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Cultura, material escolar e formação de professores: como disciplinar o corpo - imagens e textos

Culture, school supplies and teacher training: how to discipline the body - images and texts

Resumos

A cultura material encerra em seu interior concepções educativas por meio de prescrições escolares que indicam o que e como ensinar. Nesta perspectiva é analisada a revista de Educação Física, organizada pelo órgão do Centro Militar de Educação Física do Rio de Janeiro, de periodicidade mensal e editada entre os anos de 1932 a 1939. Essa revista foi usada no processo de formação de professores no Curso Normal de Educação Física. Suas edições estão situadas no período de criação desse curso em Curitiba, por meio da fundação da escola de Educação Física e Desportos do Paraná. Aborda-se em particular o curso normal de educação física cursado em dois anos em Escolas Normais destinadas à formação de professores primários, onde o professor obteria o diploma de normalista especializado em educação física. O propósito deste trabalho é analisar o conteúdo dessas revistas para apreender a concepção de educação física nelas contida em consonância com os ideais do período no qual elas são produzidas e entram em circulação. Para tanto, se procede a uma apreciação interpretativa que aponta para um entendimento disciplinar de cunho moral de formação que deveria ser disseminada pelos docentes nos estabelecimentos de ensino primário.

formação de professores; corpo; moral


Material culture encloses educational concepts through school requirements that indicate what and how to teach. In this perspective, we analyzed the journal Physical Education, organized by the Military Center of Physical Education of Rio de Janeiro, published monthly between the years 1932-1939. This magazine was used in the teacher training process in the Physical Education Normal Course. Their editions belong to the period in which the course was created in Curitiba, through the foundation of the School of Physical Education and Sports of Paraná. In particular, we addressed the normal course of physical education attended for two years in Normal Schools for the training of primary school teachers, where the teacher would obtain the degree of Bachelor in Education, specialized in physical education. The aim of this paper is to analyze the content of these magazines to capture the concept of physical education contained therein in accordance to the ideals of the period in which they are produced and put into circulation. For that we undertake an interpretive assessment that points to a disciplinary understanding of moral training that should be disseminated by teachers in primary schools.

teacher training; body; moral


DOSSIÊ - CULTURA MATERIAL ESCOLAR: ABORDAGENS HISTÓRICAS

Cultura, material escolar e formação de professores: como disciplinar o corpo – imagens e textos

Culture, school supplies and teacher training: how to discipline the body – images and texts

Rosa Lydia Teixeira Corrêa

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Rua Imaculada Conceição, nº 1155 - Bloco CTCH - Prado Velho. Curitiba, Paraná, Brasil. CEP: 80215-90

RESUMO

A cultura material encerra em seu interior concepções educativas por meio de prescrições escolares que indicam o que e como ensinar. Nesta perspectiva é analisada a revista de Educação Física, organizada pelo órgão do Centro Militar de Educação Física do Rio de Janeiro, de periodicidade mensal e editada entre os anos de 1932 a 1939. Essa revista foi usada no processo de formação de professores no Curso Normal de Educação Física. Suas edições estão situadas no período de criação desse curso em Curitiba, por meio da fundação da escola de Educação Física e Desportos do Paraná. Aborda-se em particular o curso normal de educação física cursado em dois anos em Escolas Normais destinadas à formação de professores primários, onde o professor obteria o diploma de normalista especializado em educação física. O propósito deste trabalho é analisar o conteúdo dessas revistas para apreender a concepção de educação física nelas contida em consonância com os ideais do período no qual elas são produzidas e entram em circulação. Para tanto, se procede a uma apreciação interpretativa que aponta para um entendimento disciplinar de cunho moral de formação que deveria ser disseminada pelos docentes nos estabelecimentos de ensino primário.

Palavras-chave: formação de professores; corpo; moral.

ABSTRACT

Material culture encloses educational concepts through school requirements that indicate what and how to teach. In this perspective, we analyzed the journal Physical Education, organized by the Military Center of Physical Education of Rio de Janeiro, published monthly between the years 1932-1939. This magazine was used in the teacher training process in the Physical Education Normal Course. Their editions belong to the period in which the course was created in Curitiba, through the foundation of the School of Physical Education and Sports of Paraná. In particular, we addressed the normal course of physical education attended for two years in Normal Schools for the training of primary school teachers, where the teacher would obtain the degree of Bachelor in Education, specialized in physical education. The aim of this paper is to analyze the content of these magazines to capture the concept of physical education contained therein in accordance to the ideals of the period in which they are produced and put into circulation. For that we undertake an interpretive assessment that points to a disciplinary understanding of moral training that should be disseminated by teachers in primary schools.

Keywords: teacher training; body; moral.

Introdução

A cultura material escolar tem sido objeto de preocupação de pesquisadores1 1 A exemplo, ver: Xavier e Marques (2006); Lima (2006); Funari (2005); Fiscarelli (2006). no âmbito da História da Educação nestas últimas décadas não só pela gama de possibilidades de materiais escolares que podem ser analisados dessa perspectiva (livros escolares, periódicos, cadernos, provas, mobiliário), mas substancialmente pelas contribuições que trazem para a análise histórica da educação desde novos objetos. Eles permitem apreender sobre uma dimensão da materialidade de ideários educativos e sua conformação no processo escolar, por meio de registros, no caso de periódicos, sobre o que se idealizava em termos pedagógicos. Esses objetos trazem sobremaneira, do ponto de vista histórico, conteúdos de ideários educativos que se intencionou disseminar na sociedade brasileira.

