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Função social da universidade

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Função social da universidade

Elvídio Marculino Cardoso

Professor Adjunto do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Doutor em Ciências da Educação pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma

I - A Universidade é Privilégio da Minoria.

Apenas um por cento dos brasileiros tem a oportunidade e a conseqüente responsabilidade de atravessar a porta da universidade.

Ao passar estes umbrais, estes brasileiros cravarão para sempre em suas mentes a meta que deverá guiar um povo do futuro: "Enchei-vos de esperança vós que entrais".

Não tem mais sentido a pretensão de uma universidade de massas. É a universidade que deve servir à massa.

Para poder funcionar dentro de perspectivas mínimas de objetividade, a universidade não pode ser para todos indiscriminadamente.

Ela precisa necessariamente selecionar seus habitantes.

Mas a universidade não é uma ilha perdida e descoberta por aventureiros.

Nem determinados cursos que nela funcionam são refúgio de marinheiros náufragos.

Ela é uma terra da promissão que recebe os viajantes mais fortes.

Não são mais fortes os mais ricos em bens de consumo nem mesmo aqueles que têm apenas uma inteligência brilhante.

Uma verdadeira seleção elegerá os que unem uma inteligência lúcida e criativa a uma sólida cultura geral e a uma comprovada vontade de trabalhar para si e para a sociedade.

Deveria haver um meio de eliminar aqueles que escolhem determinado curso porque lhe dá um nome e sobretudo lhe dá posição financeira apenas.

Deveria ser eliminado todo aquele que escolhe determinado curso porque este lhe dá a profissão de seu pai. E seu pai adquiriu uma situação estável e um grande nome.

Engana-se quem assim procede. Sua profissão não é liberal. Ele entrou pelo caminho de outro.

Há caminhos de profissões liberais afundados pela presença de muitos passos falsos.

É urgente que se pense em um modo de selecionar os candidatos que têm realmente vocação.

O vestibular, a passagem pelo vestíbulo, não pode ser a derradeira prova.

Um sério serviço de orientação vocacional e profissional poderia resolver os casos evidentes de passos falsos e caminhos errados.

Não seria de se estranhar que jovens conscientes e responsáveis passassem da engenharia para a sociologia ou da psicologia para a botânica.

É preciso que haja ura encontro do jovem consigo mesmo e com a sociedade em que vive.

Sendo um lugar de privilegiados, de uma elite, a universidade em nada será injusta para a sociedade que a sustenta se esta elite for selecionada o mais possível de maneira justa.

Para isto o caminho percorrido pelo estudante deve ser examinado desde a sua origem.

Não é possível falar de seleção justa quando alguns freqüentam escolas especiais de recuperação e outros não têm este privilégio econômico.

Já estão arcaicos demais os cursinhos, as apostilas, os terceirões e os aulões.

Nada mais são do que um grosseiro comércio com a corrida para uma universidade impossível.

Eles são a fábrica de uma multidão desejosa do título de doutor, que forçosamente permanecera decepcionada e mal humorada, apesar de poder ganhar mais e gastar mais sem o pretendido título, sem a pretendida cor das roupas que gostaria de usar e dos determinados dizeres que gostaria de carregar na pasta, debaixo do braço.

Por que determinadas pessoas se envergonhariam (e seriam poucos estes alunos, homens e mulheres?) se o nome desta pasta fosse trocado?

Por que esta discriminação entre os cursos universitários, se o conhecimento humano é um só e se todas as profissões são nobres e dignas?

Será que os menos dotados deverão contentar-se com as sobras? E será que isto não esta acontecendo?

Enquanto o conhecimento humano não conhece áreas nobres e áreas de segunda classe, a própria universidade e a sociedade atual, em todo o mundo, estão discriminando injustamente fazendo com que o próprio nome de universidade já não tenha sentido.

Universidade deveria significar a unidade do saber, integrando a filosofia, as ciências, as artes e as técnicas, para melhor atender a um único objetivo: entender o homem para servi-lo melhor, tanto como pessoa livre, quanto como sociedade pacífica.

