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Apresentação

DOSSIÊ - CULTURA MATERIAL ESCOLAR: ABORDAGENS HISTÓRICAS

Apresentação

"A facilidade com a qual os objetos do cotidiano são esquecidos é desconcertante."

Marie-Pierre Julien and Céline Rosselin

A constatação enunciada na epígrafe chama a atenção para o caráter ordinário dos objetos, presença incontornável nas sociedades e na vida humana. Porém, de existência assim tão corriqueira, são os objetos secundarizados nas preocupações intelectuais e nas investigações acadêmicas. Dar visibilidade a essa dimensão do cotidiano tem sido o empreendimento de estudiosos da cultura material em diversas áreas. A propósito, Marie-Pierre Julien e Céline Rosselin em um interessante ensaio intitulado La Culture Matérrielle, publicado em 2005 pela editora parisiense La Découverte, põem em questão a validade do conceito de cultura material lembrando-nos tratar-se de um conceito que ajuda a pensar a construção do sujeito, dos objetos e da cultura, isso porque a cultura material não se reduz aos objetos materiais, mas integra a relação entre sujeitos e objetos. Em realidade, advertem as autoras, é a relação física entre os objetos e os sujeitos que faz a cultura. Os objetos possuem forma, cor, dimensões, matéria. Mas, além disso, eles exercem funções sociais, estéticas e simbólicas. Nesse sentido, os objetos possuem significações polissêmicas que são ressemantizadas ao longo de suas existências e usos. Ainda na compreensão das autoras, o sujeito não se constitui um receptor passivo face à mensagem comunicada pelo objeto, ao contrário, ele constrói a significação graças a um processo ativo de percepção.

Essas observações são preciosas quando tomamos a cultura material como objeto de investigação ou como fonte de informação nos estudos históricos em educação.

Nesse sentido, no universo escolar, é preciso estar atento para os múltiplos sentidos adquiridos pelos objetos e artefatos que constituem a materialidade da escola. Como têm assinalado inúmeros autores, a cultura material escolar evidencia concepções de ensino e finalidades sociais e culturais da educação. A introdução, uso e desaparecimento de alguns artefatos estão diretamente relacionados às transformações na educação, isto é, às iniciativas de modernização do ensino e de renovação pedagógica. Por isso, no campo da educação, a cultura material reveste-se de especificidades. Os objetos na escola adquirem um sentido educativo, muitos são auxiliares do ensino e instrumentos de transmissão da cultura, enquanto outros compõem a arquitetura da forma escolar. Nesse sentido, objetos de uso social são muitas vezes convertidos em materiais escolares, agregando novos sentidos e usos apropriados para situações de ensino e aprendizagem dos elementos da cultura. É novamente no livro de Marie-Pierre Julien e Céline Rosselin que encontramos esta preciosa observação: a relação dos estudantes com canetas, lápis, carteiras, cadernos, anfiteatros, uniformes, entre tantos outros objetos escolares, são mais que indicadores da cultura estudantil. No gesto sobre os artefatos, os estudantes se constroem enquanto estudantes e contribuem para forjar uma cultura específica.

Nós, historiadores da educação que temos nos dedicado ao estudo da cultura material, enfrentamos os desafios de lidar com uma temática nova e de difícil equacionamento teórico-metodológico. O olhar que se desloca de temas tradicionais no campo como as políticas educacionais, a história das instituições educativas e do pensamento educacional para a materialidade da escola põe em cena prédios escolares, lousas, cartilhas, carteiras, laboratórios, quadros parietais, globos, mapas, modelos, animais taxidermizados, instrumentos científicos, etc. que se tornam uma chave de leitura para compreender a escola e as relações dos sujeitos educacionais como o ensino, as práticas, as instituições e as ideias pedagógicas. Assim, em nossas análises acerca dessa cultura, temos procurado interpretar a riqueza da representação simbólica desses objetos que testemunharam pelos inventários a história da própria escola.

E para contribuir neste debate, o conjunto de textos reunidos neste dossiê compreende mais uma significativa contribuição para o conhecimento sobre a materialidade da escola, assim como o papel dos objetos na cultura escolar que põe em cena procedimentos de pesquisa que apontam roteiros reflexivos que se aproximam do uso da noção de cultura material escolar como uma ideia que auxilia a explicação da realidade histórica de fenômenos educacionais diversos.

A originalidade desses estudos encontra-se nas interrogações que planteiam e nas interpretações que propõem. O leitor encontrará nos textos desse dossiê reflexões sobre o mobiliário escolar de vanguarda enquanto componente de uma modernidade (Marcus Bencostta), as mudanças no mundo material da criança com deficiência visual (Ian Grosvenor e Natasha Macnab), os espaços arquiteturais pensados para a realidade das escolas mexicanas (Oresta López, Norma Ramos e Armando Espinosa), portuguesas (Carlos Manique) e brasileiras (Célia Dórea), os objetos de ensino e seu papel na modernização da educação (Rosa Fátima), tais como a lousa escolar como suporte técnico-material de relevância na escola moderna (Valdeniza Barra), jornais manuscritos que foram construídos por crianças que noticiavam os seus cotidianos escolares (Maria Teresa) e revistas impressas utilizadas no processo de formação de professores (Rosa Lydia).

Por fim, fazemos um convite aos leitores interessados em conhecer um pouco dessa história permeada por explicações e curiosidades instigantes que torna prazerosa a tarefa de construir uma escrita comprometida com seriedade do ofício de historiadores.

Marcus Levy Bencostta & Rosa Fátima de Souza

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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