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Apresentação

DOSSIÊ - LEITURA E ESCRITA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA. O QUE TEM A DIZER A PESQUISA CONTEMPORÂNEA?

Apresentação

Os resultados divulgados recentemente pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) indiciam que o Brasil está muito mal na formação de leitores. Embora os resultados de testes em larga escala sejam sempre discutíveis, bem como as políticas às quais são atrelados, não é nada confortável que o país ocupe o 55º lugar em leitura entre os 65 países avaliados. Ao longo da última década apresentaram-se avanços, mas que, aparentemente, não significaram melhoria expressiva na aprendizagem.

A se julgar pelos dados desses testes, mesmo com todos os senões que merecem, predominam escolas com limitações para formar leitores que leem com fluência, com frequência e com gosto, e, assim, com dificuldades em contribuir, para melhorar a inserção dos alunos nos contextos sociais e a sua relação com os múltiplos bens culturais e com as demais pessoas. De nossa parte, acreditamos que a transformação das práticas escolares visando a formar leitores literários capazes de compreender criticamente o que leem, de sentirem prazer pela leitura e de se apropriarem da literatura como meio de intervenção na realidade pode contribuir para tensionar ou reverter este quadro.

Essas questões confirmam a pertinência de um dossiê que trate da leitura e da escrita literária na Educação Básica, em apoio aos professores e seus esforços tanto para compreender quanto para transformar as escolas em instituições de luta democrática. As escolas podem se transformar em espaços de contestação, luta e resistência ao formar leitores literários. A literatura é um importante agente de crítica, de denúncia e de inquietação, que são ingredientes imprescindíveis para a criação de novos modos de vida.

Os artigos aqui presentes são decorrentes de pesquisas recentes e que põem em circuito diferentes saberes e perspectivas acerca de questões histórico-epistemológicas, teórico-metodológicas e pedagógicas em torno da presença-ausência da literatura na educação básica. Eles abrangem questões da leitura e da escrita literária, nos anos iniciais do ensino fundamental e no ensino médio.

Em Na história do ensino da literatura no Brasil: problemas e possibilidades para o século XXI, Maria do Rosário Longo Mortatti refaz o percurso histórico das reflexões, principalmente no Brasil, sobre as relações entre literatura, educação e ensino. Rememora as críticas da década de 1980 sobre as finalidades utilitaristas atribuídas ao ensino da literatura e as reflexões em oposição que enfatizaram a esteticidade/literariedade como fator de superação das marcas moralizantes e pedagogizantes atribuídas a este gênero pela escola. Lembra ainda das importantes contribuições, naquela década, dos trabalhos em relação à história, teoria e crítica da literatura infantil. Afirma que o conhecimento então produzido atribuiu novos sentidos à literatura infantil e ao ensino da literatura e a sua importante função no processo de formação humana, embora na atualidade permaneçam as tensões e anseios antigos sobre as relações entre literatura, educação e ensino. Contudo, a autora nutre a esperança de que professores e alunos consigam, apesar da escola, compreender sua condição de sujeitos sócio-históricos e o sentido profundamente humano e humanizador da literatura.

El potencial didáctico del libro-álbum para la educación literaria intercultural, de Delia María Fajardo, primeiramente, realiza uma retrospectiva das discussões e transformações no âmbito da teoria da literatura em sua correlação com a educação literária, especialmente a partir da segunda metade do século XX; na sequência, defende que, a partir de propostas emanadas do construtivismo, houve algumas mudanças nas práticas escolares em relação ao trabalho com o texto literário; em seguida, ela descreve e analisa uma recente experiência de educação literária intercultural, a partir de livros de literatura infanto-juvenil de narrativas tradicionais, tal como implementado em Honduras, afirmando que, pela primeira vez no país, com a política pública emanada por órgão equivalente a nosso Ministério da Educação, houve efetiva incorporação de narrativas afro-hondurenhas e indígenas, de modo sistemático, no processo de constituição leitora e educação literária.