Todo o resto é uma corrida individualista em busca de um diploma, de um nome, de um título e de uma situação econômica ou intelectual privilegiada.

A solução para tal impasse é uma transformação de estrutura.

E esta mudança está na própria concepção de profissão liberal.

Por que em determinados países que se dizem socialistas são perseguidos filósofos, cientistas e artistas e os técnicos que não falam nem escrevem são protegidos?

Por que há psicólogos que têm a coragem de assinar um atestado de loucura a quem é tão lúcido que tem a coragem de dizer o que pensa?

O trabalho é sempre digno desde que não seja forçado.

São as conseqüências de uma universidade moldada para servir aos objetivos de una elite de poder.

Este tipo de universidade é una máscara.

A única elite, que deixa de ser elite e que deve povoar esta cidade, alem do vestíbulo, é aquela que, apesar de aspirar a um justo salário, que a recompensa por seus anos de estudo e suas horas de sono perdidas, já não está cega por uma posição dominante e irresponsável.

A elite se transforma em liderança quando é capaz e responsável, eficiente e eficaz, preocupada por todos os problemas e pelos problemas de todos, ávida de solução para os entraves econômicos, sociais e políticos de uma determinada sociedade.

1.1. - Por uma renovação da minoria.

A liderança universitária baseada em critérios de justiça social, será constituída pelos mais capazes e mais responsáveis. Sem discriminação no que se refere às origens de classes sociais a que pertençam, os universitários brasileiros serão pretos e brancos, imigrantes e índios, todos unidos para a construção de uma sociedade mais igual.

Os critérios de seleção deverão ser sempre mais aperfeiçoados para evitar a entrada de aventureiros e interesseiros preconceituosos de castas e privilegies.

Deverão ser interrogados objetivos dúbios dos que fazem desta seleção um meio fácil de enriquecimento ilícito.

A chave de solução do problema está na seriedade do ensino de primeiro e segundo graus, reagidos por leis, portarias e pareceres freqüentemente pouco entendidos e mal executados.

É verdade que faltam recursos, que os professores destes níveis são mal pagos e que ainda faltam escolas bem aparelhadas.

Mas faltam também bons professores.

Até mesmo um motorista de ônibus pode ser melhor do que o outro.

E qualquer criança sabe a razão. É que o primeiro gosta de sua profissão e o segundo a detesta.

Ainda é válida a afirmação de que o professor não é apenas um profissional mas alguém que professa um ideal.

Ideal de servir ao bem comum.

Isto já é uma lição da Historia da Educação, desde o tempo de Confucio há 500 anos antes de Cristo.

Pensa-se apenas que o professor ganha pouco e por isso rende pouco.

Mas ele mesmo não pensa que tem diante de si crianças e adolescentes mais pobres do que ele.

Esquece-se de que pedagogia ainda significa: "levar a criança pela mão".

A criança necessita de alguém que a ajude a crescer.

Esta é a responsabilidade dos verdadeiros mestres.

Para isto existem as escolas.

Se as escolas ainda têm sentido é graças à dedicação humanitária, dos mestres de escola elementar, onde se fundamenta a cultura dos líderes que chegaram à universidade.

É responsabilidade de toda a sociedade respeitar o papel dos mestres das crianças e pagar-lhes um justo salário. O dinheiro público, o dinheiro do Estado, é o dinheiro do povo. Ele deve ser administrado para atender às necessidades básicas do povo: alimentação, saúde, habitação e educação.

A cultura é a realização dos três níveis fundamentais do homem: sobrevivência econômica (homo faber), sobrevivência intelectual (homo sapiens) e sobrevivência espiritual (homo spiritualis).

É na escola primaria que a arvore da vida da cultura lança suas raízes. Na escola média ela se cobrirá de flores e na universidade se colherão os frutos.

As novas sementes serão os novos mestres e todos os profissionais que voltam à sociedade para cultivá-la, desde o plantio da terra até a formulação das leis.

