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Ação católica: o papel da imprensa no processo de organização do projeto formativo da igreja católica no Paraná (1926-1939)

Catholic action: the role of the press in the process of organization in the formative project of the catholic church in Parana (1926-1939)

Resumos

Este artigo analisa o processo de constituição da imprensa católica dirigida pelo laicato católico, bem como o papel educativo atribuído aos periódicos católicos. Nesta tarefa interpretativa, aborda os debates da elite intelectual católica leiga em torno da temática educativa à luz do contexto histórico paranaense, do período de estudo que está circunscrito entre 1926 e 1939, discutindo as suas interlocuções com as vertentes teóricas e filosóficas em geral, bem como as suas ideias e intervenções culturais. Discorre sobre as contribuições do laicato católico ao projeto romanizador da Igreja Católica e enfatiza que um dos papéis desse grupo foi criar uma série de periódicos na capital paranaense, sem esquecer o contexto político-cultural do Brasil e da Europa como pano de fundo de criação desses grupos. Apoia-se nas produções publicadas no Alvor; na revista A Cruzada; no Cruzeiro; no Luzeiro, os quais nos possibilitaram afirmar que o laicato católico estabeleceu a imprensa onde congregaram lideranças intelectuais e políticas do estado e da capital que se colocaram a serviço do projeto romanizador da Igreja Católica.

Intelectuais; imprensa; igreja católica; educação


This article analyzes the process of constitution of the catholic journalism directed by the catholic layman, as well as the educative role attributed to catholic periodicals. In this interpretative task it approaches the discussion of the intellectual catholic layman elite on education related the paranaense historical context, 1926 and 1939, arguing its interlocutions with the theoretical and philosophical thoughts in general , as well as its ideas and cultural interventions. This article also talks about the contribution of catholic layman to the Romanizing project of Catholic Church and emphasizes that one of this group's role was to create a series of periodicals in the paranaense capital, without forgetting the political and cultural context from Brazil and Europe as a background for these groups. It is based in the productions published in the Alvor; in The Cruzada magazine; in the Cruzeiro; in the Luzeiro, which allow us to affirm that the catholic layman have established the journalism where the main intellectual and political leads of the state and capital put themselves serving the Romanizing project of the Catholic Church.

Intellectuals; press; catholic church; education


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Ação católica: o papel da imprensa no processo de organização do projeto formativo da igreja católica no Paraná (1926-1939)

Catholic action: the role of the press in the process of organization in the formative project of the catholic church in Parana (1926-1939)

Névio de Campos

Doutor em História da Educação. Professor no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil. Email: nmestrado@ig.com.br

RESUMO

Este artigo analisa o processo de constituição da imprensa católica dirigida pelo laicato católico, bem como o papel educativo atribuído aos periódicos católicos. Nesta tarefa interpretativa, aborda os debates da elite intelectual católica leiga em torno da temática educativa à luz do contexto histórico paranaense, do período de estudo que está circunscrito entre 1926 e 1939, discutindo as suas interlocuções com as vertentes teóricas e filosóficas em geral, bem como as suas ideias e intervenções culturais. Discorre sobre as contribuições do laicato católico ao projeto romanizador da Igreja Católica e enfatiza que um dos papéis desse grupo foi criar uma série de periódicos na capital paranaense, sem esquecer o contexto político-cultural do Brasil e da Europa como pano de fundo de criação desses grupos. Apoia-se nas produções publicadas no Alvor; na revista A Cruzada; no Cruzeiro; no Luzeiro, os quais nos possibilitaram afirmar que o laicato católico estabeleceu a imprensa onde congregaram lideranças intelectuais e políticas do estado e da capital que se colocaram a serviço do projeto romanizador da Igreja Católica.

Palavras-chave: Intelectuais; imprensa; igreja católica; educação.

ABSTRACT

This article analyzes the process of constitution of the catholic journalism directed by the catholic layman, as well as the educative role attributed to catholic periodicals. In this interpretative task it approaches the discussion of the intellectual catholic layman elite on education related the paranaense historical context, 1926 and 1939, arguing its interlocutions with the theoretical and philosophical thoughts in general , as well as its ideas and cultural interventions. This article also talks about the contribution of catholic layman to the Romanizing project of Catholic Church and emphasizes that one of this group's role was to create a series of periodicals in the paranaense capital, without forgetting the political and cultural context from Brazil and Europe as a background for these groups. It is based in the productions published in the Alvor; in The Cruzada magazine; in the Cruzeiro; in the Luzeiro, which allow us to affirm that the catholic layman have established the journalism where the main intellectual and political leads of the state and capital put themselves serving the Romanizing project of the Catholic Church.

