum-Roraima Area of the Guiana Highlands. Antropológica, 63-64, 103–149.

Butt Colson, A. (1989). La naturaleza del ser: conceptos fundamentales de los Kapón y Pemón (Area del Circum-Roraima de las Guayanas). In J. Bottasso (ed). Las religiones amerindias 500 años después (pp. 53-90). Quito: Ediciones Abya-Yala.

Butt Colson, A. (2000). Itoto (Kanaima) as Death and Anti-Structure. In L. Rival, & N. Whitehead (eds). Beyond the visible and the material: The amerindianization of society in the work of Peter Rivière (pp. 221-233). New York: Oxford University Press.

Carneiro, J. (2018). Os venezuelanos que perderam até foto dos filhos nos conflitos em Pacaraima. G1, o portal de notícias da Globo, Rio de Janeiro, 23 ago. https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2018/08/23/os-venezuelanos-que-perderam-ate-foto-dos-filhos-nos-conflitos-em-pacaraima.ghtml. Acesso: 20/11/2021.

Carneiro da Cunha, M. (1978). Os mortos e os Outros. São Paulo: Hucitec.

Carvalho, F. (2016). Theodor Koch-Grünberg e a cultura brasileira. Gragoatá, 21(41), 665-685. https://doi.org/10.22409/gragoata.v21i41.33421

Colombo, S. (2021). Eleição na Venezuela não será livre, mas não precisamos entregá-la de bandeja, diz opositor. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 out. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/10/eleicao-na-venezuela-nao-sera-livre-mas-nao-precisamos-entrega-la-de-bandeja-diz-opositor.shtml.

Course, M. (2018). Words beyond meaning in Mapuche language ideology. Language & Communication, 68, 9-14. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.03.007

Danowski, D., & Viveiros de Castro, E. (2017). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. São Paulo: Editora Instituto Socioambiental.

Farage, N. (1997). As flores da fala: práticas retóricas entre os Wapishana (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.

Farage, N. (1998). A ética da palavra entre os Wapishana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13(38), 1-10. https://doi.org/10.1590/S0102-69091998000300007

Franchetto, B. (1986). Falar kuikuro. Estudo etnolinguístico de um grupo karib do Alto Xingu (Tese de Doutorado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Franchetto, B. (1989). Forma e significado na poética oral kuikuro. Amerindia 14. Laboratoire d’Ethnolinguistique, CNRS, Paris. https://www.sedyl.cnrs.fr/amerindia/articles/pdf/A_14_03.pdf

Franchetto, B. (2020). Língua(s): cosmopolíticas, micropolíticas, macropolíticas. Campos – Revista de Antropologia, 21(1), 21-36. http://dx.doi.org/10.5380/cra.v21i1.70519

Fuckner, I. (2003). Comidas do céu, comidas da terra: invenções e reinvenções culinárias entre os adventistas do Sétimo Dia (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.

Gallois, D. (ed.). (2005). Redes de Relações nas Guianas. São Paulo: Associação Editorial Humanitas/Fapesp.

Gow, P. (1990). Could Sangama read? The origin of writing among the Piro of Eastern Peru. History and Anthropology, 5(1), 87-103. https://doi.org/10.1080/02757206.1990.9960809

Gutierrez, M. (2018). Mais de 800 venezuelanos entram, por dia, no Brasil para fugir à crise na Venezuela. Observador, 06 abr. https://observador.pt/2018/04/06/mais-de-800-venezuelanos-entram-por-dia-no-brasil-para-fugir-a-crise-na-venezuela/. Acesso: 08/07/2021.