O ensino fundamental, especificamente os seus anos iniciais, é o nível de ensino analisado em dois artigos sobre a escrita literária:

A reescrita do texto literário de alunos dos anos iniciais da escolarização, de Elisa Maria Dalla-Bona e Angela Mari Gusso, analisa a reescrita de textos literários realizada por alunos do 4º ano fundamental de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Constata que as limitações dos textos dos alunos não se devem à falta de motivação ou ausência de intertextualidade, mas a fatores relacionados à formulação da proposta de produção e/ou à condução da reescrita pelo professor. Assim, sugerem que é possível ensinar na escola estratégias de reescrita de um texto ficcional e auxiliar o aluno-autor a explorar os efeitos das palavras, a atender uma intenção artística e estética e criar estratégias apropriadas para seduzir o seu leitor.

A escrita "literária" da narrativa na escola: condições e obstáculos, de Catherine Tauveron, apresenta resultados de pesquisas-ações realizadas na França, com a escrita e a leitura literária. Constata que, embora nem sempre as escolas o percebam, mesmo os alunos da escola primária podem realizar uma leitura interpretativa, ter acesso a uma dimensão simbólica dos textos literários, construir seu modo de entender e se deleitar. Estes alunos devem ser considerados aptos a formular um projeto estético e consciente de escrita literária e adotar uma postura de autor e provocar efeitos no seu leitor. A escola precisa se transformar no local privilegiado para que o jovem forme com seus pares uma comunidade de autores, parceiros em seus projetos de escrita singulares e envolvidos em tarefas de "verdadeiros" leitores. O papel do professor é o de auxiliar os alunos-autores na clarificação de seu projeto artístico; de ensiná-los que seus textos não são fruto de inspiração, mas eles são fruto de um trabalho insistente de escrita/reescrita e inspirados em outros autores; que toda história de imaginação se alimenta de uma parte da realidade. Para estimular os alunos a escrever, a autora sugere algumas tarefas, mas apresenta dados de suas pesquisas que indicam terem os professores alguns traços dominantes que constituem obstáculos para a implementação da "escrita literária" em sala de aula. Desenvolve com professores uma experiência de análise do texto literário produzido por uma aluna de 10 anos de idade e constata a capacidade da criança para construir um projeto singular de escrita, com escolhas narrativas audaciosas. Entretanto, esses efeitos estéticos não são percebidos pelos professores.

O nível médio é contemplado em três artigos:

Uma proposta de leitura de poesia a partir do acervo do PNBE, de José Helder Pinheiro Alves, traça, inicialmente, um resgate histórico das produções acadêmicas que denunciam a problemática brasileira do ensino da literatura no nível médio. Destaca o PNBE – Plano Nacional de Biblioteca Escolar – como uma das medidas recentes que procura disponibilizar obras literárias às escolas públicas, visando a minimizar o grave problema da formação precária de leitores na escola. Entretanto, afirma que pesquisas mostram serem os acervos quase sempre desconhecidos dos professores, notadamente os do nível médio. O autor denuncia que as obras chegam à escola, mas, na grande maioria das vezes, não há um trabalho de formação dos professores, e consequentemente é precária a formação de leitores. O autor propõe alguns caminhos para contribuir com a superação desta situação a partir do relato de experiências bem-sucedidas realizadas com o texto poético, com alunos do Ensino Médio na Paraíba. Nessas experiências, desenvolveu-se uma metodologia que privilegiou a relação mais próxima do leitor com o texto poético e, entre outras atividades, buscou estimular o leitor para que expressasse sua reação aos poemas e estabelecesse um diálogo entre a literatura e outras artes, sempre alertando que essas sugestões não devem ser aplicadas sem considerar o horizonte de expectativa da turma, os seus interesses e realidade.