Keywords: Intellectuals; press; catholic church; education.

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar a trajetória, os debates e os projetos dos intelectuais católicos leigos em torno da temática educacional à luz do contexto histórico paranaense, do período de estudo que está circunscrito entre 1926 e 1939, privilegiando a sua ação na imprensa católica.

O conceito de intelectual em Gramsci mostra-se fecundo para essa análise na medida em que privilegiamos as funções desse grupo, suas iniciativas no campo político, na direção de projetos educacionais e menos a sua formação e a sua obra literária. Segundo o filósofo italiano, "o modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, 'persuasor permanente'" (GRAMSCI, 2001, p. 53, grifo nosso).

A experiência formativa é mediada pela intervenção daqueles que assumem as funções de organizadores dos projetos culturais. Essa função mediadora é incumbência dos intelectuais que, para Gramsci, são aqueles que participam das práticas sociais, sintetizam, sistematizam as ideias de um grupo social e propõem projetos de ação. Esse conceito estimula um outro olhar para a própria sociedade, para os homens e suas produções. É com base nesse conceito que pretendemos analisar as intervenções desses intelectuais que foram organizadores da vida prática, fundando revistas e jornais, enfim, liderando movimentos culturais que visavam intervir diretamente sobre o modo de vida e sobre os processos de formação das novas gerações. Nesse sentido, o papel desse grupo paranaense foi de sintetizar, sistematizar as ideias dos grupos sociais, participar das atividades culturais e propor os projetos educativos, bem como mobilizar os indivíduos a agirem em defesa do projeto formativo católico no Paraná.

O processo de constituição do laicato católico no Paraná

No Paraná, o projeto de romanização do catolicismo foi iniciado de maneira decisiva a partir de 1892, com a criação da diocese de Curitiba. Até então, o Paraná estava vinculado à diocese de São Paulo. Os primeiros vinte anos do século XX consistiram na estruturação do clero católico de acordo com a doutrina oficial que preconizava a sua disciplinarização. A partir da década de 1920 iniciou em nível nacional, bem como no Paraná, o processo de constituição do laicato católico. O que se constituiu nesse estado foi resultado de uma estratégia pensada pela hierarquia de Roma. Por isso, antes de discutir o processo de constituição do laicato católico paranaense, passamos a apresentar como esse projeto se explicitou nos documentos de Roma (encíclicas) e nas intervenções do Episcopado Brasileiro.

A Igreja Católica esboçou um programa de reação a partir do século XIX a alguns elementos da sociedade moderna, como por exemplo, ao laicismo, ao positivismo, ao liberalismo. No Brasil, o processo de reação católica começou a se configurar no final do século XIX e no início do século XX. De acordo com Maria Junqueira Gaeta, a Igreja Católica no Brasil vinha sofrendo modificações, a partir da metade do século XIX. Para a autora, "o catolicismo vigente datado do século XVIII que, permeado pela ilustração de Coimbra, se caracterizava pelo repúdio ao método jesuítico, pelo enfraquecimento da escolástica e pela grande valorização das ciências em detrimento da filosofia e da teologia" (GAETA, 1991, p. 41).

A Ação Católica da Igreja no Paraná começou a se definir a partir dos anos de 1920, quando o clero e laicato católico organizaram várias instituições de divulgação e de estudo da doutrina católica. Até então, a Igreja Católica tratou de criar um clero combatente e militante conforme determinava a orientação do projeto de romanização. A organização do laicato começou a se definir a partir de 1926 com a criação da imprensa católica dirigida pelos leigos. Nesses ambientes de debate cultural e de formação moral e intelectual foram formalizados os planos de ação desse grupo no Paraná, ou seja, na imprensa, o grupo católico expressava a retórica militante com o objetivo de divulgar a doutrina católica.

Imprensa católica: farol irradiador de luz e santuário das consciências dos paranaenses

O grupo católico paranaense acreditava que a sociedade brasileira estava passando por uma séria crise moral. O mal que contribuiu para isso foi o desprezo pela religião católica, ou na expressão particular dos católicos, o afastamento de Deus. Em termos específicos, o grupo ressaltava dois males: a ignorância do povo e a separação entre a nação e o governo. Essa forma de leitura da realidade estava presente nos documentos do episcopado brasileiro, bem como nos escritos da Revista A Ordem e nos debates estabelecidos no Centro Dom Vital. De acordo com Romualdo Dias, "os bispos não aceitavam que uma nação 'profundamente católica' fosse governada por homens identificados como ateus pela hierarquia" (DIAS, 1993, p. 74). Esse foi um dos argumentos utilizado pelo laicato católico no Paraná para defender o retorno do ensino religioso nas escolas públicas.