Na terra seca nada cresce. A água que alimenta a areia do deserto é a dedicação de cada um, ao bem de todos sem a preocupação de acumular tesouros e com a preocupação pela miséria comum.

Quem entra na universidade deve ser uma pessoa desprendida de seu egoísmo e profundamente enraizada no ideal de servir.

Não precisamos de falsos líderes que, importando ideologias e dogmas pretensamente científicos, apelam para as bombas e defendem um terrorismo internacional. Estes são incongruentes porque não sabem o que fazem nem pensam no que dizem. Eles repetem formulas vazias, decoradas nos esquemas de um partido poderoso, injustamente chamado operário.

Ele nada têm de operário, de trabalhador e sim muito de guerreiro e de destruidor.

A justiça não se faz pela guerra, mesmo que ela seja modernizada e transformada em guerrilha urbana ou de bosques e serrados.

A universidade é o lugar dos líderes da justiça.

Mas a justiça só se realiza na paz.

Existem ainda dentro da universidade brasileira, muitos que se dizem líderes mas não estudam. Falam, mas não sabem que o que dizem não foi pensado por eles e sim decorado em algum catecismo que substitui o da igreja para implantar o de um grupo sedento de poder.

E a historia esta a demonstrar como este poder é tirânico e satânico.

Ele se mistura no meio da massa, mata indiscriminadamente culpados e inocentes e se esconde como os vermes, debaixo dos monturos.

A Universidade precisa acordar-se enquanto é tempo para limpar-se desta lepra.

É possível justiça na paz. É indispensável que se pense por si mesmo. É impossível racionar no terrorismo e no fanatismo de ocultos interesses particulares.

É possível fazer justiça através de leis que brotam das circunstâncias histéricas que exigem respeito para com as aspirações de renovação contínua.

Este é um respeito que se deve à história.

1.2. A Universidade é a sede de todo o saber e do saber para todos.

A Universidade é o lugar da lógica e da ética.

Somente quando se é livre para pensar por si mesmo se caminha na estrada da lógica e se chega à responsabilidade ética.

A filosofia é o fundamento do ensino e da pesquisa na Universidade porque apenas ela oferece os caminhes da lógica e da ética. Apenas ela sabe para que servem a lógica e a ética porque apenas ela é capaz de, auxiliada pelas ciências do mundo e do espírito, indicar o caminho e o lugar do homem no mundo, com o mundo e para além do mundo.

E a metafísica se torna indispensável para que a universidade não se torne ou não continue sendo um arquipélago de especialistas cegos.

Assim como a cidade de Veneza nasceu da ligação das ilhas submersas, assim a universidade será um continente, uma cidade do saber, unindo as ilhas de seus institutos e faculdades, através da filosofia.

A filosofia não é uma abstração inútil e incompreensível, apesar dos erros de uma linguagem hermética e racionalista que a afastou do interesse daqueles que deveriam ser líderes.

A lógica, a ética, a estética (que ensina como ver a beleza do mundo) e a metafísica são os quatro pilares desta construção que é a casa dos líderes do povo, Já o Cardeal Newman, o matemático, lógico e metafísico A. N. Whitehead e o nosso mestre A. Teixeira, de saudosa memória nos ensinaram o que significa o saber na Universidade cuja ausência é tão deplorada hoje por G. Gusdorf.

Não se pretende fazer aqui da universidade uma escola de filósofos como quisera Platão.

Trata-se, todavia, de aprofundar a convicção de que devemos aprender da filosofia as lições fundamentais: procurar conhecer o mundo por si mesmo, admirar sua beleza, ajudar o outro a fazer o mesmo e acreditar em algo mais, além da matéria, sem o que o mundo tem um único destino, aquela para o qual esta caminhando: a destruição e a guerra, frutos da ganância e da descrença na humanidade.

A filosofia torna-se uma atitude de pensar, uma mentalidade de conviver e um entusiasmo para admirar, porque a história tem um sentido que vai além dos horizontes do espaço e do tempo. O povo caminha sempre.

Este é o sentido do currículo escolar, especialmente o da universidade.

