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Representações sociais de lei, crime e injustiça em adolescentes

RESENHA

Daniele SahebI; Araci Asinelli da LuzII

IMestranda da linha de pesquisa Cognição, Aprendizagem Escolar e Desenvolvimento Humano do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. danisaheb@yahoo.com.br

IIDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora da linha de pesquisa Cognição, Aprendizagem Escolar e Desenvolvimento Humano do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. asinelli@ufpr.br

MENIN, M. S. E. Representações sociais de lei, crime e injustiça em adolescentes. Campinas: Mercado de Letras/SP: Fapesp, 2005.

A vida cotidiana é marcada por um grande índice de infrações e violência. Em meio a esse cenário, a insegurança e as incertezas tornam-se cada vez mais presentes nas pessoas, que encontram dificuldade em discernir o certo, o justo, o errado ou o injusto, prevalecendo assim uma certa indefinição do ponto de vista da moral. A crescente demanda social está exigindo algum tipo de tratamento em relação às questões morais e éticas, porém ainda encontram-se poucas respostas, o que acaba por dificultar a ação dos educadores.

Nas últimas décadas tem aumentado, no Brasil, o fenômeno da violência entre as crianças e os adolescentes. A violência cometida por adolescentes também se tornou tema freqüente na mídia, em filmes e debates realizados por diferentes instituições governamentais e não-governamentais. O tema tem gerado polêmicas em torno das ações preventivas e "remediativas" para sanar o problema. Assim, as pesquisas que buscam explicações para o fenômeno da violência também constataram o aumento de infrações cometidas por adolescentes, porém apontam novas tendências.

Dado esse quadro de violência, são diversas as tentativas de compreender melhor o adolescente autor de infrações. Com essa intenção, a autora volta-se para as investigações sobre os raciocínios morais desses adolescentes, isto é, sobre o que pensam e como pensam diante de situações que envolvem problemas morais.

Partindo da premissa de que é conhecendo como pensam e o que pensam, neste caso, os adolescentes, é que se pode compreendê-los e então construir estratégias de ação e intervenção. Assim sendo, este livro pode ser considerado de fundamental importância a todos os pesquisadores e profissionais que estudam adolescência ou trabalham com ela: professores universitários, psicólogos, sociólogos, profissionais do Direito e agentes sociais ligados a conselhos tutelares, conselhos municipais e estaduais de direitos da criança e do adolescente.

As concepções que os adolescentes têm de lei, crime e injustiça, tornaram-se um material precioso para Maria Suzana de Stefano Menin, sendo o tema central do livro Representações sociais de lei, crime e injustiça em adolescentes, que aborda, através da fala dos adolescentes, o significado mais profundo do julgamento moral, à luz de dois referenciais teóricos: as teorias do desenvolvimento do julgamento moral e a teoria de representação social.

A autora, professora na Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, faz profundos questionamentos e reflexões em relação à influência das circunstâncias socioculturais sobre o desenvolvimento moral. Os adolescentes encontram-se mergulhados em determinados contextos de natureza socioeconômica que têm como um de seus aspectos a freqüência em escolas de diferentes qualidades, altamente diferenciadas do ponto de vista cultural. Uma das grandes questões que permeiam suas reflexões refere-se justamente às conseqüências dessa colocação para a formação de sua personalidade moral. Diante desta dicotomia, como agir pedagogicamente?

Além das questões envolvendo estudos sobre as representações sociais, a autora apresenta, no decorrer dos capítulos do livro, concepções de Piaget e Kolhberg sobre o desenvolvimento moral.

Em Piaget ressalta a obra O julgamento moral (1932/1977), enfocando que a moral surge do respeito às regras. Considera que existem procedimentos que favorecem ou que dificultam a construção da autonomia, que deve ser o objeto de toda educação moral. O desenvolvimento do juízo moral na criança passa por dois tipos de moral que são muito distintas durante a infância e se reconciliam mais tarde durante a adolescência. A moral heterônoma é baseada em relações unilaterais e a moral autônoma, baseada em relações de reciprocidade e respeito mútuo. O respeito é o sentimento fundamental que possibilita a aquisição das noções morais. O respeito unilateral implica na desigualdade entre aquele que respeita e aquele que é respeitado. O respeito mútuo possibilita que os indivíduos consideram-se iguais e respeitam-se mutuamente.

Há um paralelismo nos desenvolvimentos intelectuais, sociais e morais para Piaget (MENIN, 1985) sem que com isso se fale em causação de um sobre o outro.

O ideário de Jean Piaget foi seguido de perto por Lawrence Kohlberg, psicólogo e filósofo americano, contemporâneo de Piaget. Esse autor dedica-se a estudar o desenvolvimento moral do ser humano, retomando e aperfeiçoando o modelo piagetiano.

Os estágios de desenvolvimento moral foram exaustivamente estudados por Kohlberg. Se mais uma vez comparado a Piaget, nesse campo Kohlberg deu muitos passos além. Reafirmava os estudos de Piaget sobre a ligação entre o desenvolvimento cognitivo e o raciocínio moral. Porém, considerava o processo muito mais longo do que o proposto por Piaget. Ao invés de uma única mudança, da moralidade heterônoma para a moralidade autônoma, Kohlberg considerou que havia muitos estágios, que se iniciam entre os seis ou sete anos e se estendem até a idade adulta. O processo estaria dividido em três níveis de desenvolvimento, com dois estágios cada um: Pré-convencional (de 2 a aproximadamente 6 anos), Nível II – Convencional (idade escolar) e Nível III – Pós-convencional (adolescência).