Dias observa que o episcopado brasileiro organizou sua reação contra o laicismo em dois campos:

A "ação pela base" que, no combate ao primeiro mal, cuidava da formação do sentimento popular, cultivando a crença e o patriotismo. E a "ação pelo alto", responsável pelo combate ao segundo mal, formando as elites intelectuais e os homens de governo, aqueles que, pela capacidade de compreender algumas doutrinas e assumir alguns ideais, poderiam dirigir as massas (DIAS, 1993, p. 74).

O grupo que pesquisamos privilegiou a ação na imprensa que não se tratava da formação dos futuros dirigentes políticos, nem se destinava às massas, pois naquele contexto o índice de analfabetismo era muito alto entre a população. No nosso entendimento, a intervenção na imprensa visava a um público culto, intermediário, capaz de divulgar entre os não leitores as ideias escritas nos periódicos católicos. Nessa atividade, o grupo católico se apropriou de alguns elementos da doutrina elaborada pelo conservadorismo europeu, entre os quais, Deus e Pátria. O laicato católico estabeleceu a imprensa como principal veículo para propagar àquele público a doutrina da Igreja. O grupo católico, embora transitasse em diversas instituições, criou ambientes com funções distintas. Uma parte dos intelectuais que dirigia os periódicos católicos participava do Círculo de Estudos Bandeirantes1 1 O Círculo de Estudos Bandeirantes foi criado em 1929 pelo clero e pelo laicato católico. Essa instituição não carregava consigo a missão de divulgar a doutrina católica entre um público exotérico, mas se constituiu com a preocupação de formar grupos de intelectuais comprometidos com os estudos e as discussões da filosofia católica, bem como com a preparação de homens para a política. .

O grupo católico se apropriou de elementos do conservadorismo para organizar as suas intervenções na imprensa católica. A doutrina conservadora foi elaborada no século XIX, na Europa, por De Bonald, Joseph De Maistre, Jaime Balmes e Donozo Cortes. O grupo católico se expressava como defensor do conservadorismo na medida em que se opunha ao desejo de mudança. Em vez da mudança recorreu à tradição e retomou alguns elementos do passado como padrão e modelo para o presente. Nesses termos, o laicato católico recusava a mudança proposta pelo laicismo e defendia que a tradição católica no Brasil era a garantia para a manutenção dos seus valores na sociedade brasileira do século XX. A Igreja expressava que a noção de Pátria é a que poderia impedir a desagregação da sociedade. Ela se apropria desse elemento com o objetivo de criar o sentimento de patriotismo para se manter presente na sociedade brasileira. Portanto, quando a Igreja Católica afirmava que era preciso lutar em defesa da Pátria estava afirmando que sem sua contribuição não se constituiria a nação brasileira.

O laicato católico paranaense reagiu ao laicismo e estabeleceu a imprensa católica como mecanismo de propagação dos valores da Igreja Católica. Nesse sentido, a primeira preocupação desse grupo foi explicitar aos leitores paranaenses que o fundamento da imprensa católica estava nos documentos papais. Desse modo, a iniciativa de criar a imprensa católica seguia as diretrizes dos documentos oficiais dos papas. O jornal O Luzeiro2 2 O Luzeiro – órgão da Confederação das Associações Católicas de Curitiba; periódico mensal, portanto quando aparecem dia, mês e ano os citaremos, senão faremos referência usando mês e ano. evidencia essa afirmação ao fazer referência às diretrizes da encíclica Nobilissima Gallorum Gens de Leão XIII que determinava: "é preciso que os leigos de elite, que amam a Igreja, nossa Mãe comum, e por suas palavras e seus escritores possam sustentar utilmente os direitos da religião católica, multipliquem seus trabalhos em defesa da religião" (O LUZEIRO, dez. 1936, p. 1).

Conforme Dias, a Igreja Católica acreditava que:

A imprensa católica deveria contribuir com a restauração social efetivando as seguintes tarefas: divulgar a doutrina social da Igreja, informar sobre as atividades dos inimigos e sobre os meios de combate já experimentados nas diversas regiões, propor sugestões e alertar contra os comunistas (DIAS, 1993, p. 109).