É uma corrida, não como a dos cavalos de raça e dos jogadores estrelas que valem peso de ouro e são vendidos como escravos, mas uma corrida alegre de todos num jogo que a todos anima porque é a participação na caminhada de uma massa pen-sante.

O saber que não tem preconceitos não separa a filosofia das ciências nem a arte e as letras das técnicas.

Tudo o que o homem faz é belo se servir para a construção e não para a destruição do mundo.

É ilógico falar em oposição entre humanismo e ciências. É lícito falar de oposição entre diletantismo e cientificismo. Estão ultrapassados tanto o humanismo letrado quanto o tecnicismo consumista.

Não há conhecimento humano nem ação humana que não sejam profundamente humanistas, a não ser as ações destruidoras.

Ao contrário, a ação humana que se torna simples e despojada de interesses egoístas se aproxima da simplicidade que se esconde na vida das plantas e dos animais.

E o mundo se torna mais belo e mais fraterno.

A universidade é a cidade daqueles que se decidem a ver o mundo das coisas e dos seres vivos como um paraíso de todos onde a destruição e eliminada em seus fundamentos.

O dogmatismo é o fermento da guerra e da violência. Ele deve ser varrido da universidade. Onde ele existe, se instala o fanatismo que impede o desenvolvimento da ciência, da filosofia e da política.

O dogma só é aceito pela teologia e esta supõe uma religião na qual se entre pela fé que por sua vez é um dom.

A teologia tem seu lugar na universidade numa esfera de opção para quem livremente quiser aceita-la. E talvez seja justamente a falta dela que tenha feito desaparecer a universidade que surgiu com a Idade Média e morreu com ela.

O dogma não é dogmatismo. O dogmatismo é uma falsidade imposta e o dogma é uma convicção aceita livremente.

Ninguém é obrigado a ser religioso mas ninguém é livre para ser intolerante.

O dogmatismo é tão falso na ciência quanto na filosofia, na política e na religião.

Não há religião que obrigue alguém a aceitar aquilo em que não crê. Se houver, será falsa.

O dogmatismo fecha a porta a todas as pesquisas e a universidade se torna um campo de batalha entre partidos.

E as ilhas de ignorância não conseguem ver o mar onde navegam os homens livres.

II - A Universidade Examinada por Dentro.

A universidade é o lugar onde todos devem dizer o que pensam mas pensando no que dizem.

Dizer coisas não significa dizer qualquer coisa. Falar o que se pensa não é transmitir recados que se recebem nos corredores para instalar os interesses de um grupo que pretende dominar pelo poder e pela força.

O diálogo destrói as prepotências e abre o caminho para as inteligências criadoras e renovadoras.

A esperança não admite a derrota antes da luta.

A única luta do homem é a da sabedoria que busca a luz e afasta as trevas da imitação.

O diálogo na universidade se faz em três direções.

É a ponte das ilhas do conhecimento que se unem numa única cidade.

É o canal que une as águas que brotam das fontes das pessoas, formando uma sociedade de homens livres.

É a esteira iluminada que sai de volta pelo vestíbulo para iluminar a massa sedenta de conhecimento e de participação.

2.1. Um currículo aberto em espiral.

Exige-se uma renovação metodológica.

Há disciplinas básicas e fundamentais que são indispensáveis a todos os universitários.

Há idéias simples e gerais que fundamentam os alicerces da cidade, debaixo das águas da contribuição da inteligência de todos.

A lógica da matemática, das ciências puras, das ciências aplicadas, da tecnologia, das letras e artes é no funde a mesma.

Há uma única linguagem que unifica o saber.

É a linguagem que entende o homem e a sociedade como causa primeira e última de toda ação inteligente.

O Currículo universitário deveria representar a confluência de todas as fontes.

As necessidades locais, regionais, nacionais e internacionais se fundem na expressão de um momento histórico inconfundível.

As grandes teorias surgem de idéias simples e gerais para solucionar os problemas urgentes que a sociedade apresenta no momento histórico.

