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Uma introdução ao Ensino da Filosofia

RESENHA

OBIOLS, Guillermo. Uma introdução ao Ensino da Filosofia. Ijuí, Rio Grande do Sul: Unijuí, 2002

Luciana da Silva Teixeira

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora de Filosofia no Ensino Médio e Superior. Pesquisadora nas áreas de Filosofia e Educação pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia (NESEF) da UFPR. E-mail: lucianafilo@yahoo.com.br

A obra em questão enfatiza o ensino da História da Filosofia, a maneira como repercute no âmbito acadêmico e como os profissionais da área trabalham com ela. A saber:

Em qualquer circunstância que nos encontremos, se há um processo de ensino de filosofia, este deve apontar para facilitar que se produza uma aprendizagem filosófica, e os clássicos estabeleceram firmemente que esta aprendizagem é uma aprendizagem inseparável de um conteúdo e uma forma, que se trata de aprender filosofia e de aprender a filosofar e que apenas se aprende a filosofar estudando filosoficamente a filosofia efetivamente existente (OBIOLS, 2002, p. 104).

Sendo que o já pensado deve apenas representar uma fonte, um problema que conduza a novas problematizações e, consequentemente, às soluções. Nada mais significativo que propor para a atividade em Filosofia aquilo que se apresenta como uma exigência propriamente filosófica: produzir acontecimentos. Neste sentido, assumir o território da atividade filosófica enquanto criação de conceitos possibilita dimensões além do dado.

O primeiro capítulo é mais histórico e o autor situa o Ensino da Filosofia na América Latina no Ensino Médio e na Universidade.

A história dos estudos de Filosofia na Argentina remonta ao período colonial, onde esta compõe a base dos chamados Ensinos Superiores, destinados à formação dos quadros dirigentes da sociedade colonial, sob a influência da Igreja Católica e de sua orientação tradicional no campo da Educação, que se fundamentava em Tomás de Aquino e em Aristóteles, característica esta comum aos países latino-americanos. Segundo Obiols, a partir de 1810, isso tende a sofrer algumas alterações devido à influência de ideias trazidas da Europa, impregnadas da Filosofia da Ilustração, principalmente de origem francesa: Rousseau, Voltaire, Montesquieu etc. Nessa fase, ocorre um predomínio do romanticismo e do historicismo. A geração de 1880 é fortemente positivista. No século XX, as ideias filosóficas na Argentina continuam sob forte influência europeia e adquirem uma conotação prática e política voltada para a realidade nacional e latino-americana.

Como matéria de ensino no nível secundário, a Filosofia na escola Argentina passa por duas crises, segundo Obiols: a primeira se refere à sua situação em uma sociedade tecnocientífica, enquanto a segunda é a da escola em si, instituição que padece de uma prolongada crise (não só na Argentina).

Do ponto de vista dos objetivos, dos conteúdos e da metodologia, a disciplina Filosofia foi marcada por um início centrado na concepção tradicional, a qual se baseava no domínio de certos conteúdos e conceitos filosóficos clássicos e, na atualidade, pauta-se pela busca de caminhos renovadores, baseada no "ensinar a pensar" por meio do estudo de temas filosóficos. No entanto, não obstante algumas conquistas, tais inovações têm levado, não raro, a aula de Filosofia transformar-se "em uma conversa de botequim, em que cada um dá sua opinião a partir de seu leal saber e entender".

Em outras palavras, enquanto o método tradicional caracteriza-se pela assimilação e compreensão de conteúdos conceituais baseadas na exposição do professor e a tomada de notas pelo aluno, enquanto a avaliação é realizada por meio de provas escritas para medir a compreensão dos conceitos, o novo modelo preconiza o "ensinar a pensar" por meio do diálogo espontâneo de alguma situação problemática.

Todavia, hoje entendemos que é preciso considerar essas duas faces como fundamentais no ensino de Filosofia: a informativa e a formativa. A informativa considera que o aluno deve conseguir compreender conceitos, problemas e teorias, desenvolvimentos históricos que sejam significativos; a formativa visa desenvolver capacidades, habilidades compreendidas como "pensamento crítico". Trata-se de um único e mesmo processo no qual tais elementos devem estar presentes de forma conjugada.

O segundo capítulo apresenta um diálogo com alguns filósofos da história e questões envoltas à ideia de ensinar e aprender Filosofia. Exemplo, Kant e Hegel acerca da aprendizagem filosófica, ou Abelardo, Schopenhauer e Gilson a respeito do ensino de Filosofia como um "mal menor" ou como uma ruptura do dualismo ensinar Filosofia/filosofar.