Em artigo intitulado A missão da imprensa católica no atual momento, a revista A Cruzada3 3 A Cruzada iniciou o seu percurso como Revista Mensal da Mocidade Católica Paranaense. A partir de 1930 ela passou a ter circulação semanal. A referência à revista A Cruzada será feita citando mês e ano. fez menção ao pronunciamento do Papa Pio XI dirigido aos jornalistas católicos do Congresso de Roma:

O discurso de Pio XI é uma espécie do novo programa para o jornalismo católico, tão profundos, tão atuais e tão claros são os ensinamentos, as orientações, os princípios e as normas de ação que dele fluem. O programa do congresso era o de se concentrarem na ação mais oportuna e eficiente das comuns diretivas, em ordem a colocarem a Imprensa Católica em posição de corresponder às exigências do momento, e concorrerem, não para o puro gozo, mas também (o Santo Padre acentuava-o) para a fecundação espiritual desta hora histórica, tão importante que fecha o passado e abre o futuro; para tudo aquilo que é humanamente lícito pensar, esperar e prever, depois dos acontecimentos que encheram o mundo inteiro de alegria. Temos de olhar para o futuro: estamos numa hora fatídica ou fatal – se se quer falar assim – porque ela comporta fatos novos, desígnios daquela Providência que nunca opera em vão (A CRUZADA, set. 1929, p. 189-190).

A revista citou também a mensagem de Pio XI que estabelecia a seguinte determinação: "o laicato católico deve unir-se à hierarquia católica como esta se une ao chefe, o Papa; é preciso que todos procuremos entender o sentido divino do atual momento histórico" (A CRUZADA, set. 1929, p. 190, grifo do autor). No mesmo artigo, o referido periódico sustentava que a Ação Católica era dever:

Do próprio Sumo Pontífice, pois a Ele que Deus disse: "Due in altum", foi a Ele que no mistério da sua infinita bondade, confiou a responsabilidade maior. Mas, depois do Papa e em união com Ele, será essa obra da hierarquia, como o foi dos Apóstolos e dos seus sucessores no Episcopado desde o princípio, e abaixo do episcopado, em dependência e obediência plena, será a obra também dos sacerdotes. A esta obra hierárquica todos devem juntar-se, incluindo o laicato católico (A CRUZADA, set. 1929, p. 190).

Para o Papa, prosseguia a revista, a "Ação Católica é vida católica pura: têm diretivas e princípios; a imprensa católica tem perante ela um grande dever a cumprir" (A CRUZADA, set. 1929, p. 190, grifo do autor). A autoridade máxima da Igreja Católica asseverava que colocar a "imprensa católica à margem da Ação Católica que obedece à Hierarquia, não faz sentido. O Papa é agradecido a quem não só auxilia mas se identifica com a Ação Católica" (A CRUZADA, set. 1929, p. 191, grifo do autor). Nesse aspecto, o grupo dessa revista sustentava que:

Assim como a Ação Católica não pode deixar de ver na Imprensa Católica a grande luz e a grande voz de que precisa, assim também os jornalistas devem fazer tudo quanto neles caiba para auxiliá-la e secundar os seus planos e atividades; é dessa coadjuvação e trabalho simultâneo, dessa cooperação que resultará a necessária coordenação do programa da Ação Católica (A CRUZADA, set. 1929, p. 191).

No entendimento do Papa, indicava A Cruzada, "o Apostolado da Imprensa Católica, se é difícil e sacrificado, tem a compensá-lo a certeza de um grande bem espalhado pelas almas. São operosos e beneméritos missionários, os jornalistas católicos" (A CRUZADA, set. 1929, p. 191, grifo do autor). O grupo católico reiterava a afirmação do pontífice ao encetar que:

Para os seus trabalhos, fadigas e sacrifícios tinham a compensação de saber que tudo quanto eles fazem, ficará. Passa a vida, passam os homens, mas fica a verdade, fica o Reino de Cristo, fica a Igreja, ficam as almas destinadas à eternidade e uma tal visão deve ser de grande conforto para os jornalistas católicos (A CRUZADA, set. 1929, p. 191).

A Ação Católica foi indicada por Pio XI como a grande obra de reação ao laicismo e disseminação dos princípios do catolicismo. A imprensa católica cumpria uma tarefa importante nesse processo de propagação dos valores católicos entre os leitores. A revista A Cruzada trazia em sua página ilustrativa a mensagem de D. José de Camargo Barros, primeiro Bispo de Curitiba: "a imprensa católica é o farol erguido no meio das nações, donde a Religião difunde jorros luz que vão inundar o seio da família cristã e o santuário das consciências e provocar destas, mais amor e mais dedicação" (A CRUZADA, mar. 1928).