Com efeito, neste trabalho o propósito é analisar alguns textos, trazendo também imagens contidas em números da Revista de Educação Física, editada pelo órgão do Centro Militar de Educação Física do Exército, no Estado do Rio de Janeiro, no período compreendido entre os anos de 1932 e 1939. Essa revista teve o seu primeiro número publicado em maio de 1932, de um total de 49, tendo circulado, tudo indica, até o ano de 19392 2 Não tivemos acesso a outros números. . De edição mensal, essa revista foi ampliando de três números no primeiro ano para uma periodicidade regular anual, somente interrompida nos meses de férias, de modo geral no mês de fevereiro, por meio de esclarecimento do editor.

Destinada à abordagem de temas de Educação Física, traz textos que estão centrados em temáticas dessa área, destacadamente aqueles voltados para a higiene, eugenia, moral e disciplina individual e social3 3 Para uma melhor compreensão sobre esse assunto consultar: Schwarcz (1995) e Marques (1994). . Esses temas são tratados por militares, médicos e educadores, entre eles Lourenço Filho e professores do ensino público. Possuem caráter pedagógico e doutrinário, evidentemente próprios do ideário educativo em circulação no período.

Os editores da Revista de Educação Física demonstram domínio sobre o que está sendo veiculado no campo educacional escolar no Brasil daquele período. Isso se manifesta por meio de gradativa publicação de matérias sobre escolas públicas, por exemplo, e a prática de educação nesse tipo de instituição, na medida em que a circulação desse periódico vai sendo ampliada, inicialmente do Estado do Rio de Janeiro, para o de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, entre outros. Ao contrário da Revista de Educação Physica, ela parece não ter tido circulação internacional4 4 Ver nesse sentido o trabalho de Schneider e Neto (2006). . Circula sobremaneira no mesmo período da Revista de Educação Physica. Ambas têm propósito substancialmente similar ao veicularem um ideário voltado para constituição do homem novo brasileiro, pela melhoria da raça e saúde mental, segundo uma perspectiva de moral social disciplinadora do corpo que promove a valorização da raça em todos os sentidos.

A disciplinarização do corpo pretende ser aqui destacada por meio de imagens selecionadas entre dezenas que compõem os diferentes números da revista que impressionam pelas expressões nelas contidas. Principalmente quando são apresentadas matérias sobre a educação infantil, da mulher e da juventude. Neste particular se pode depreender tanto uma dimensão de educação escolar como não escolar, pois seus editores demonstram preocupação com a repercussão social do ideário nele presente, já que a prática de educação física também é destacada como desenvolvida em vários tipos de espaço social diferenciados, como clubes e praias.

Isso posto, no desenrolar deste trabalho, inicialmente abordaremos a concepção e/ou ideário de educação presente nesse impresso e, posteriormente, como ele se manifesta tanto em textos como em imagens nele contidos.

Concepção e/ou ideário educacional: textos e imagens

Concordamos com Schneider e Neto (2006) quando, ao trabalharem com o conceito de circularidade cultural de Ginzburg (1987), afirmam que os propósitos dos editores da Revista de Educação Physica era o de desenvolver o ideal de homem novo tendo como fundamento a melhoria da raça5 5 O termo " raça" é introduzido na literatura mais especializada no início do século XIX, por George Cuvier, inaugurando a ideia da existência de heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos. Ver nesse sentido Schwarcz (1995). por meio do desenvolvimento fisiológico saudável para o que concorreria sobremaneira a prática da Educação Física pelos indivíduos. Nesse sentido a educação física como disciplina adquire função nuclear como meio de propagação de um ideário que se pretende universal, levando em conta as ideias em circulação6 6 Ver nesse sentido o trabalho de Schneider e Neto (2006). Neste trabalho os autores referem sobre esse ideário na Europa e Estados Unidos. Sobre essa temática ver, também, o minucioso estudo de Marques (1994). Por meio deste estudo é possível compreender que as ideias eugênicas não datam dos anos trinta do século XX, mas estão em voga desde o século XIX. .

Com efeito, na Revista de Educação Física esse ideal está presente em todos os números a que tivemos acesso entre os anos de 1932 a 1939. Genericamente ele está presente nos editoriais, assinados pelo editor Tenente Coronel João Ribeiro Pinheiro7 7 Utilizaremos para estudo somente textos e imagens de números dos anos de 1932 e 1933, lavando em conta a gama de conteúdos que pode ser estudada do total dos 49 exemplares da revista. . No primeiro editorial, ele situa o lugar do Exército no cenário nacional, sob o título Militarismo e Educação Física. Diz ele:

Ao Exército deve a unidade do Brasil-Império. Ao Exército deve-se abolição. Ao Exército deve-se a primeira e a segunda República. Enumerar o que tem sido a obra dos militares dentro do organismo nacional é contar quase a própria vida nacional. Mas inda hoje pouca gente compreende o valor silencioso, nem por isso menos formidável, da obra de alfabetização, nacionalização e higienização social que o exército realiza implacavelmente entre os jovens que vem anualmente servir nas suas fileiras. Agora o Exército prepara-se febrilmente para realizar mais uma grande obra. Ele vai ser escultor da raça como foi o escultor da nacionalidade. O Regulamento de Educação Física, em vias de aprovação pelo Estado Maior preconiza que dentro em breve prazo qualquer jovem só poderá ingressar na escola de soldado depois de ter dois anos de Educação Física [...] (PINHEIRO, 1932, Editorial, p. 2, grifos nossos).