Como diz Obiols (2002, p. 66), referindo-se ao caso argentino, há uma "deterioração da escola secundária clássica" e, consequentemente, o ensino tradicional de Filosofia acaba entrando em crise. Até os anos sessenta, dentro de um modelo clássico de ensino médio, a Filosofia compunha "naturalmente" a lista de disciplinas integrantes do currículo escolar. Era ensinada como uma disciplina autônoma no ensino médio ou no magistério a jovens de setores médios ou altos, próximos a finalizar a escola secundária, com o propósito de completar uma cultura geral que serviria para a universidade, para postos administrativos médios ou altos, ou para trabalhar como professores, ou melhor, professoras.

Neste modelo, o ato de ensinar e/ou aprender Filosofia assumia importância por representar o coroamento de uma formação em cultura geral a que se propunha a escola como um todo. Os jovens que cursavam o ensino secundário, que, na sua grande maioria, eram pertencentes à elite econômica, tinham como finalidade continuar seus estudos na universidade. Neste contexto, o saber filosófico não se apresentava como completamente desconhecido e desnecessário, pois compunha um capítulo importante da cultura geral cultivada nos setores "bem educados" da sociedade.

Vale lembrar que é clássico citar Kant quando se pretende defender que não é possível ensinar a Filosofia, mas sim a filosofar. Para Kant, a filosofia é um saber que está sempre incompleto, pois está sempre em movimento, sempre aberto, sempre sendo feito e se revendo e por isso não pode ser capturado e ensinado: "[...] nunca se realizou uma obra filosófica que fosse duradoura em todas as suas partes. Por isso não se pode em absoluto aprender filosofia, porque ela ainda não existe" (Kant, 1983, p. 407).

O ato de filosofar, por sua vez, seria composto de passos conscientes na análise e crítica dos sistemas filosóficos, exercitando o talento da razão, investigando seus princípios em tentativas filosóficas já existentes. O autor estaria afirmando a autonomia da razão pura, na interpretação corrente de suas colocações. Lemos em Kant, na conhecida Crítica da razão pura: "Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a seguir seus princípios universais em certas tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito de investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os". Pensamos que não podemos dizer que para Kant é possível separar o filosofar da Filosofia já que o proposto exercício da razão deve ser feito sobre os sistemas filosóficos:

[...] aprender a filosofar só pode ser feito estabelecendo um diálogo crítico com a filosofia. Do que resulta que se aprende a filosofar aprendendo filosofia de um modo crítico, quer dizer, que o desenvolvimento dos talentos filosóficos de cada um se realiza pondo-os à prova na atividade de compreender e criticar com a maior seriedade a filosofia do passado ou do presente. (OBIOLS, 2002, p. 77).

Kant não é um formalista que preconiza que se deve aprender um método no vazio ou uma forma sem conteúdo; tampouco se segue que Kant tivesse avalizado a ideia de que é necessário lançar-se a filosofar sem mais nem muito menos a ideia de que os estudantes deveriam ser impulsionados a "pensar por si mesmos", sem necessidade de se esforçar na compreensão crítica da filosofia, de seus conceitos, de seus problemas, de suas teorias etc. (OBIOLS, 2002, p. 77).

Aquela interpretação de que Kant estaria afirmando "a autonomia da razão filosofante" se contrapõe geralmente ao exemplo de Hegel ao afirmar que, quando se conhece o conteúdo da Filosofia, não apenas se está aprendendo a filosofar, mas que já se está filosofando propriamente. Daí que para ele não é possível ensinar Filosofia sem ensinar a filosofar, assim como não é possível ensinar a filosofar sem ensinar Filosofia.

Em outras palavras, acrescento que o problema é que essa polêmica (presente na obra de Obiols) entre o "ensinar Filosofia" versus "aprender a filosofar" está posta sobre uma base equivocada, como se tratasse de coisas inconciliáveis, como se tivesse que escolher apenas entre o "ensinar Filosofia", no sentido de ensinar conteúdos filosóficos fossilizados, ultrapassados, e o ensinar mecanicamente a História da Filosofia, em contraposição ao "aprender a filosofar" como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e metodológicas visando ao aprender a pensar por conta própria. Como se não pudesse aprender a pensar de modo autônomo por meio da aquisição de conteúdo e, por outro lado, como se fosse possível aprender a pensar filosoficamente no vazio, sem conteúdo. O mais adequado, neste caso, parece ser trabalhar de modo integrado essas duas perspectivas, a do aprender a filosofar por intermédio do conhecimento crítico da Filosofia, como ponto de partida para favorecer a promoção de uma educação genuinamente filosófica no nível básico de ensino.