Hauck, J., & Heurich, G. (2018). Language in the Amerindian imagination. An inquiry into linguistic natures. Language & Communication, 63, 1-8. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2018.03.005

Heurich, G. (2020). Broken words, furious wasps. How should we translate the sonic materiality of Araweté ritual singing? Journal de la Société des Américanistes, 106(1), 105-126. https://doi.org/10.4000/jsa.18302

Hugh-Jones, S. (1994). Shamans, Prophets, Priests and Pastors. In: N. Thomas, & C. Humphrey (eds). Shamanism, History and the State (pp. 32-75). Ann Arbor: The University of Michigan Press.

Hugh-Jones, S. (2001). The gender of some Amazonian gifts: an experiment with an experiment. In T. Gregor, & D. Tuzin (eds). Gender in Amazonia and Melanesia. (pp. 245-278). Berkeley: University of California Press.

Justine, F. (2019). Venezuela prendeu 77 crianças na repressão de manifestações contra Maduro. Imprensa Pública, 29 jan. https://imprensapublica.com.br/venezuela-prendeu-77-criancas-na-repressao-de-manifestacoes-contra-maduro. Acesso: 18/11/2021.

Koch-Grünberg, T. (1979-1982). Del Roraima al Orinoco (1917-1928) 3 vol. Caracas: Ediciones del Banco Central de Venezuela.

Koch-Grünberg, T. (2006). Do Roraima ao Orinoco, v. 1: observações de uma viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos 1911 a 1913. São Paulo: Editora UNESP.

Lévi-Strauss, C. (1957). Lição de escrita. In Tristes trópicos (pp. 312-323). São Paulo: Editora Anhembi Limitada.

Levy, G. (2003). Vozes Inscritas: o movimento de San Miguel entre os Pemon, Venezuela (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Lewy, M. (2012). Different “seeing” – similar “hearing”. Ritual and sound among the Pemón (Gran Sabana/Venezuela). Indiana, 29, 53-71. https://doi.org/10.18441/ind.v29i0.53-71

Lewy, M. (2017). “Com o arquivo de volta ao campo”. A reinterpretação e recontextualização das gravações de Koch-Grünberg (1911) entre o povo Pemón. Música em Contexto, 1, 251-288. https://periodicos.unb.br/index.php/Musica/article/view/11137

Lima, T. (2018). A planta redescoberta: um relato do encontro da ayahuasca com o povo Yudjá. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 69, 118-136. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p118-136

Lolli, P. (2014). Atravessando pessoas no noroeste amazônico. Mana, 20(2), 281-305. https://doi.org/10.1590/S0104-93132014000200003

Mello, P. (2021). Número de refugiados venezuelanos desabrigados explode na fronteira brasileira. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 set. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/09/numero-de-refugiados-venezuelanos-desabrigados-explode-na-fronteira-brasileira.shtml. Acesso: 18/11/2021.

Monticelli, C. (2020a). Patá matá, o que dizem os Taurepáng sobre o fim do mundo (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.

Monticelli, C. (2020b). Kanaimé, o grande matador. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, 22, e020028. https://doi.org/10.20396/csr.v22i00.13416

Monticelli, C. (2021). O cultivo da mandioca por um povo indígena adventista na Amazônia. Maloca: Revista de Estudos Indígenas, 4, e021015.

https://doi.org/10.20396/maloca.v4i00.15522

Moreira, E. (2018). Os Warao no Brasil em cenas: “o estrangeiro.”. Périplos: Revista De Estudos Sobre Migrações, 2(2), 56-69. https://periodicos.unb.br/index.php/obmigra_periplos/article/view/25457

Oliveira Filho, J. (1972). A obra e a mensagem: representações simbólicas e organização burocrática da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.

Oliveira Filho, J. (2004). Formação histórica do movimento adventista. Estudos Avançados, 18(52), 157-179. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000300012

Peduzzi, P. (2018). Governo libera R$ 102,8 mil para combater sarampo em Pacaraima. Agência Brasil, 24 ago. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-08/governo-libera-r-1028-mil-para-combater-sarampo-em-pacaraima. Acesso: 18/11/2021.