A Revista de Educação Física do Exército em seus 49 números deixa evidente um princípio básico que orienta as matérias nelas contidas: o principio da cientificidade na promoção de uma nacionalidade racional pelo aperfeiçoamento da raça. Por isso, há uma veiculação ideológica de exaltação à supremacia da raça calcada em princípios científicos da ciência moderna. Para Grunennvaldt (2006), desde o início do século XX,

havia a necessidade de pressupostos e procedimentos advindos do meio científico, o que levou a confluência esforços militares e civis para substituir o autodidatismo e as dissonâncias metodológicas das praticas das atividades físicas e, assim, "tirar o problema da Educação Física do domínio do empirismo da indiferença e da charlatanice", podendo afirmar que, desde o século anterior, o Exército já se interessava pelo problema da Educação Física e sua difusão no meio civil (GRUNENNVALDT, 2006, p. 1).

No Plano de Ensino divulgado pela revista no ano de 1932, pode-se constatar as pretensões de abrangência do Exército em termos de formação de profissionais em Educação Física, como teremos oportunidade de analisar no item seguinte. A formação profissional em todas as áreas do conhecimento se constitui numa necessidade no Brasil nesse período. O avanço do processo urbano industrial requeria preparo profissional no bojo do imperativo de construção de um Brasil civilizado e moderno. Desse modo, a educação precisaria ser modernizada e isso significa que deveria ser feita em bases eminentemente científicas, com vistas à superação da tradição escolástica herdada dos Jesuítas. Importa não descurar que essas bases já estavam dadas em termos ideológicos e por meio de ações educacionais desde a implantação da República na propagação das lições de coisas via o método intuitivo nos grupos escolares, principalmente do estado de São Paulo, mas, havia que aprofundá-las. Desse modo, a base científica não deveria restringir-se exclusivamente ao aprendizado da leitura e da escrita ou de conhecimentos imprescindíveis à escolarização primária, deveria tomar dimensões mais abrangentes. Num processo civilizador como desejavam as elites, entre elas as militares, seria um imperativo disseminar uma ideologia (ideia) onde um tipo de estética promoveria o caráter de povo civilizado, de raça perfeita por meio de certas destrezas que pudessem ser exercitadas. Assim, sob o título Hegemonia da Raça o editorial de agosto de 1933, traz o seguinte. Vejamos alguns trechos:

As alterações sociogênicas encontram sua natural condição no elemento étnico. Assim, pois, todas as modificações sociais serão difíceis, senão impossíveis, quando as qualidades físicas, fisiológicas e psíquicas da raça não as comportem. Portanto, se acariciamos um ideal superior, se queremos a prosperidade e a grandeza de nosso País, é mister que, antes de mais nada, atentemos nos fundamentos étnicos de seu povo, trabalhando essa matéria prima que se destina plasmar todas as grandezas e prosperidades almejadas.

É mister dedicar a raça, quanto antes, um desvelado esmero, fazer dela um objetivo de mais alto interesse, e envolver de mais forte energia esse interesse elevado.

[...] as raças verdadeiramente fortes são as detentoras é que são as detentoras da hegemonia da civilização. [...]

Si, por um determinismo tirânico, a nossa raça se ressente de um mal de origem, reunindo raças dissemelhantes – a branca, a preta e a indígena – a nossa raça, por certo, se recente da disparidade dos elementos que a integraram. E é o princípio biológico consagrado que o êxito dos cruzamentos é tanto menos favorável, quanto mais diversos são os elementos cruzados. Corroborando na verdade desse princípio, ai estão os resultados da inquirição sobre o grande problema da psicologia comparada da humanidade – o efeito da mistura das raças sobre a natureza mental. E foi SPENCER quem, Essais scientifiques, levantou a questão que vem obtendo as conclusões assinaladas.

É natural, portanto, que a nossa raça padeça, que a diversidade dos caracteres das raças originárias, e não possa fugir ao influxo da incapacidade das raças inferiores que a conformam. [...] (ABREU, 1933a, p. 1, grifo do autor).

O Exército passava de modo mais contundente a reafirmar e, mais do que isso, a abraçar de maneira fecunda a causa da eugenia que há muito vinha sendo discutida em meios intelectuais.

No cenário no qual essa revista é editada, a educação poderia exercer um papel político fundamental no sentido da disseminação de um tipo de ideologia visando a construção do Estado Nacional. Getúlio Vargas, depois de ter assumido a chefia do governo provisório, instituiu, por meio do Decreto nº 19.404, de 14 de novembro de 1930, o Ministério dos Negócios, Educação e Saúde, que teve como ministro Francisco Campos. Desse modo estariam postas as bases para construir o Estado Nacional, por meio da educação que concorreria para sanear a sociedade brasileira. Daí a importância de propalar uma concepção higienista por meio da formação de homens, mulheres e crianças fortes e sadias8 8 Ver também nesse sentido os estudos de Horta (1994). .

Na Revista de Educação Física, a eugenia pode ser apreendida tanto por meio das matérias publicadas quanto das inúmeras fotografias que ilustram e, ao mesmo tempo, procuram convencer os menos avisados sobre a importância da prática de exercícios físicos para melhoria da condição física dos indivíduos. Raça esbelta pelo corpo ereto. Nesse sentido, vejamos a imagem a seguir.

Foi com o ideal de uma cruzada cívica eugênica que esse impresso foi editado. Em todos os números nesses sete anos de edição9 9 Não sabemos ainda se o ano de 1939 foi o último no qual essa revista foi editada. a educação e, em especial, a Educação Física teriam como finalidade precípua o fomento do ideal de perfeição da raça. No editorial de número 7, de abril de 1933, sob o título Cruzada Cívica e Eugenia do C.M.E.F.10 10 Centro Militar de Educação Física. , J. R. Toledo de Abreu diz:

é notória a importância da Educação Física moderna pelas reações sociais que suscita pelo papel que representa para a destinação étnica da nacionalidade. Robustecendo o corpo, não descuidando do intelecto, retemperando e vivificando o moral, se afirma um poderoso instrumento étnico-social, altamente civilizador. [...]