No Paraná, entre 1926 e 1939, a elite intelectual católica leiga esteve dirigindo um ou mais periódicos, o que indica que se mostrava bem organizada, pois, apareceu uma série de jornais e revistas, como, por exemplo: A Cruzada, o Cruzeiro, O Luzeiro, o Alvor e a Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes. Esses intelectuais pensaram a imprensa como um significativo veículo de intervenção e propagação do ideário católico, ou melhor, um espaço propício para despertar entre os paranaenses o espírito de defesa da Igreja Católica.

Dessa forma, a segunda preocupação desse grupo foi esclarecer aos leitores a natureza da missão da imprensa católica, visando legitimar o papel dos jornalistas católicos no meio cultural paranaense. Nessa direção, no primeiro número da revista A Cruzada foi exposto o programa desse periódico paranaense ao afirmar que:

Quando vir a verdade insolentemente negada e a virtude cinicamente proscrita, não deixará esta revista de levantar sua voz para defender a ambas, alumiando e alentando. Somos um pequeno grupo de moços entusiastas e destemidos que professamos de viseira erguida aquela Religião que, além de ser universal, é dos brasileiros (A CRUZADA, mar. 1926, p. 1).

O objetivo dessa revista visava a defesa de Deus e da Pátria. Em nome de Deus e da Pátria, o grupo católico queria garantir espaços no cenário cultural paranaense à Igreja Católica. O ideário desses jovens estava em sintonia com a luta de intelectuais católicos de outros estados do Brasil, bem como com o que expressavam os documentos dos papas e do episcopado brasileiro. Tal ideal disputava com os projetos anticlericais a formação moral da juventude paranaense. Essa disputa se refletia nas trajetórias desses intelectuais quando atuavam como professores nos colégios da cidade e ao intervirem como escritores nos diversos periódicos curitibanos. Na imprensa católica, o grupo disseminava os valores católicos endereçados particularmente ao público culto curitibano. Nesses espaços não havia interesse em discutir profundamente as questões filosóficas do catolicismo.

Na revista A Cruzada, em carta aberta escrita por um leitor que se denominava "um amigo da desejada Cruzada" exprimia-se a expectativa criada em torno desse periódico ao afirmar que o Paraná precisava de

uma bela revista que leve aos lares católicos a boa semente, eis uma das ótimas formas de apostolado moderno, de propaganda engenhosa, inteligente e popular do pensamento, das ideias, da verdade. Seja "A Cruzada" a bem temperada arma de combate de jovens cavalheiros em cujas almas grandes e apostólicas ferva a paixão de defender e propagar a doutrina de Jesus Cristo (A CRUZADA, mar. 1926, p. 13).

Essas palavras evidenciam o objetivo da imprensa católica dirigida pelos leigos. A revista A Cruzada procurava combater os anticlericais e propagar as ideias católicas.

Em março de 1927, no primeiro aniversário do periódico, Rosário F. Mansur, redator dessa Revista, discutiu sobre o papel da imprensa ao dizer que ela

veio a ser o veículo do bem e do mal. Mais do mal que do bem - hão tanto abusado dessa sábia e vantajosa invenção - que fez ruir por terra tronos e dinastias - que desapiedadamente e revoltadamente ambicionou desnortear a Religião – que lançou em abismos gerações e gerações – arando vaidades, sulcando mentiras e semeando intrigas (A CRUZADA, mar. 1927, p. 6).

A partir de 1926, A Cruzada passou a ser a porta voz da intelectualidade católica que começava a dar os seus primeiros passos em direção à constituição de uma elite preocupada com o aprofundamento teórico das questões políticas, filosóficas, teológicas, científicas, literárias à luz da doutrina católica.

No início da década de 1930, foi criado o jornal Cruzeiro, sob a direção dos católicos que se denominavam "Legionários Paranaenses da Boa Imprensa". Esse veículo colocava-se, também, como protagonista da obra missionária da Igreja Católica, ao expor no editorial de seu primeiro número o seu ideal e o seu programa:

É a que compreende o papel e a verdadeira missão construtora do jornalismo são e orientado; é a que conhece a Cezar, conhecendo a Deus, para julgar e doar o tributo devido. É ainda o jornal e o livro que podem entrar livremente no recesso do lar honesto para instruir, corrigir, distrair e não macular consciências, nem envenenar espíritos ávidos de novos conhecimentos (CRUZEIRO, 15 set. 1931, p. 1)4 4 O periódico Cruzeiro será citado usando dia, mês e ano. .

