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Regime de exceção e tutela dos direitos individuais: A discussão da Revisão Constitucional de 1926 e a limitação do habeas corpus na prática jurisprudencial.

Tatiana De Souza Castro, Gabriel Faustino dos Santos

Resumo


Na história do direito brasileiro, a Revisão Constitucional de 1926 influiu decisivamente sobre os rumos das tutelas jurídicas dos direitos individuais. Aprovada em meados da década de 1920, em um momento de aguda crise política, social e institucional, ela repercutiu profundamente sobre a ordem jurídico-institucional da Primeira República brasileira (1889-1930). Especificamente, a Revisão foi responsável por alterar o conteúdo do habeas corpus, impondo-lhe um sentido mais restrito do que uma parcela importante dos juristas da época lhe atribuíam até então. Ao longo das décadas anteriores, de fato, esta garantia constitucional esteve no centro de um importante debate doutrinário e jurisprudencial acerca de seus limites e significados. De acordo com certos autores e juízes da época, em função da redação mais ampla do art. 72, § 22, da Constituição de 1891, o habeas corpus assumira sentido bastante amplo, incluindo a tutela de todo o conjunto dos direitos individuais, para além da tradicional liberdade de locomoção. Porém, essa interpretação passou a ser denunciada como uma deformação do instituto e como um obstáculo para o funcionamento regular das instituições. Na década de 1920, seguindo um momento de aprofundamento das tensões sociais e de crescente autoritarismo do Estado, a controvérsia envolvendo o habeas corpus foi trazida para o centro das atenções. Enquanto boa parte do país vivia um contexto de exceção, com a decretação do estado de sítio pelo presidente Arthur Bernardes (1922-1926), a reforma da Constituição de 1891 foi discutida e aprovada, revertendo aquela interpretação mais ampla do remédio constitucional. Naquela ocasião, os debates travados pelos congressistas mostram como os políticos alinhados ao governo se esforçaram para reabilitar o sentido “original” do habeas corpus e, assim, conter o próprio Poder Judiciário. Logo, nosso objetivo é compreender como essa reforma constitucional foi debatida sob estado de sítio, durante um dos governos mais autoritários da Primeira República, bem como seus efeitos sobre o uso daquele instrumento de tutela jurídica dos direitos fundamentais. Para tanto, em um primeiro momento, examinaremos as discussões no Legislativo sobre a reforma, mediante a análise dos anais da Revisão Constitucional de 1926. Em sequência, diante da nova configuração que foi dada ao instituto, analisaremos alguns processos de habeas corpus solicitados nos três primeiros anos posteriores à reforma. Acreditamos que aquele contexto autoritário contribuiu para a aprovação dessa limitação do uso do habeas corpus, e que a adequação jurisprudencial a esse novo sentido não ocorreu de modo automático.

Palavras-chave


Década de 1920; crise democrática; Revisão Constitucional de 1926; tutela dos direitos fundamentais; habeas corpus.

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Referências


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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/hd.v2i3.83092

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