O C. M. E. F. é bem o coração, o músculo vigoroso, a impelir o plasma vivificador de todas as células do organismo do nosso País. Nele atualmente, em seus variados cursos, alguns de criação recente, se acham matriculados, civis e militares provenientes da maioria dos estados da federação. Todos esses elementos levarão, por certo, para onde quer que se dirijam futuramente, o influxo desse espírito regenerador, integrante do patrimônio moral daquele estabelecimento de Educação (ABREU, 1933b, p. 1).

Nesse sentido, o Centro Militar de Educação Física seria irradiador de toda política de disciplinarização do corpo individual e social. Para o progresso econômico e social urgia a existência de uma sociedade saudável e, por assim dizer, bonita fisicamente. Da beleza física dependeria o desempenho dos indivíduos em todos os sentidos, pois a educação seria integral, já que não incidiria exclusivamente na ordem física, mas moral e intelectual, segundo uma ordem burguesa em ascensão. Desse modo, esse Centro teria uma missão apostolar e abriria uma verdadeira frente revolucionária, nas palavras do professor Ignácio M. Azevedo do Amaral (1933), catedrático da Escola Naval e da Universidade do Rio de Janeiro. Esse ideal revolucionário teria nascido de uma verdadeira inquietação social, segundo ele, em editorial da revista número 8, de maio de 1933.

No processo de empreendimento dessa cruzada, o olhar vigilante do Exército se estendia no sentido de dar conta de um grande número de ações que retratassem a empreitada da Educação em prol da melhoria da raça pela construção do corpo sadio. Ele se estende às mulheres e as crianças. Às primeiras, são dedicados alguns números da revista, destacadamente em relação à prática de esportes e de sua participação social como decorrente de conquistas femininas. A prática da Educação Física pelas mulheres concorreria para a melhoria da raça.

A Educação Física racionalmente empregada constituirá um dos fortes esteios no qual se apoiará futuramente a pujança da raça. Pugnemos todos por ela, mas dando-lhe aspecto científico, abolindo as mistificações comerciais, empíricas, de tão maus resultados.

Mãos à obra, educadores! Avante! (OLINTO, 1933, p. 8)11 11 Matéria escrita sob o título de Educação Física Feminina: rápido esboço sobre processos educacionais, pelo Dr. Plínio Olinto, chefe do Serviço de Profilaxia Mental do Hospital Nacional do Rio de Janeiro.

Visando dar sentido à empreitada de promover a educação física entre as mulheres, o número 6 da revista, de março de 1933, traz quatro matérias sobre cursos de ginástica promovidos por mulheres integrantes da então elite do Rio de Janeiro e Porto Alegre. Esses cursos eram destinados a segmentos femininos jovens dessa elite e justificados ser ministrados segundo bases do moderno sistema racional de educação e rigorosamente científica. Neles eram ofertados cursos de ginástica rítmica, de expressão, corretiva e de acrobacia. Vejamos a seguir algumas imagens de alunas do curso de Naruna A. Sutherland:12 12 Sra. Naruna A. Sutherland, possui um Studio na vivenda Bolívar n. 105, em Copacabana. Considerada pioneira da Educação Física Feminina no Rio de Janeiro, segundo a revista. Formada Normalista em Belém do Pará, onde já lecionava a disciplina de cultura física (1917). Fixou residência no Rio de Janeiro em 1921, já tendo ido à Inglaterra em 1920, onde teve aulas de dança clássica com Anna Pavlowa. Segundo ela, Coelho Netto a introduziu na sociedade carioca, com apresentação de alunas do British American School, primeiro estabelecimento de ensino no Brasil que inclui em seu curso feminino aulas de dança e ginástica ritmada. Fez também curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos. Além dela, Sylvia Accioly é referida também nesse número. Pertencente à elite carioca e de formação alemã em Educação Física, fundou no início dos anos de 1930 o Instituto Feminino de Cultura Artística. Com essas duas primeiras professoras, a matéria apresentada pela revista é feita com base em uma entrevista, assim como com Helga Michaelsen que cursou Educação Física no Instituto Feminino de Cultura Física de Porto Alegre, criou e dirigiu o Instituto Feminino de Cultura Física, com sede na sociedade sul-rio-grandense.

Na entrevista dada à revista por Sylvia Accioly, que foi aluna da Naruna Sutherland, Accioly enfatiza seus propósitos formadores em relação à ginástica feminina. Ela faz relação entre a melhoria da condição física da mulher e a procriação saudável.

[...] tenho conseguido de maneira quase sempre animadora, modelar organizações humanas que primem pela saúde, em primeiro lugar, pela elegância, não só morfológica, como em todas as atitudes e todos os gestos da vida quotidiana. Creaturas que sejam eficientes nos escritórios comerciais, graciosas nos salões, e principalmente capazes de realizar dentro dos princípios da mais pura eugenia, a grande glória feminina que é maternidade (REVISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 1933b, p. 9).