Professores e alunos inteligentes se respeitam mutuamente para a coleta de intuições e dados objetivos que orientam a reformulação de um currículo. Este, por sua vez, não é um amontoado de conteúdos abstratos e isolados como uma montanha de tijolos sem argamassa que pretendessem construir uma pirâmide sem finalidade, a qual nada mais seria senão uma Torre de Babel de ilusões, colocada sobre a areia movediça.

Os departamentos e faculdades e os institutos organizados por leis e portarias que transmitem ordens administrativas sem o espírito da lei, são uma barca atracada num rio seco.

A lei só serve como bússola se o barco tem águas para navegar e se existe um porto onde atracar.

Os especialistas reunidos, ouvindo as aspirações dos alunos e as necessidades do mercado de trabalho, estarão livres para fazer funcionar a bússola nesta viagem da vida que é o currículo da universidade.

A tecnologia a ser empregada ê diferente em cada braço.

Poderá formar os remos das regatas, as velas dos veleiros, o óleo do motor ou os reatores atômicos.

Mas a vida que navega e a das pessoas que pensam livremente e sabem empregar a bússola para solucionar os problemas que sempre serão novos e imprevistos.

O currículo não pode ser entendido como quadrados formulados pelo técnico dentro de sua visão estreita e sozinha, nem pode ser avaliado por cruzes aleatórias lançadas no cartão de loteria dos testes objetivos.

No momento em que os professores, tendo como companheiros de viagem os universitários selecionados com critérios novos, se sentarem com eles à mesma mesa para formular e reformular o roteiro de cada dia, o currículo ira adquirir a sua energia vital.

O currículo não é um treino de campeonato, nem um ensaio geral. Ele é o próprio campeonato e a própria representação.

Libertando-se do dogmatismo que transforma o especialista em dono de sua estreita verdade, as idéias de cada um se despojam do preconceito superficial e se tornam simples para ser debatidas e integradas.

Sem preconceitos de classes, os antigos profissionais liberais se unirão em uma única profissão, a profissão docente e os universitários voltarão a ser discentes ativos e conscientes que sabem o que querem e para que querem.

Aprender se torna uma ação comum para resolver os problemas comuns: os problemas atuais de uma sociedade de massas que está cansada de esperar de seus lideres e intelectuais uma linguagem que corresponda às suas aspirações de justiça e cooperação.

A inteligência dos mais capazes, professores e alunos, desce do pedestal de alguém que se julga especialista, cientista ou filósofo e se abre para a responsabilidade de uma tarefa de serviço ao bem-estar social.

As idéias simples e gerais (J. S. Bruner) se ampliam e se complexificam, acompanhando os próprios passos da inteligência humana que não caminha por saltos no escuro (J. Piaget).

A seqüência e a ordenação dos assuntos (Parecer 853/71-C.F.E.) se coordenarão numa ascensão que respeita a bagagem do viajante (feed-back), quer seja ele aluno ou professor.

E o navio se enche de mercadorias em que o economista e o agrônomo trazem o pão, o médico traz o diagnóstico, o enfermeiro e o farmacêutico, os remédios e o engenheiro garante o funcionamento dos motores.

O artista traz o entusiasmo para olhar o sol de dia e o firmamento de noite.

E os ventos da tempestade não assustarão àqueles que souberem ouvir a voz dos profetas que vêem alem do horizonte.

2.2. O diálogo e a participação como fundamento de método.

As barreiras que colocam o professor sobre o palco e os alunos na platéia, só se derrubam com uma nova forma de teatro, aquele em que atores e assistentes desenvolvem uma única ação.

A autoridade do professor se demonstra em sua atitude de pesquisa despretensiosa que sai de seu gabinete de trabalho e continua no auditório da sala de aula.

O aluno não pode ser um simples ouvinte, mesmo nas áreas das ciências e nas criações tecnológicas.

Eles são, os alunos inteligentes, inteligências novas que poderão a cada passo, reformular as pesquisas do mestre. Caso contrário, seria a destruição da história do saber e os professores outros tantos Hegel, convencidos de ter atingido o fim da história.