Isto é importante também e sobretudo levando-se em conta o público-alvo desse ensino na educação escolar, que são os adolescentes e jovens estudantes do ensino médio, em especial aqueles das escolas públicas e das escolas técnicas que visam mais diretamente à formação do aluno trabalhador, da classe que vive do trabalho, de onde se pode perguntar: qual a contribuição que a Filosofia pode proporcionar às suas vidas, à sua formação e instrução?

O terceiro capítulo propõe o que se pode chamar de "modelo geral formal para o Ensino da Filosofia". Entretanto, não se trata de uma proposta didática específica ou um modelo para se ensinar a Filosofia. Na verdade, a intenção é situar alguns elementos em que se baseiam distintos métodos para ensinar Filosofia, firmando-se em diversas concepções da Filosofia em diferentes níveis de ensino.

Há uma controvérsia com relação ao "modelo" proposto para o ensino da Filosofia, pois ele se baseia justamente no fato de haver um não comprometimento com qualquer postura filosófica específica e na aceitação de três ideias ou teorias pedagógicas, a saber:

1. a teoria dos conteúdos de C. Coll, que versa sobre a ideia de que aprender Filosofia requer aprender a filosofar, ou seja, os conteúdos conceituais e ao mesmo tempo aprender o filosofar, isto é, os conteúdos procedimentais e atitudinais;

2. a teoria do construtivismo, que enaltece o aprender Filosofia como um processo integral de construção e reconstrução de ideias que podem se basear na chamada pedagogia ativa,

3. a teoria sobre uma concepção crítico-filosófica do papel do professor, que enfatiza o fato de o professor de Filosofia não ser um técnico, mas um pesquisador e um produtor do saber na sua disciplina, em outras palavras, um filósofo.

A intenção clara de Obiols é apresentar um modelo que concentra sua maneira de entender o Ensino da Filosofia. O que significa situar o Ensino da Filosofia na própria terra da Filosofia como uma questão estritamente filosófica.

No final da obra, em Epílogo e questões pendentes o autor elucida algumas questões de sentido ou fundamento em relação ao ensino da Filosofia no nível secundário. Faz-se referência ao ensino de Filosofia com a necessidade de estabelecer conexões interdisciplinares com outras disciplinas do currículo. Exemplos: com os estudos de língua (pela Filosofia da Linguagem), com a matemática (pela Lógica Formal), com a área de ciências naturais ou ciências sociais (pela Epistemologia), com a área de expressão plástica e musical (pela Estética), com a formação ética e cidadã (pela Ética e pela Filosofia Política), entre outras. Há ênfase à ideia: "A Filosofia é a própria interdisciplinaridade" (2002, p. 136). Em outras palavras, a Filosofia supõe uma relação com outros saberes e práticas e pensar as conexões e projetar experiências interdisciplinares ficam nesta obra como uma tarefa pendente.

A questão que nos faz pensar incessantemente (já mencionadas no capítulo II do livro) é que não encontramos justificativa para aquele ensino de Filosofia que pretende desenvolver habilidades de pensamento que são próprias do filosofar, mas que dispensam o "conteúdo" da Filosofia, não se preocupando em usar textos propriamente filosóficos e/ou nem mesmo delimitando problemas filosóficos, não situando seu ensino dentro da História da Filosofia. Que filosofar seria esse? Como garantir que estamos produzindo Filosofia se a desmembramos para ficar apenas com uma parte? Ou não é verdade que o ensino de Filosofia deve ser produção de Filosofia?

Outro fator de extrema relevância (apesar de "justificado" no prefácio e no prólogo) é a ausência minuciosa das ideias e teorias pedagógicas brevemente apresentadas no capítulo terceiro da obra. Os encaminhamentos metodológicos necessários na aula de Filosofia não como "receitas prontas", mas como apresentação de discussões que possam gerir o cerne da prática filosófica para o ensino de Filosofia. Ressalto, ainda, a falta da menção aos conteúdos a serem ministrados nas aulas de Filosofia para o Ensino Médio, o que, minimamente - segundo o aparato conceitual exposto na obra -, deveria constar na matriz curricular de Filosofia. Sem deixar de lado a pergunta: quem são os sujeitos do conhecimento nesta construção filosófica? O que ensinar e como fazê-lo de tal forma que contribua para a sua formação ampla, isto é, como alunos e cidadãos.

Texto recebido em 03 de fevereiro de 2012.

Texto aprovado em 05 de junho de 2012.

  • OBIOLS, Guillermo. Uma introdução ao Ensino da Filosofia Rio Grande do Sul: Unijuí, 2002.
  • KANT, Immanuel. Crítica da razão pura São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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