A criança também foi objeto de preocupação incessante dos Editores da Revista13 13 A revista, nas matérias longas sobre a Educação Física Infantil, traz orientações de fichas nas quais deveriam ser registrados dados biométricos sobre as crianças. Por essa perspectiva é possível demonstrar um modo de idealizar a infância brasileira desde o final do século XIX até os meados do XX. Estudos sobre essa questão têm sido feitos na História da Educação. Consultar a esse respeito Carvalho (1997). . Esta deveria praticar exercícios físicos desde tenra idade. Como adolescentes e adultos, deveriam ser medidos e seus dados registrados em fichas para acompanhamento eficiente de seu desenvolvimento saudável. Os educadores deveriam estar preparados para lidar com essa exigência infantil advinda do imperativo de desenvolvimento físico saudável.

Educação Física, formação e atuação de professores

A revista, como um periódico educativo contendo uma finalidade claramente definida como a que ora revisitamos, se constitui pela sua materialidade em um recurso que se propõe permanecer por longo tempo enfatizando os propósitos de seus idealizadores. Na cruzada civilizatória à frente da qual estaria a educação física, os educadores/professores deveriam ser formados14 14 Cf. Grunennvaldt (2006, p. 8, grifos do autor). Segundo esse autor, a essa escola, para a difusão da Educação Física: "a). formará instrutores e monitores de Educação Física, mestres de armas e monitores de esgrima; b). proporcionará aos médicos, especialização em educação Física.; c). Formará massagistas desportivos; d). fornecerá aos oficiais em geral os conhecimentos indispensáveis à direção da Educação Física e da esgrima; e). formará, eventualmente, para fins não militares, instrutores e monitores de educação física, recrutados no meio civil; f). incrementará a prática da educação física e dos desportos; g). estudará as adaptações a serem introduzidas no método, submetendo-as a apreciação do Estado Maior do Exército; h). manterá correspondência com os institutos congêneres nacionais e estrangeiros." para atuarem segundo o ideal aí propalado para a grandeza e bem-estar da pátria segundo exigências racionais modernizadoras. Esse ideal não está presente somente no discurso militar, mas provém de educadores como Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, por exemplo. Fernando de Azevedo, em palestra proferida no Centro de Educação Física da Fortaleza de São João no Rio de Janeiro, assim se pronunciava, sob o título Educação e Cultura Física, em relação à Educação Física:

[...] ela interessa a cultura integral da personalidade e decorre, podemos dizer, da própria filosofia do povo, de sua compreensão da vida, do valor e do destino do homem. Não acreditamos exagerar insistindo em que a Educação Física implica, realmente, as mais altas questões filosóficas. [...] (AZEVEDO, 1933, p. 5).

Naquela oportunidade, ele se referiu ao Exército como a melhor instituição a desempenhar o papel de promover a Educação Física no sentido da melhoria da raça brasileira.

Em todos os países, onde a educação física se apresenta difundida, e respeitada como um serviço social começou a se estabelecer centros de formação de instrutores da especialidade, de verdadeiros educadores, não apenas de ginastas mais ou menos hábeis. E o exemplo desses mesmos países tem demonstrado também quanto pode ser preciosos o contingente das forças armadas, já devotadas, pelo seu mistér ao cultivo da saúde, da coragem, da decisão pronta, da disciplina. No Brasil, a nenhuma instituição se entregaria melhor esta causa; e, dentro dela, a este grupo valoroso que, silenciosamente, mas convictamente e perseverantemente, aqui vem trabalhando as bases da reconstrução futura de nossa raça (AZEVEDO, 1933, p. 7).

Importa dizer que a participação do Exército na formação de quadros civis para o exercício da Educação Física está no Decreto n. 23.252 de 19 de outubro de 1933, que criou a Escola de Educação Física do Exército. A formação de civis está prevista no Programa Geral do Ensino de 1932 e no Plano de Ensino de 1932, publicada na revista número 2, de junho desse ano.

Os cursos de instrutores e monitores civis, que funcionarão eventualmente, destinam-se aos professores federais e municipais ou outros civis que satisfaçam as condições exigidas para a matricula, e visa prepará-los para as funções de instrutores e monitores de educação física dos estabelecimentos civis de ensino.

Parágrafo único - Este curso terá a duração de 9 meses. Os seus programas de ensino, semelhantes aos dos cursos de instrutores e monitores militares, serão organizados oportunamente e apresentados à apreciação do E. M. E. (Plano de Ensino de 1932, art. 41 apud REVISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 1932, p. 5).

Note-se que o Decreto nº 23.252, de 19 de outubro de 1933, apenas conformou o que estava instituído no interior do Exército. A seguir trazemos duas fotografias de turmas de professores públicos, portanto de civis, que já vinham sendo formados em Educação Física no Exército. A fotografia a seguir é do ano de 1929.

O capitão L. Lopes Bonorino, em artigo da Revista de Educação Física de número 6, de março de 1933, em matéria intitulada Fernando de Azevedo e a Educação Física, traz por meio desse educador "os ideais da Escola Nova para o ambiente da Pátria".

Fernando de Azevedo possui uma visão majestosa da complexidade do assunto e quando lhe tem sido facilitada a tarefa de realizar, ele tem descido ao terreno experimental, tem feito obra de incalculável valor social, moral e, sobretudo – obra patriótica (BONORINO, 1933, p. 14).

Os militares demonstravam firme propósito em dar continuidade à causa educacional do Brasil ante a gerência de um processo civilizador que passaria pela disciplina do corpo e da mente por meio de modos de adestramento (FOUCAULT, 1999). A incorporação do ideário escolanovista se manifestava incontestável em matérias sobre pedagogia e sua relação com a Educação Física, onde esta é exaltada como ciência da educação. A Educação Física é valorizada por meio de idealizadores da Educação Nova no Brasil, como é o caso Lourenço Filho. Para ele:

Nenhum educador, qualquer que seja o ramo em que exercite seu mister, poderá ignorar os fundamentos em que ela [a Educação Física] agora assenta e se expande, consagrando os ideais de saúde, de equilíbrio e de harmonia, em que a concepção do respeito ao corpo se apresenta irmanada ao cultivo da personalidade integral (LOURENÇO FILHO, 1933, p. 5).

