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Cotidiano e formação de professores: ruptura ou articulação

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Cotidiano e formação de professores: ruptura ou articulação

Maria Cecília Marins de Oliveira

Mestre em História do Brasil. Professor Adjunto do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná

A relação de formação de professores e sua atuação no cotidiano escolar constitui, dentre outras, uma das preocupações dos educadores modernos quando consideram o papel desempenhado pelo professor e sua influência em crianças e jovens.

Ao considerar essa relação é necessário que se estabeleça a conceituação de alguns termos para que se possa melhor entender o envolvimento, formação e atuação no cotidiano, que implica na praticidade de alguma coisa.

Por cotidiano se entende aquilo que se faz todos os dias, ou que se sucede e se pratica habitualmente."#a1">1 É dessa atuação habitual, cotidiana, que se constroem e se elaboram decisões que direcionam a vida de pessoas e instituições. A partir dela cumprem-se as verdadeiras criações, aquelas que produzem os homens no curso de sua humanização: as obras."#a2">2

Tudo o que se produz e se constrói tem que ser demonstrado e praticado para ser aceito como verdade. Essa verdade no cotidiano, no fazer diário, envolvendo um sentido muito mais amplo e abrangente que é a práxis humana, nos planos laborativo e existencial. Enquanto o primeiro é a atividade transformadora, objetiva, humanizando o material trabalhado, o outro impõe, numa atitude ativa, sua presença pela ação participativa do subjetivo humano, que se retrata por suas emoções e sentimentos como, apreensões, angústias, medo, alegria, esperança, etc.3 A práxis assim, se dimensiona bem acima da praticidade, ou da prática habitual, num plano em que o homem tem diante de si, ao mesmo tempo, a realidade e o ser.É nesse plano que se estabelece sua relação com o mundo como totalidade, possibilitando "a linguagem, a poesia, a pesquisa e o saber"."#a4">4

O homem ao desempenhar seu papel criador, na formação e na transformação de seres para torná-los capazes de desenvolveram tarefas e atividades no meio em que vivem, está diia-a-dia a executar uma ação consciente, que é parte da práxis,"#a5">5 na busca da realização de sua obra.

É na práxis que se faz necessária ao educador que trabalha seres humanos como ele.

Daí reside a importância do seu trabalho que, dia-a-dia, cotidiano escolar, constrói sua obra sobre o elemento humano, educando-o, formando-o, orientando-o, dessa maneira, tornando-o único em si mesmo.

Por isso, a formação de professores tem que objetivar, muito mais que o repasse de conhecimentos, o nível de criação, onde a construção e a realização da obra têm início pelo contato professor-aluno.

Na medida em que o professor transforma, cria e constrói, ele articula todo seu potencial, que constitui sua formação como profissional e pessoa (pessoa-ser), com o objetivo maior de formar homens. Dessa maneira, cabe a preocupação em torno da formação de professores em se verificando sua articulação com o trabalho cotidiano, evitando a perda de seu objetivo maior, que redundará na ruptura do sentido de criação que envolve o verdadeiro educador.

A ruptura se dará pelo esforço unilateral do educador sobre o elemento humano trabalhado, visando somente um produto final que irá se incorporar na força de trabalho que atua no meio social, sem lhe haver despertado o verdadeiro sentido da existência humana.

A tomada de consciência de educadores é fator importante, em se destacando aqueles que exercem sua atividade no cotidiano escolar, no contato diário com alunos, onde o nível de expectativa das partes se situa num grau elevado. O que pretendem professores e alunos? O que esperam professores e alunos, após um ano de trabalho diário de estudos? As pretensões e esperas em torno de resultados positivos serão alcançados quando o trabalho do cotidiano escolar transcorrer num clima de mútua credibilidade, assentado na confiança e na fé que as partes colocam entre si."#a6">6

A atmosfera desse cotidiano num clima de confiança será, inicialmente, promovida pelo próprio professor, que imprimirá em todo o seu trabalho, uma dose de entusiasmo e crédito na capacidade dos alunos, evitando preconceitos e juízos antecipados, de maneira a torná-los seguros de si e confiantes de suas possibilidades, prevenindo, assim, possíveis fracassos.