Pestano, A. (2017). Venezuela: 75% of population lost 19 pounds amid crisis. UPI, 19 fev. https://www.upi.com/Top_News/World-News/2017/02/19/Venezuela-75-of-population-lost-19-pounds-amid-crisis/2441487523377/. Acesso: 18/11/2021.

Presse, F. (2021). Venezuela elimina seis zeros de sua moeda pela hiperinflação. G1, o portal de notícias da Globo, Rio de Janeiro, 1 out. https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/01/venezuela-elimina-seis-zeros-de-sua-moeda-pela-hiperinflacao.ghtml. Acesso: 18/11/2021.

Prestes Filho, U. (2006). O indígena e a mensagem do segundo advento: missionários adventistas e povos indígenas na primeira metade do século XX (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Rivière, P. (1984). Individual and Society in Guiana: a Comparative Study of Amerindian Social Organization. Cambridge: Cambridge University Press.

Rivière, P. (2007). A propósito de redes de relações nas Guianas. Mana, 13(1), 251-273. https://doi.org/10.1590/S0104-93132007000100010

Rocha, W. (1972). O sábado e o tempo: análise de alguns aspectos simbólicos relativos à guarda do sábado na Igreja Adventista do Sétimo Dia (Dissertação de Mestrado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Santilli, P. (1994). La tradition orale Carib. Recherches Bresiliennes: Annales Littéraires de la Université de Besançon, 527, 291-302. https://www.persee.fr/doc/ista_0000-0000_1994_ant_527_1_1451

Santilli, P. (2001). Pemongon Patá: território Macuxi, rotas de conflito. São Paulo: Editora Unesp.

Seeger, A. (2015). Por que cantam os Kisêdjê. Uma antropologia musical de um povo amazônico. São Paulo: Cosac Naify.

Sztutman, R. (2005). Sobre a ação xamânica. In D. Gallois (ed). Redes de Relações nas Guianas (pp. 151-226). São Paulo: Associação Editorial Humanitas/Fapesp.

Thomas, D. (1976). El Movimiento Religioso de San Miguel entre los Pemon. Antropologica, 43, 3-52.

Thomas, D. (1982). Order Without Government: The Society of the Pemon Indians of Venezuela. Chicago: Illinois Studies in Communication.

Vilaça, A. (2007). Indivíduos celestes. Cristianismo e parentesco em um grupo nativo da Amazônia. Religião e Sociedade, 27(1), 11-23. https://doi.org/10.1590/S0100-85872007000100002

Vilaça, A. (2016). Eating God’s Words: Kinship and Conversion. In A. Vilaça (ed). Praying and Preying: Christianity in Indigenous Amazonia (pp. 97-120). Berkeley: University of California Press.

Vilaça, A. & Wright, R. (2009). Introduction. In A. Vilaça, & R. Wright (eds). Native Christians. Modes and Effects of Christianity among indigenous People of the Americas (pp. 1-20). Burlington: Ashgate Publishing Company.

Viveiros de Castro, E. (2002). Xamanismo e sacrifício. In A inconstância da alma selvagem (pp. 457-472)). São Paulo: Cosac Naify.

Viveiros de Castro, E. (2015). Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac Naify.

Whitehead, N. (2000). Kanaimà: Shamanism and Ritual Death in the Pakaraima Mountains, Guyana. In L. Rival, & N. Whitehead (eds). Beyond the visible and the material: The amerindianization of society in the work of Peter Rivière (pp. 235-245). Oxford: Oxford University Press.

Wright, R. (ed.). (1999). Transformando os Deuses. Os múltiplos sentidos da entre os Povos Indígenas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp.

Wright, R. (ed.) (2004). Transformando os Deuses v. II. Igrejas Evangélicas, Pentecostais e Neopentecostais entre os Povos Indígenas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp.




DOI: http://dx.doi.org/10.5380/cra.v23i1.82127

Apontamentos

  • Não há apontamentos.