Para ele ainda, os ideais da nova Educação Física deveriam expandir-se por todo o Brasil para o bem nossa raça "não penas do ponto de vista da higiene e da defesa da saúde – mas, sim, também em benefício da obra da educação integral de nossos patrícios" (LOURENÇO FILHO, 1933, p. 7).

É segundo o espírito de prática racional e, por isso, científica que os princípios da Educação Nova em Educação Física são trazidos por professores em artigos publicados na revista. Nesse sentido, a professora municipal Ruth Gouveia escreve:

É inegável, e os métodos modernos têm como base, que a aprendizagem só se verifica quando a situação satisfaz a uma necessidade de indivíduo. O interesse nada mais é do que a manifestação da necessidade.

Assim sendo, em cada momento o educador encontra oportunidade de observar as crianças que se acham sob suas vistas e dirigi-las, ou melhor, levá-las a realizarem o que suas necessidades assim o pedem. Neste sentido é que compreendemos a educação ativa. Não será simples movimentação do aluno, mas como diz Claparede, "é ativa toda reação que corresponde a uma necessidade, que tem origem num interesse suscitado no próprio indivíduo que atua [...]" (GOUVEIA, 1933, p. 26).

A compreensão da professora sobre educação física está sumamente influenciada pelo ideário da educação nova. Termos como "necessidade do indivíduo", "interesse", "observação" e "educação ativa" demarcam princípios que caracterizam aquele ideário. Neste particular, a ideia de cultura material escolar pode ser depreendida pelo aspecto relacional entre a materialidade (revista) e o seu uso na escola pelos professores, na medida em que mantém vínculos com esse periódico. Ela não é apenas veículo onde são divulgadas suas experiências, mas também meio de circulação de um ideário que orienta suas atuações pedagógicas, em consonância com os ideais propostos pelo impresso quer em seus editoriais, quer em matérias que trazem a exemplo, na esteira do ideal da educação nova, preceitos sobre como ensinar educação física nas escolas.

Da revista é possível depreender que os militares editores mantinham controle sobre as práticas da Educação Física nas escolas públicas. Certamente isso poderia ser feito por meio de seus ex-alunos. Em relação a essa escola, na matéria assinada por A. M.15 15 Na matéria destinada à Educação Física no Espírito Santo há apenas as siglas do nome de quem produziu a matéria. , temos:

O Ginásio Arte e Instrução, estabelecimento escolar que funciona nesta Capital, sob a direção do Dr. Ernani Cardoso, é digno de louvores pela maneira esforçada por que se vem empenhando para o desenvolvimento físico de seu corpo de alunos.

Os educadores da parte física se desempenham com ardor, carinho e perseverança, mau grado as dificuldades materiais que tem de superar. Contudo essa tarefa se torna menos espinhosa, dado o valioso auxílio prestado pelos próprios alunos, se faz sentir também no exterior: e a propaganda que a educação física faz de si mesma é também uma propaganda para o estabelecimento de onde ela é praticada. [...]

Não podemos ocultar a imensa satisfação com que estampamos nestas páginas algumas fotografias colhidas no interior do Ginásio Arte e Instrução na ocasião em que se executavam exercícios físicos pelo corpo discente deste estabelecimento de ensino (REVISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 1933c, p. 15).

O controle do Exército sobre a prática da Educação Física nas escolas pode ser exemplificado também por meio de uma matéria que a revista traz sobre a Educação Física no estado do Espírito Santo. São exaltados os esforços que o governo do estado tem empreendido no sentido de promover essa disciplina nas escolas e no estado e, nessa linha, havia tomado inúmeras medidas por meio de atos governamentais:

Entre estes, revela a criação de uma Inspetoria de Educação Física, cuja direção foi conferida a técnicos brasileiros diplomados pelo antigo Centro Militar de Educação Física, atualmente escola de Educação Física do Exercito. Subordinada ao Departamento de Ensino Público do Estado, mas autônoma na parte técnica, a Inspetoria vulgariza, orienta, controla, e fiscaliza a prática da educação física em todos os estabelecimentos de ensino e abre anualmente as portas a um Curso Especial, com programas vasados nos moldes desta escola. Desta forma conseguiu diplomar já 46 professores recrutados no professorado primário e que satisfazem os requisitos necessários; [...] (REVISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 1933c, p. 11).

Dessa escola temos algumas imagens a seguir:

A seguir, uma imagem de exercícios de educação física feminina, decorrentes de um curso organizado pelo professor público M. Queiroz Rodrigues da Escola Paulo de Frontin. Esse professor foi diplomado pelo Centro Militar de Educação Física. A matéria da qual faz parte a fotografia a seguir é composta de outras quatro que são expostas sob o título Uma Página Confortadora para o C. M. E. F.

A propósito da formação de professores pelo Estado Maior de Exército, o capitão L. Lopes Bonorino, no mesmo artigo da revista anteriormente citada na matéria alusiva a Fernando de Azevedo e a Educação Física, assim se referia em relação a esse assunto:

Fernando de Azevedo caba de nos mandar do nobre e grande Estado de São Paulo, uma outra leva de professores públicos para fazer o curso de educação física. Oxalá que o grande educador possa levar a tarefa até o fim, criar a Escola do Estado, disseminar o ginásio desde o Vale do Paraíba ao Paranapanema e de S. Vicente ao Paraná, para maior glória de S. Paulo, para maior grandeza de nosso Brasil (BONORINO, 1933, p. 8).