Na passagem seguinte é possível compreender a expectativa que os legionários criaram em torno desse periódico:

Apareceu o Cruzeiro no meio jornalístico curitibano para representar o pensamento novo, concentrado em pujante núcleo de idealistas sonhadores de um Paraná maior pela sua inteligência, pela sua cultura e pelo seu valor como povo consciente de seus destinos e do papel que terá de representar na modelagem e construção da nossa Pátria a legar aos brasileiros do porvir (CRUZEIRO, 10 nov. 1931, p. 1).

Essas palavras expressam a perspectiva que eles puseram em torno desse periódico, cujo programa representava o esforço da intelectualidade católica paranaense que acreditava poder contribuir para o projeto de construção da Pátria catolicizada. Em outra passagem do mesmo artigo, o grupo católico se denominava portador de uma grande missão:

Somos um povo de grande futuro e de grandes destinos. E ao Paraná, cujo papel decisivo para a realidade da vitória da revolução nesse novo ideal, não dá margem à controvérsias, deve-se acrescentar a prova de sua capacidade como pioneiro desta outra mais brilhante conquista e vitória de uma nova e nascente mentalidade condutora dos altos destinos da Pátria comum (CRUZEIRO, 10 nov. 1931, p. 1).

Em meados dos anos de 1930, foi fundado o jornal Alvor5 5 Órgão da associação dos ex-alunos do Instituto Santa Maria, circulou nos anos de 1935 e 1936. O Alvor era um periódico mensal, portanto quando aparecerem dia, mês e ano os citaremos, caso contrário faremos referência usando mês e ano. que visava dirigir-se aos católicos que estavam à mercê das palavras dos anticlericais. O grupo que estava à frente desse jornal "apela aos moços, para que reajam contra essa onda de imoralidade" (ALVOR, 21 abr. 1935, p. 1). No mesmo artigo afirmava:

Nós, moços católicos – católicos não porque os nossos pais o são, mas por convicção – possuidores do ideal divino, que procuramos algo de mais superior aos prazeres da terra, saberemos reagir como devemos. Saberemos – com o espírito iluminado por Aquele que tudo sabe – constituir uma mocidade sadia e forte, mocidade, que por estar com a verdade, compreende o verdadeiro sentido da mocidade (ALVOR, 21 abr. 1935, p. 1).

Essas linhas indicam que os intelectuais acreditavam que seria necessário renovar o modo de pensar dos católicos paranaenses. Nessa tarefa, a elite intelectual paranaense deveria contribuir para a restauração dos valores católicos na sociedade brasileira. Os católicos leigos pensavam que:

O Paraná deve ganhar desde já, a consciência de sua alta cultura, como centro educativo de primeira grandeza, onde brilham ao lado de uma Universidade que honra o Brasil, institutos aprimorados de instrução, estabelecimentos humanitários que ilustram uma civilização, centros de letras e artes que fazem brilhar lá fora a mentalidade conterrânea (ALVOR, 21 abr. 1935, p. 1).

A construção da legitimidade do papel da imprensa católica perpassava pela associação da Igreja Católica à verdade e à tradição. Nesse aspecto, é relevante mencionar as razões que determinaram a denominação de A Cruzada ao primeiro periódico do laicato católico paranaense. Sobre tal aspecto considerou-se que:

Cruzada! Nome que lhe foi dado depois de muito meditado. Quando o ouvimos, sentimos reboar o imenso grito de fé e de coragem 'Deus o quer'. Confiando em Deus, os guerreiros medievais tudo deixavam e se reuniam ao redor de um chefe, intrépidos partiam para a luta, contentes de ir derramar o seu sangue pela defesa daquele que dera o seu pela salvação da humanidade (A CRUZADA, mar. 1928, p. 17).

Esse olhar ao passado demonstra que o laicato católico buscava, na tradição católica, elementos para consolidar sua ação na sociedade contemporânea. Ao fazer referência às cruzadas medievais e, particularmente ao seu slogan, o grupo católico visava estabelecer que o principal papel da imprensa era convocar os católicos leitores para se manterem fiéis à Igreja Católica e lutarem em sua defesa, principalmente divulgando sua doutrina entre os não leitores.

É interessante observar que o grupo indicava a tradição católica como modelo para o presente. Nesse sentido, sustentava que:

O passado não morre, sobretudo para nós, discípulos de Jesus, que vivemos dos seus ensinamentos. Na geração moderna renasce a história do que se foi. Assim chega-nos o eco "Deus o quer". A história nos diz que os cruzados a tudo renunciavam para se alistar nas fileiras sagradas. Porque não havemos de imitá-los? (A CRUZADA, mar. 1928, p. 17).