Através destes estágios, as pessoas das mais diferentes culturas julgariam o que é justo ou correto, justificando suas posições através de raciocínios morais específicos.

A autora da obra compara a teoria de Piaget e Kohlberg sobre os estágios de desenvolvimento moral, destacando que ambos pretendem indicar a moralidade como o resultado da razão que se aplica às questões dos costumes, das regras, dos deveres e dos conflitos aí resultantes. Aliás, este é o objeto de estudo desses dois autores: o julgamento ou o raciocínio moral e não as ações ou emoções aí envolvidas.

Enfatizando a importância de se conhecer as representações que os sujeitos constroem para compreender e agir no mundo, mais especificamente na realidade que os cercam, a autora destaca o quanto esses dados podem ser úteis para os educadores entenderem como o jovem pensa. Com base nessas afirmações, apresenta de forma valiosa o conceito de Representação Social por Serge Moscovici e a proposta de Willem Doise.

O que adolescentes consideram como muito errado? Qual seria, para eles, uma infração muito grave? Menin afirma que avaliações morais do que é certo ou errado podem ser vistas na Psicologia como fruto de julgamentos baseados em formas específicas de raciocínio que evoluem em estágios de desenvolvimento moral (KOHLBERG, 1992; PIAGET, 1932/1977), mas que podem, também, ser vistas como representações sociais comuns a indivíduos de um mesmo agrupamento, fruto de determinadas práticas e ancoradas em características sociais e culturais específicas a certos contextos (DOISE, 1994; JODELET, 1994; MOSCOVICI, 1978).

Na perspectiva das representações sociais, atitudes positivas ou negativas, assim como o próprio conceito de lei, crime e injustiça, podem variar entre grupos, não por representarem formas mais "adiantadas" ou "atrasadas" de desenvolvimento cognitivo e moral, mas por terem uma construção coletiva, marcada por práticas sociais, pela história e cultura comuns a determinados grupos de pessoas e servindo, assim, de referenciais de mundo.

No decorrer do livro, a autora apresenta os resultados de sua pesquisa e reflete sobre os mesmos. Os três estudos realizados parecem mostrar, dentro de uma variabilidade de respostas e como opostos de, um contínuo entre o extremo e o rigorismo, de um lado a tolerância e, de outro, duas grandes tendências de pensamento sobre leis, sobre formas de avaliarem infrações, de se julgarem situações como justas ou injustas e de se conceber injustiça.

Com relação à representação de lei, foi possível constatar que as leis foram entendidas, numa tendência, como guias de ação que servem para o bem comum e que podem ser modificadas. Esta tendência foi relacionada aos alunos de escola particular. Noutra tendência, as leis foram vistas como restrições que devem ser obedecidas e que não podem ser modificadas. Esta tendência relacionou-se com alunos de escolas públicas.

No que se refere à avaliação sobre a gravidade das infrações, uma tendência avaliou de forma mais tolerante, com uso maior de notas médias e baixas, certas infrações relacionadas aos furtos ou atos de vandalismo, e notas mais altas para aquelas infrações que colocavam em risco a vida humana. Nesta tendência estavam os meninos, filhos de pais com profissão de alto status. Na outra tendência, num outro extremo, estão os alunos que colocaram o furto como uma ação mais grave que maltratar uma criança, ou até mais grave que matar para roubar. Estes eram os alunos de escola pública, residentes em bairros de exclusão social, filhos de pais com profissões de baixa renda.

Ao definir injustiça, essa tendência de novo compareceu: os alunos de escola particular fizeram mais denúncias em categorias diversas, entre as quais denunciaram o favorecimento dos ricos; os das escolas públicas tiveram mais dificuldade em elaborar denúncia e houve muitas não respostas. No entanto, o que mais chamou a atenção foi o número de respostas do tipo "nunca vi uma injustiça", muito maior entre os alunos de escola pública, com pais em profissões de baixos salários e residentes em bairros de exclusão social.

Finalmente, na questão sobre o rebaixamento da maioridade penal , todos os alunos ressaltaram a severidade, na sua maioria sendo a favor de que o menor seja punido como um adulto quando comete um crime. Consideraram que o menor "tem consciência do que faz" e que um crime não pode ficar sem punição. Os alunos de escolas públicas foram os que menos conheciam o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em suma, Representações sociais de lei, crime e injustiça em adolescentes proporciona a reflexão e a constatação de que as representações já citadas revelam mais do que estágios de pensamento. Revelam, pois, pensamentos possíveis dentro de classes sociais que vivenciam, no Brasil, modos muito diferentes de se relacionar com estas questões. Dessa forma, a autora conclui alertando quanto à necessidade de se observar mais do que atrasos ou avanços no desenvolvimento moral ou legal entre alunos das escolas públicas e particulares. Torna-se urgente entender que esses alunos pertencem a dois grupos sociais muito distintos, e que, como tal, construíram e reproduziram representações específicas de suas pertinências de acordo com seus enquadramentos culturais e sociais.

Não resta dúvida de que o livro Representações sociais de lei, crime e injustiça em adolescentes é uma obra que traz preciosas contribuições tanto para pesquisadores quanto para profissionais que buscam contribuir no desenvolvimento de jovens capazes de resolver conflitos e viver democraticamente em sociedade.

Texto recebido em 08 abr. 2006

Texto aprovado em 14 jun. 2007

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2007
  • Data do Fascículo
    2007
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