Hilsdorf (2006, p. 94) diz que as Forças Armadas por muito tempo acalentaram o papel político de educadoras do povo. Primeiramente na Primeira República, por meio do modelo do "quartel como escola", via o nacionalismo cívico-militar de Olavo Bilac. Posteriormente na Revolução de 30, com "escola como quartel", pela ação preventiva e repressiva em defesa da segurança nacional, com base em duas estratégias: a educação pré-militar, a ser dada nas próprias escolas; e o controle do ensino da educação física, evidenciado nas décadas anteriores pela formação de professores na Escola de Educação do Exército. Essa autora diz que essa proposta não se concretizou. Talvez ela esteja se referido ao conjunto da proposta militar de educação para o povo. Efetivamente ela não se concretizou no todo. Entretanto, podemos dizer que houve uma incisiva tentativa de realização daquele papel já que esses dados apontam para resultados de ações que tiveram algum efeito social. Assim, se a proposta de educação militar por meio da educação física se não se concretizou no todo, ela teve uma importante repercussão, já que os números dessa revista vão progressivamente estendendo seu controle a outras referências escolares, entre elas os grupos escolares que os limites deste trabalho não tornam possível explorar.

Mas, vejamos como a educação física tem origem e como ela se vincula a esse ideário no Paraná e, particularmente, em Curitiba. O primeiro Curso de Educação Física no Paraná se deu por meio da Escola de Educação Física e Desportos do Paraná, fundada em 1941 na cidade de Curitiba, tendo obtido autorização para funcionamento no ano seguinte por meio do Decreto nº 9.890, de julho de 1942.

Consta do Regimento interno da Escola de Educação Física e Desportos do Paraná, segundo o relatório apresentado ao Sr. Manuel Ribas, então interventor nesse estado, e escrito pelo então diretor dessa escola, Sr. Francisco Mateus Albizu, no ano de 1944, informações de que nessa escola funcionavam cursos de Educação Física ministrados em duas categorias: Curso Superior para professores de Educação Física e Curso Normal de Educação Física. O primeiro com a duração de dois anos e o segundo com um ano. Destaque-se que para cursar o normal em Educação Física seria necessário possuir o diploma de normalista, obtido na capital somente por meio da Escola Normal Erasmo Pilotto. Esta exigência certamente incidiria sobre as professoras primárias. Ao término do Curso Normal, os alunos recebiam um diploma de Normalistas Especializadas em Educação Física (ALBUQUERQUE, 2008). Importa dizer que esses cursos foram instituídos durante o período da ditadura Vargas de 1937 a 1945.

Para entender melhor essa relação entre esses cursos e, particularmente, o curso normal e a revista aqui analisada, convém trazer o balanço que Albuquerque (2008), faz sobre a carga horária das disciplinas ofertadas no curso normal:

[...] na grade curricular do curso normal, as disciplinas consideradas esportivas como desportos aquáticos, desportes terrestres coletivos, desportes terrestres individuais, lutas, e ginástica rítmica desportiva somavam 234 horas; as disciplinas biológicas – anatomia, fisiologia, biometria, cinesiologia, higiene, socorros de urgência e fisioterapia – somavam 216; a única disciplina pedagógica, metodologia, contava com apenas 43 horas; as únicas disciplinas de caráter histórico e filosófico e história da educação física eram contempladas com somente 21 horas; as outras disciplinas como educação física em geral, com 83 horas, e organização da educação física e dos desportos, com 27 horas, fechavam a carga horária (ALBUQUERQUE, 2008, p. 106).

Nesse sentido, a formação em educação física também para professores primários se fazia segundo se apregoava tanto nos pareceres de Rui Barbosa de 188216 16 Cf. Barbosa (1942). quanto nos Congressos Brasileiros de Higiene e de Eugenia na década de 1920, que destacavam a importância da educação, principalmente no meio escolar, para o que deveriam ser formados técnicos. As cargas horárias das disciplinas de finalidade eugênica e higiênica continuariam sendo fundamentais, tudo indica, na formação de professores em Educação Física. Importa dizer que em meio às proposições da Reforma Francisco Campos estava a de proporcionar a obrigatoriedade da Educação Física no ensino secundário, corroborado pelo Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Assim, a formação de professores se faria visando atender a esse imperativo legal.

Por fim, o ideal não só militar, mas também de educadores e intelectuais, de fomentar um espírito cívico nacionalista por meio da educação física voltada para a constituição do corpo sadio como condição da melhoria da raça foi uma ideologia que teve diferentes modos de ser veiculada, entre eles o impresso. Não só este que trazemos nesta apreciação, como a também a Revista de Educação Physica editada no Rio de Janeiro no mesmo período.

Assim, o acesso a essa revista por ter se dado no bojo de um estudo sobre formação de professores primários, onde garimpávamos fontes na biblioteca de uma instituição destinada a essa formação em Curitiba, nos permite deixar a indagação: porque elas estão ali e a que fins serviram?

Texto recebido em 18 de dezembro de 2012.

Texto aprovado em 20 de agosto de 2013.