O diálogo começa na sala de aula, continua dentro dos departamentos e chega aos setores e pelos conselhos setoriais alcança a sede da reitoria.

Como diretor da peça, o reitor nada faz sem seus numerosos auxiliares que são administradores e mestres.

Não se esqueça que os alunos já não são uma platéia que assiste passivamente

Paz não é passividade. É trabalho em harmonia.

A representação estudantil em todos os órgãos da universidade não pode ser simbólica.

Eliminando o perigo do dogmatismo de grupos falsamente politizados que pela violência e o fanatismo jamais conseguirão melhorar a sociedade nem dentro nem fora da universidade, o número dos alunos responsáveis e participantes não deve causar temor às autoridades educacionais.

Quem fala transmitindo recados interesseiros de outros, cedo ou tarde se trairá.

É melhor que sejam identificados em tempo os que pretendem alcançar objetivos ideológicos fora do espírito científico da universidade.

E as minorias destruidoras somente poderão ser identificadas e isoladas quando houver possibilidade de participação de todos.

O que muitas vezes acontece é que a falta de oportunidade de participação torna passivos os que poderiam construir e dá oportunidade sorrateira à minoria dominada por objetives estrangeiros.

O cientista humilde não teme ser enfrentado pois se o diálogo lhe apresentar um erro de perspectiva, ele agradecera a oportunidade de revisão.

A história da ciência está repleta de exemplos de humildade.

3 - A Universidade Examinada por Fora.

Sendo a cidade de poucos e ao mesmo tempo não pretendendo ser uma ilha perdida, a universidade deve estar com todos os vestíbulos abertos à visitação pública.

Esta é a sua função social: dar de volta à massa o que produziu dentro de seus muros. Retribuir com justiça os privilégios recebidos. Servir ao bem comum como toda empresa deveria fazer.

Assim como a empresa de qualquer espécie não deveria servir apenas para enriquecer seus diretores mas transformar-se em grandes cooperativas em que cada qual pudesse receber de volta os frutos de seu trabalho, assim a universidade deve ir de volta ao encontro da massa.

3.1. Os profissionais liberais e sua função social.

O profissional liberal é aquele que é livre para pensar, criar, pesquisar e construir a cidade do saber.

Não é aquele que é livre para enriquecer às custas do privilégio que teve para adquirir um diploma ou um título de doutor.

Nenhum analfabeto tem, de hoje em diante, obrigação de se humilhar perante um doutor, de fazer-lhe mesuras e de lhe pedir perdão pelos seus erros de linguagem ou sua falta de etiqueta.

O depreciativo que se taxava ao homem do povo, chamando-o de "colono" e opondo-o ao "senhor doutor" não tem mais sentido numa sociedade aberta para a participação de todos.

O colono, aliás, é aquele que inicia a cultura. Ele cultiva a terra. Ele continua sendo o homo faber, como o operário. Eles constroem a subsistência e a sobrevivência econômica da massa.

O profissional liberal, ganhando seu justo salário, deverá respeitar em todo o cidadão, mesmo analfabeto, um elemento indispensável na construção da sociedade de todos.

Ninguém poderá jamais ser explorado.

O profissional liberal que explora a inocência dos humildes, já não é um homem livre. É um escravo de seus interesses que escraviza os necessitados de seus préstimos.

Isolando a classe nobre dos doutores das mais diversas profissões liberais, considerando-os todos igualmente dignos, supera-se o primeiro entrave dos profissionais liberais.

Isolando as barreiras que separam os doutores da massa, constrói-se uma sociedade mais justa.

E apenas esta poderá ser pacífica.

Impõe-se uma fiscalização legal contra profissionais liberais que exploram seus colegas de diploma.

Impõe-se uma conscientização moral que elimine o isolamento entre os doutores e a massa.

A universidade é uma escola de justiça que se faz na liberdade mas que renega uma profissionalização liberal de exploração dos que não tiveram condições pessoais ou sociais para chegar ao ápice da pirâmide.

