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O Sim contra o Sim

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

O Sim contra o Sim

Tânia Maria Baibich

Mestre em Educação. Professor Assistente do Departamento de Método e Técnicas da Educação

Os educadores - em vez de adultizar - adulteram as crianças.

(Mário Quintana)

Este artigo pretende relatar uma experiência de ensino/aprendizagem na disciplina de Metodologia do Ensino de Psicologia, descrevendo uma busca pessoal de levantamento de questões acerca do método didático, compreendido este como o que tem por objeto e método de pensamento.(WACHOWICZ, 1989)."#a1">1

A experiência transcorreu no primeiro semestre de 1990, no Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, com uma turma de 30 alunos do curso de Psicologia e 01 aluno do curso de Filosofia. Esses alunos, na grande maioria, constituíram a turma que cursou a disciplina de Didática I, também sob a minha orientação no semestre anterior. A disciplina de Didática I foi avaliada em forma conjunta com os alunos, aparecendo como válida e gratificante. No entanto, já naquele momento- como docente- senti que havia uma lacuna que me parecia significativa, mas que ainda não podia definir. Era algo ligado à espinha dorsal do curso, que me trazia um sentimento de falta de coerência, ou quiçá de integração. Pelos resultados da avaliação comprovaram-se os méritos do desenvolvimento da disciplina, o que fazia com que se alternassem momentos de angústia com o sentimento estimulante de havermos "mudado de lugar" (NOVASKI, 1986)2 2 NOVASKI, Augusto João Crema. Sala de aula: uma aprendizagem do humano. In: MORAIS, Regis (org.). Sala de Aula que Espaço é Esse? São Paulo: Papirus, 1986, p.11. com o Curso.

Reflexões, estudos, discussões com colegas...

No momento da confecção do Plano de Trabalho para a disciplina seguinte, Metodologia do Ensino de Psicologia, um "insight" parcial trazendo um pouco de luz às tantas incertezas: a relação teoria e prática seria a medula espinhal, eixo integrador do corpo de conhecimento da Didática, Metodologia e Prática de Ensino de Psicologia.

Mais do que encontra-la, a questão que então se colocava era a de como persegui-la.

Experiências anteriores com alunos de Prática de Ensino de Psicologia constataram uma não apropriação do método didático específico para a área de ensino em questão, enquanto instrumento para a ação docente que contivesse num mesmo espaço o objeto do conhecimento e o trabalho dos sujeitos da ação educacional. Isso tudo só vinha reforçar a necessidade de buscar alternativas de mudança das duas realidades, e a relação teoria/prática configurava-se como candidata forte a responsabilizar-se por esta busca de integração.

Partindo da ementa da disciplina e da experiência anterior com a turma, num nível de "síntese precária" (WACHOVICZ),3 3 WACHOWICZ, p. 92. organizei um plano para ser discutido. Visava a trazer para dentro da sala de aula o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, aliando ao conteúdo da disciplina a realidade do ensino no 2º grau em Curitiba, com vistas à reflexão e busca de explicações e alternativas de mudança desta realidade.

No primeiro dia de aula discutimos o Plano e tratamos de organizar nosso cronograma de trabalho, além de os alunos se dividirem nos diferentes grupos responsáveis, juntamente comigo, pela efetivação do projeto como um todo.

Em linhas gerais, as atividades do semestre seriam as seguintes:

- caracterização do aluno de 2º grau dos Cursos de Magistério das Escolas Públicas de Curitiba (dificultado pela greve dos professores do Estado, que se estendeu de março a junho);

- estudo das principais correntes psicológicas e suas consequências para o ensino;

- análise da nova proposta de ensino de Psicologia para o Curso de Magistério implantada este ano pela Secretaria de Estado da Educação e discussão com os responsáveis pela sua confecção;

- elaboração de artigos relativos ao ensino de Psicologia para publicação de uma revista;

- promoção, em conjunto com o Conselho Regional de Psicologia (CRP) e o Pólo de Magistério, de um Encontro de Professores de Psicologia das Escolas Públicas de Curitiba.

Até aqui, em termos de objetivos, já se clareava bem que o caminho que percorreríamos seria o de aproximação à Escola numa relação de duplo fluxo. Desta forma, não seríamos apenas diagnosticadores da realidade, mas, na troca, mediante nossas atividades de Pesquisa e Extensão, buscaríamos contribuir com essa comunidade, durante o processo de construção de nosso saber.