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  • ALBUQUERQUE, L. R. de. Concepções e saberes da formação de professores em educação física, no período de 1970 a 1990, e a relação entre o saber e o poder Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2008.
  • AMARAL, I. M. A. A verdadeira frente revolucionária. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, p. 8, maio 1933.
  • BARBOSA, R. Reforma do ensino secundário e superior, 1882 Rio de Janeiro: MES, 1942.
  • BONORINO, L. L. Fernando de Azevedo e a educação física. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 2, n. 6, p. 5, mar. 1933.
  • BRASIL. Decreto nş 19.404, de 14 de novembro de 1930. Dispõe sobre a promoção escolar nos institutos de ensino subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 15 nov. 1930. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19404-14-novembro-1930-513509-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 19/8/2013.
  • ______. Decreto nş 19.890, de 18 de abril de 1931. Lei Francisco Campos. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Diário Official, Rio de Janeiro, 1931. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19890-18-abril-1931-504631-norma-pe.html>. Acesso em: 19/8/2013.
  • ______. Decreto nş 23.252, de 19 de outubro de 1933. Aprova o Regulamento da Escola de Educação Física do Exército. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 23 out. 1933. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-23252-19-outubro-1933-558974-publicacaooriginal-80706-pe.html>. Acesso em: 19/8/2013.
  • ______. Decreto nş 9.890, de 7 de julho de 1942. Concede autorização para funcionamento da Escola de Educação Física e Desportos do Paraná, com sede em Curitiba. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 1943. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-9890-7-julho-1942-466517-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 19/8/2013.
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  • 1
    A exemplo, ver: Xavier e Marques (2006); Lima (2006); Funari (2005); Fiscarelli (2006).
  • 2
    Não tivemos acesso a outros números.
  • 3
    Para uma melhor compreensão sobre esse assunto consultar: Schwarcz (1995) e Marques (1994).
  • 4
    Ver nesse sentido o trabalho de Schneider e Neto (2006).
  • 5
    O termo "
    raça" é introduzido na literatura mais especializada no início do século XIX, por George Cuvier, inaugurando a ideia da existência de heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos. Ver nesse sentido Schwarcz (1995).
  • 6
    Ver nesse sentido o trabalho de Schneider e Neto (2006). Neste trabalho os autores referem sobre esse ideário na Europa e Estados Unidos. Sobre essa temática ver, também, o minucioso estudo de Marques (1994). Por meio deste estudo é possível compreender que as ideias eugênicas não datam dos anos trinta do século XX, mas estão em voga desde o século XIX.
  • 7
    Utilizaremos para estudo somente textos e imagens de números dos anos de 1932 e 1933, lavando em conta a gama de conteúdos que pode ser estudada do total dos 49 exemplares da revista.
  • 8
    Ver também nesse sentido os estudos de Horta (1994).
  • 9
    Não sabemos ainda se o ano de 1939 foi o último no qual essa revista foi editada.
  • 10
    Centro Militar de Educação Física.
  • 11
    Matéria escrita sob o título de
    Educação Física Feminina: rápido esboço sobre processos educacionais, pelo Dr. Plínio Olinto, chefe do Serviço de Profilaxia Mental do Hospital Nacional do Rio de Janeiro.
  • 12
    Sra. Naruna A. Sutherland, possui um Studio na vivenda Bolívar n. 105, em Copacabana. Considerada pioneira da Educação Física Feminina no Rio de Janeiro, segundo a revista. Formada Normalista em Belém do Pará, onde já lecionava a disciplina de cultura física (1917). Fixou residência no Rio de Janeiro em 1921, já tendo ido à Inglaterra em 1920, onde teve aulas de dança clássica com Anna Pavlowa. Segundo ela, Coelho Netto a introduziu na sociedade carioca, com apresentação de alunas do
    British American School, primeiro estabelecimento de ensino no Brasil que inclui em seu curso feminino aulas de dança e ginástica ritmada. Fez também curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos. Além dela, Sylvia Accioly é referida também nesse número. Pertencente à elite carioca e de formação alemã em Educação Física, fundou no início dos anos de 1930 o Instituto Feminino de Cultura Artística. Com essas duas primeiras professoras, a matéria apresentada pela revista é feita com base em uma entrevista, assim como com Helga Michaelsen que cursou Educação Física no Instituto Feminino de Cultura Física de Porto Alegre, criou e dirigiu o Instituto Feminino de Cultura Física, com sede na sociedade sul-rio-grandense.
  • 13
    A revista, nas matérias longas sobre a Educação Física Infantil, traz orientações de fichas nas quais deveriam ser registrados dados biométricos sobre as crianças. Por essa perspectiva é possível demonstrar um modo de idealizar a infância brasileira desde o final do século XIX até os meados do XX. Estudos sobre essa questão têm sido feitos na História da Educação. Consultar a esse respeito Carvalho (1997).
  • 14
    Cf. Grunennvaldt (2006, p. 8, grifos do autor). Segundo esse autor, a essa escola, para a difusão da Educação Física: "a). formará instrutores e monitores de Educação Física, mestres de armas e monitores de esgrima; b). proporcionará aos médicos, especialização em educação Física.; c). Formará massagistas desportivos; d). fornecerá aos oficiais em geral os conhecimentos indispensáveis à direção da Educação Física e da esgrima; e). formará,
    eventualmente, para fins não militares,
    instrutores e monitores de educação física, recrutados no meio civil; f). incrementará a prática da educação física e dos desportos; g). estudará as adaptações a serem introduzidas no método, submetendo-as a apreciação do Estado Maior do Exército; h). manterá correspondência com os institutos congêneres nacionais e estrangeiros."
  • 15
    Na matéria destinada à Educação Física no Espírito Santo há apenas as siglas do nome de quem produziu a matéria.
  • 16
    Cf. Barbosa (1942).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Dez 2012
    • Aceito
      20 Ago 2013
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