No editorial do periódico Cruzeiro, o grupo retratava a condição da sociedade brasileira sem o vínculo com a doutrina católica:

A sociedade brasileira está se desagregando. Ignoram ou fingem ignorar que a idéia de Pátria, que o amor à Pátria tem na Religião o seu mais vigoroso esteio. Só a comunhão de crenças é capaz de realizar o milagre. Di-lo a história de qualquer povo. Di-lo particularmente a nossa. Não fosse o catolicismo, o Brasil não seria hoje o grande bloco de continente que vai das Guianas ao Prata. Não fosse o catolicismo, este imenso território ter-se-ia fragmentado em três ou quatro grandes partes (CRUZEIRO, 25 out. 1931, p. 1).

Os termos patriotismo e fé se articulam para sustentar o projeto romanizador. Por meio do mito do patriotismo, a Igreja procurava estabelecer entre os leitores a premissa de que o bom cidadão é um bom cristão. Ela criou uma íntima relação entre cultura católica e pátria. Para consolidar a doutrina católica entre os fiéis fez-se uso dos dogmas religiosos, estabelecendo a crença pela fé.

Outro elemento utilizado pelo grupo católico para legitimar a imprensa católica foi o discurso que associava jornalismo católico à boa imprensa. Nesse debate, Rosário F. Mansur considerava fundamental estabelecer uma distinção entre boa imprensa e má imprensa. Nesses termos, asseverava que:

Uma grande parte de livros do presente, os impregnados de vício e imoralidade, são as modernas revistas na quase sua totalidade. Revistas que não vêm outra coisa senão o fazer o mal, escandalizando, viciando e corrompendo a humanidade e servindo de verdadeiro entrave aos ideais puros do bom livro e da boa revista. Agora se chegarmo-nos à imprensa e tocarmo-la com idéias sãs, doutrinas excelsas e com práticas cristãs, ela não pode dar que não escritos de apostolado puro e cristão. Não podemos de modo algum servir a ambos. Ou a um ou a outro. Claro está que nós nos devemos alistar ao lado dos nossos maiores na [...] luta contra a má imprensa, neste desvairado tempo de modernismo e modernice, de falta de senso comum e de contínuas orgias bacanais (A CRUZADA, mar. 1927, p. 6-7).

O grupo católico entendia que era um dever propagar a boa imprensa. Para ele, era a forma mais rápida de combater a má imprensa, isto é, aquela propagada pelos anticlericais. Em relação ao dever de divulgar a boa imprensa, a revista A Cruzada alertava que:

A boa leitura preserva dos múltiplos erros que envenenam as almas incautas, orna de conhecimentos a inteligência, fortalece a vontade para o bem, robustece a fé, alenta a esperança num prêmio eterno e inflama a caridade para com Deus e para com o próximo; mostra, em uma palavra, o verdadeiro caminho que se deve trilhar (A CRUZADA, fev. 1928).

Além disso, esse periódico conclamava para que todos os católicos se empenhassem nessa cruzada moderna, "principalmente os pais de família que ainda não descuram a educação e instrução de seus filhos, em assinar para o próprio lar e divulgar nas famílias de sua amizade a nossa revista" (A CRUZADA, fev. 1928).

Em março de 1929, no editorial, o grupo católico promoveu uma reflexão acerca do percurso realizado pela intelectualidade católica no Paraná no movimento de defesa da boa imprensa. Naquele espaço afirmava-se que:

Ela conheceu dias de grande entusiasmo e de desalento também. Nem todos os que deviam interessar-se a este surto de boas vontades deram sinal de solidariedade. Nem todos os que iniciaram conosco, com ânimo, o ressurgimento da ação católica no Paraná, sustentaram a carga que devia ser comum. Mas, o nosso ideal ainda existe. Há de vencer, porque é o do bem, da verdade (A CRUZADA, mar. 1929, p. 3).

Essa passagem retrata, por um lado, um momento de comemoração devido à existência desse periódico por três anos no cenário cultural paranaense. Por outro, demonstra que o grupo católico não estava tão homogêneo em torno do projeto que vinha sendo organizado desde 1926. Apesar disso, essa mocidade insistia na tarefa da imprensa católica que, além de divulgar os valores religiosos, deveria esclarecer ao leitor sobre as diferentes naturezas da imprensa. Nessa direção, no mesmo artigo citado acima, foi definido o caráter da má imprensa:

A imprensa ímpia ataca nossas crenças, nossas leis mais sagradas, nossa moral, nossos brios. É pois pecado grave, favorecê-la, a imprensa licenciosa, sob o falaz pretexto de arte e literatura, adula e alimenta as mais vis paixões, os instintos depravados, e zomba da delicadeza cristã. A imprensa leviana, ao tratar tudo com diletantismo, afetando o ceticismo, vai habituando o leitor ao gosto do veneno dissimulado nas doses do espírito chistoso que toma as aparências do galantismo. A imprensa neutra, que equipara a verdade e o erro, sob o pretexto de imparcialidade, nada diz a favor dos nossos direitos, liberdades e ideal, como se cala perante erros flagrantes (A CRUZADA, mar. 1929, p. 4).