O estabelecimento e a definição das pretensões e expectativas permitirão maior compatibilidade entre trabalho proposto e trabalho executado, para que se possa ser instrumento utilizado pela escola, adotado e executado por professores num ritmo coerente, simples e flexível, para possibilitar o desenvolvimento de uma ação correta e verdadeira da construção de alguma coisa nova."#a7">7

A abordagem sobre a ação educativa no cotidiano escolar quando considerada em seu plano teórico, se configura, num momento, por uma complexidade que se desfaz, na medida em que se mergulha na reflexão do verdadeiro sentido de educar. De educar diariamente, cotidianamente.

Dessa reflexão se verifica que a formação do professor e sua relação como o cotidiano escolar, esbarram, nesses últimos tempos, com o pensamento que se imiscui entre os mestres, face ao seu desempenho, considerando-o uma atividade profissional, em que o dar aula, corresponde, mais ou menos, ao trabalho de uma secretária, de um digitador, ou de um operário, em que a tarefa é concluída no final de cada expediente, desligada do aspecto formativo de seres.Somente cabe a reivindicação por melhores salários e, não, por melhores condições de ensino, esquecidos do valor do trabalho educativo, da sua importância, da grande responsabilidade do seu papel junto à sociedade, construindo mentes e sentimentos.

Esse pensamento, muito mais materialista que idealista, embora seja fruto de exigências e contingências da vida atual, adquire caráter paradoxal quando se leva em conta o desenvolvimento das ciências e, em particular, daquelas ligadas à educação.

Nessa perspectiva, o educador perde o seu verdadeiro sentido de educar e o seu cotidiano não permitirá que realize parte da práxis, para integrar "a ação total da humanidade"."#a8">8

Assim sendo, o professor em constante formação, não pode perder de vista a realidade objetiva e prática, na qual ele constrói e procura realizar a sua obra, como um indivíduo que faz a história no cotidiano, onde se congregam suas atividades e ações.

A formação do educador e sua atividade cotidiana, gera relação de dependência em que o êxito dos empreendimentos diários, planejados ou imprevistos, se vincula ao posicionamento do indivíduo frente ao mundo que o cerca, do qual não se desliga, para efetuar a criação, por meio de uma das variadas manifestações da práxis."#a9">9

  • 1
    1 MODERNO Dicionário Escolar. 2.ed. São Paulo: Egéria, 1978. P.167, 716p.
  • 2
    2 LEFEBVRE, Henri. La Presencia y la Ausencia: Contribuición a La Teoria de Las Reprensentaciones. Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1983.
  • In: PENIN, Sônia T. S. Escola e Cotidiano: A obra em construção. Tese de Doutorado, USP, 1987.p. 16.
  • 3 KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 4.ed.Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1985.p.204, 230 p.
  • 5
    5 HELLER, Agnes. O cotidiano e a História. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1985, p.32, 121 p.
  • 6
    6 HELLER, O cotidiano...p. 33-6.
  • 8 HELLER, O cotidiano...p. 60-1.
  • 1
    MODERNO Dicionário Escolar. 2.ed. São Paulo: Egéria, 1978. P.167, 716p.
  • 2
    LEFEBVRE, Henri. La Presencia y la Ausencia: Contribuición a La Teoria de Las Reprensentaciones. Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1983. In: PENIN, Sônia T. S. Escola e Cotidiano: A obra em construção. Tese de Doutorado, USP, 1987.p. 16.
  • 3
    KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 4.ed.Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1985.p.204, 20 p.
  • 4
    Ibid., p.205-7.
  • 5
    HELLER, Agnes. O cotidiano e a História. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1985, p.32, 121 p.
  • 6
    HELLER, O cotidiano...p. 33-6.
  • 7
    Ibid., p.32.
  • 8
    HELLER, O cotidiano...p. 60-1.
  • 9
    Idem. Dialética...p.60-1.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1993
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