A distribuição mais justa das rendas dos profissionais liberais entre si, todos igualmente úteis e necessários à sociedade, e entre estes e o povo, é a preocupação primordial de quem pensa em termos de função social da universidade.

3.2. A função social do estudante universitário.

A Universidade não é um lugar de treinamento tecnocrático e cientificista.

Ela é, antes demais nada, uma escola de humanismo.

Os estudantes universitários que passam as horas escolares copiando e fotocopiando cadernos dos colegas e esperando o dia da formatura, estão queimando o tempo precioso e ocupando o lugar que deveria ser oferecido a alguém mais responsável.

As férias são para o repouso de quem trabalha e a aposentadoria é o prêmio de quem trabalhou. Todavia, mesmo nas férias longas do profissional aposentado e nas férias curtas do estudante, há muito o que se pode fazer para promover a cultura da sociedade.

A distração, o turismo e as viagens podem ser vistos como um meio de estudo e de trabalho que repousa quando se sente útil como a criança que encara como trabalho sério seu jogo de castelos no ar.

Estudantes e professores em conjunto tomam de seu tempo livre para construir a participação alegre da massa em seus momentos de lazer e em seus longos períodos de trabalho profissional.

4 - Função Social dos Meios de Comunicação de Massa a Serviço da Universidade.

Sede da filosofia, das ciências, das letras, das Artes e da tecnologia, a universidade deve ser um laboratório de criações para serem levadas como alimento à massa.

Os meios modernos de comunicação, como a imprensa, o rádio, o cinema e a televisão, são recursos que os proprietários particulares e os administradores públicos devem colocar a disposição da universidade para que o currículo, passando de volta pelos vestíbulos, retorne à massa.

Isto não é um favor. É um dever de retribuição de bens acumulados em conjunto.

Programas de rádio e televisão, jornais, livros, revistas e bibliotecas são uma extensão da universidade.

E os profissionais liberais da comunicação encontram aqui um imenso mercado de trabalho.

Uma universidade fechada em pesquisas de gabinete que não abre as portas para a vida cultural da massa, é um quisto social. É um corpo separado.

Muitos programas infantis, muitas distrações para adultos aposentados, muitas reciclagens profissionais poderiam surgir para substituir filmes importados sem conteúdo e repletos de mensagens contrárias aos princípios de nossa própria cultura nacional.

Em cada município brasileiro deveria haver um núcleo cultural cuja sede poderia ser a biblioteca. O livro ainda permanece uma realidade que, sendo boa, especialmente em termos de uma linguagem que acompanha a história, precisa chegar à massa.

Os profissionais da biblioteconomia intimamente coordenados com os da comunicação de massa, iriam radicar-se no interior e novos cursos regionais de biblioteconomia e comunicação poderiam nascer.

As próprias bibliotecas instalariam seu teatro e no mesmo local apresentariam seus diapositivos e seus filmes para que aqueles que não possuissem televisão pudessem ter sua distração merecida. Aos sábados e domingos a biblioteca seria um lugar de encontros, diferente daqueles do bar e do pátio da igreja, que têm sua específica razão de ser.

A presença da universidade no meio da massa, ramificada como as artérias espalhadas pelo corpo, levaria a todos o sangue novo nascido do coração do povo, a universidade viva e palpitante.

As universidades regionais adquirem aqui todo o seu significado. Somente elas estão integradas no contexto cultural e um grupo humano específico.

Os intercâmbios entre as universidades regionais não permitiriam a ruptura da cultura nacional. E os mais distantes países do mundo se uniriam pelos meios de comunicação social.

A televisão e o cinema vão buscar na universidade onde estão os filósofos, os poetas, os cientistas e os técnicos, toda a água necessária para saciar a sede do saber.

Toda pessoa humana tem sede de saber.

É injusto dizer que o povo é ignorante, que a massa é cega e que cada povo tem o governo que merece.

Cada povo tem a cultura que se enraíza no passado e na terra, mas que é renovada constantemente pelo sangue novo que nasce da fonte comum, uma universidade nova, consciente de sua função social.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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