A intricada leitura de literatura – um novo processo socioeducacional de conhecimento, de Robson Coelho Tinoco, propõe a reconstrução do leitor-real, ou aquele que se manifesta como representação das suas leituras de mundo e das leituras dos variados "textos" (imagens, símbolos, produção escrita, sons etc.) que o cercam. O papel da escola nesta reconstrução é essencialmente o de aprimorar a capacidade de as pessoas (alunos, professores) resolverem novos problemas e, no que se refere à leitura literária, significa ensinar a leitura produtiva, esteja ela onde estiver: livros, tablets ou e-books. Com a leitura produtiva tem-se um leitor-agente ágil no exercício da reflexão, da descoberta, da análise comparativa e na relação entre informações relevantes ou não para a compreensão de uma dada obra literária. Como concretização desses conceitos em sala de aula, o autor apresenta uma proposta que foi aplicada no período de setembro a outubro de 1998, para alunos do ensino médio da Escola Estadual Comendador Rodrigues Alves, de Guaratinguetá/SP. Na linha de uma metodologia de base sociológico-estruturalista, que privilegia a dialogia sujeito x leitor, mundo x sala de aula, a experiência demonstra a possibilidade da constituição na escola do leitor-real que por meio de leituras de obras literárias se vê frente aos seus objetivos reais de vida, pode sentir seu aprimoramento intelectual e de convivência social, amplia seus conhecimentos e pode se sentir fortalecido para fazer frente à repressão imposta. Do conjunto de dados e resultados obtidos, destaca que a escola precisa ser um conglomerado moderno de ideias transformadoras composto pela diversidade dos procedimentos que conduzam à descoberta de novos aspectos do fenômeno literário.

Em Literatura no currículo da escola capixaba de ensino médio, Maria Amélia Dalvi analisa o Currículo Básico da Escola Estadual de nível médio do Espírito Santo, especificamente o que diz respeito ao trabalho com a literatura e a leitura literária. Esse documento é lido à luz de pesquisas contemporâneas sobre o ensino da literatura e a educação literária, visando a identificar filiações teóricas, tendências e rumos no que se refere a propostas oficiais para o trabalho com a literatura e a leitura literária, contribuindo para sua compreensão e, consequentemente, para o engendramento de políticas mais conscientes nesse domínio. Depreende-se, nas análises, que haja a permanência de perspectivas tradicionais (como o foco na relação diretiva entre contexto social e produção literária e na historiografia positivista), todavia em correlação com mudanças requeridas por concepções renovadas ou renovadoras, tais como o foco na interação texto-leitor e na constituição da subjetividade leitora.

O artigo de Angela Maria Hidalgo e Cláudio José de Almeida Mello, Políticas públicas, formação de professores e a articulação escolar da leitura literária, abrange o ensino fundamental e médio, por tratar de uma experiência com um projeto de leitura numa comunidade escolar. Inicialmente, os autores afirmam que apenas a partir da década de 1990 os programas governamentais explicitam a preocupação de vincular os incentivos à edição de livros literários a projetos de formação de leitores e, por este motivo, são criados programas como: Proler, PNBE e PNLL. Também afirmam que, apesar desses esforços, a situação da leitura no Brasil continua preocupante. Os autores dão sua contribuição para a superação desta problemática desenvolvendo uma pesquisa-ação numa escola pública de Ensino Fundamental e Médio do município de Guarapuava-PR. Inicialmente constatam o desconhecimento da escola sobre os programas governamentais de incentivo à leitura e diagnosticam as limitações do seu trabalho com a leitura. Envolvem a comunidade escolar num "projeto de leitura": reorganizam os espaços, capacitam os professores, conseguem promover uma melhoria no interesse dos alunos pela leitura literária, envolvem os pais no projeto, além de alunos universitários de iniciação científica e de estágio. Conseguem provocar uma alteração no foco do ensino da literatura na escola e retomar a relação autêntica da literatura com a vida.

Organizar um dossiê, definir as diretrizes, conversar com os autores de diferentes regiões do Brasil e de diferentes países, revisar os artigos, distribuí-los num sumário coerente dando-lhes feição integrada foi um desafio que exigiu grande empenho de nossa parte. Lê-lo agora que está "pronto" – mas pronto mesmo, só quando nele os leitores puserem mãos e olhos, e com ele iniciarem um efetivo diálogo – nos provoca a sensação de efetivo potencial na contribuição ao debate sobre a leitura e a escrita literária na Educação Básica. Esperamos que aproveitem!

Elisa Maria Dalla-Bona e Maria Amélia Dalvi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014
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