O método de trabalho, tal qual um grupo operativo (Bleger), tendi, portanto, como núcleo da proposta a tarefa, visava propiciar aos sujeitos da ação educacional a possibilidade de responsabilizarem-se pelo processo de "ensinagem", ficando o professor, no entanto, como o coordenador responsável pela otimização desse processo.

Por considerar que o objeto da educação não pode reduzir-se à lógica dos conteúdos- como na Escola Tradicional- nem à atividade dos sujeitos- como na Escola Nova-, buscamos a integração do Lógico com o Psicológico.

Caberia digredir um pouco sobre este movimento de transcendência, no dia-a-dia de nossa Sala de Aula.

O grupo, numa cumplicidade amorosa, foi transformando o espaço há milênios reservados para a transmissão do conhecimento, num espaço de apropriação e construção de um saber- saber vivo, provisório. A interação das consciências, dos distintos esquemas referenciais, permitia que fôssemos pouco a pouco colhendo o conhecimento sem deixar de acolher as dúvidas.

O ambiente de trabalho estimulava o pensar, o estudo, a discussão.

"Pensamento a serviço do corpo, ciência como genitais do desejo, para penetrar no objeto, para se dar ao objeto, para experimentar união, para o gozo". (RUBEM ALVES, 1988).4 4 ALVES, Rubem. Estórias de Quem Gosta de Ensinar. São Paulo : Cortez, 1988, p.24.

O relacionamento ocorria em distintos vetores, entre colegas, do professor para os alunos, dos alunos para o professor e de cada um de nós com o pensamento, com o saber. Inúmeras vezes tentei encontrar razões para explicar este frutífero ambiente de trabalho.

"Conhecimento é coisa erótica, que engravida. Mas é preciso que o desejo faça o corpo se mover para o amor..." (RUBEM ALVES).5 5 ALVES, p. 24.

Vejo papel do professor enquanto sujeito conhecedor, estudioso, organizador do processo de ensino, ser social, indivíduo capaz de perceber as diferenças e aceitar as autenticidades, como importante fator eliciador deste "desejo" que conduz para o amor "amor".

O Encontro de Professores, devido à greve dos mesmos, ficou para ser concretizado na disciplina de Prática de Ensino de Psicologia, bem como a Pesquisa, já em andamento. A Revista eventualmente contará, também, com este artigo.

Nossa caminhada, ao longo da Metodologia do Ensino de Psicologia, que se inicia com um resgate da Didática numa perspectiva crítica, buscando integrá-la à Metodologia, numa perspectiva renovadora, imita a vida, na medida em que o adulto só se torna adulto quando passa a poder acolher e tomar conta da criança que um dia foi.

Passamos, a partir deste momento, a uma nova etapa, que, dialeticamente como todo o processo até aqui vivenciado, comporta a angústia do novo e a esperança de saber lidar com o que virá mediante a preservação das experiências anteriores.

O sim contra o sim

(João Cabral de Melo Neto)

Miró sentia a mão direita

Demasiado sábia

e que de saber tanto

já não podia inventar nada.

Quis então que desaprendesse

o muito que aprendera, a fim de reencontrar

a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-se

a desenhar com esta

até que, se operando, no braço direito ele a enxerta.

A esquerda (se não é canhoto)

é mão sem habilidade:

reaparece a cada linha, cada instante, a recomeçar-se

(do livro Serial, 1959-1951)

  • 1 WACHOWICKZ, Lilian Anna. O método Dialético na Didática. São Paulo : Papirus, 1989, p. 92.
  • 2 NOVASKI, Augusto João Crema. Sala de aula: uma aprendizagem do humano. In: MORAIS, Regis (org.). Sala de Aula que Espaço é Esse? São Paulo: Papirus, 1986, p.11.
  • 3 WACHOWICZ, p. 92.
  • 4 ALVES, Rubem. Estórias de Quem Gosta de Ensinar. São Paulo : Cortez, 1988, p.24.
  • 5 ALVES, p. 24.
  • 1
    WACHOWICKZ, Lilian Anna. O método Dialético na Didática. São Paulo : Papirus, 1989, p. 92.
  • 2
    NOVASKI, Augusto João Crema. Sala de aula: uma aprendizagem do humano. In: MORAIS, Regis (org.). Sala de Aula que Espaço é Esse? São Paulo: Papirus, 1986, p.11.
  • 3
    WACHOWICZ, p. 92.
  • 4
    ALVES, Rubem. Estórias de Quem Gosta de Ensinar. São Paulo : Cortez, 1988, p.24.
  • 5
    ALVES, p. 24.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1993
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