Nessas linhas estão expostos os problemas da má imprensa. Para o grupo católico, aqueles que tivessem contato com essa imprensa estavam agindo em favor dela. Os católicos que consumiam esse modelo de imprensa não estavam contribuindo com o projeto católico. Ao contrário, estavam lutando contra o catolicismo. Mesmo os que liam os periódicos que se diziam neutros estavam contribuindo com os anticlericais. Para o laicato católico, não existia imprensa neutra, ou estava a favor de seus interesses, ou contrário ao projeto político-pastoral da Igreja.

Definida a natureza da má imprensa, o grupo católico reiterava a solicitação para que os paranaenses zelassem pela imprensa católica, pois

todos os católicos devem ser os auxiliares estimativos da boa imprensa que os edifica e defende. Sejamos, afinal, nós católicos, apóstolos da imprensa que trabalha para nós mesmos, para o nosso ideal: o da justiça, da verdade, da boa fraternidade que ensina o legítimo Evangelho de Jesus Cristo (A CRUZADA, mar. 1929, p. 4).

A discussão em torno da boa imprensa já estava presente nos debates entre os grupos católicos e anticlericais desde 1910. A revista A Cruzada fez referência ao Centro da Boa Imprensa ao afirmar que:

É do conhecimento de todo o católico brasileiro que se interessa pela causa da boa imprensa, a escolha há pouco tempo do Revmo. Cônego Dr. Alcidino Pereira para Diretor Geral do "Centro da Boa Imprensa" com sede no Rio de Janeiro. Por outro lado não o desconhece nenhum paranaense, como deputado ao Congresso Estadual e como ilustre filho que é do nosso querido Paraná (A CRUZADA, mar. 1927, p. 17).

A Cruzada publicou uma série de artigos que objetivava divulgar aos leitores a natureza das atividades realizadas pelo Centro da Boa Imprensa, fundado em 1910, reconhecido de utilidade pública pelo Decreto n. 4374 de 24 de Novembro de 1921 com sede, foro e administração geral na Capital Federal. No parecer desse periódico, "é ele uma instituição civil de duração indeterminada que tem por fim procurar o desenvolvimento da imprensa católica e da sã literatura principalmente para as classes populares" (A CRUZADA, mar. 1927, p. 17).

No mesmo número dessa revista foram expostas as quatorze tarefas do Centro da Boa Imprensa, dentre os quais destacamos:

Dirigir e propagar a Liga da Boa Imprensa, fundada por sua iniciativa no mesmo ano de 1910; Coligar jornais e outras instituições católicas de publicidade, a fim de que, na obra nacional da boa imprensa haja, quanto possível, união de vistas e aliança de esforços, para maior eficiência dessa mesma obra; Despertar e impulsionar o interesse prático de todas as classes pela boa imprensa e pela sã literatura, apoiando a vida de revistas e jornais católicos e a propagação de bons livros, desviando desse modo simultaneamente a aceitação por parte do público, da imprensa e literatura más; Promover congressos, reuniões, exposições, conferências, publicações, concernentes a seus fins (A CRUZADA, mar. 1927, p. 17-18).

Os quatorze artigos foram expostos pelo Cônego Alcidino Pereira, Diretor Geral do Centro da Boa Imprensa, cujo programa visava dar sustentação à imprensa católica no Brasil. Tais objetivos foram postulados pelo órgão, mas caberia aos católicos garantir a efetivação dessas diretrizes em suas cidades e estados. Em relação a isso o diretor do Centro da Boa Imprensa sustentava que:

Este programa já em grande parte posto em execução tem unido um grande cabedal de energias em torno da causa nacional da boa imprensa. A 'União' é o jornal católico mais antigo do Brasil e conta com 18 anos de existência; a 'Resposta' é órgão oficial da 'Liga da Boa Imprensa' que tem grupos fundados em todo o Brasil (A CRUZADA, mar. 1927, p. 18).

O Diretor do Centro da boa Imprensa nomeou os diretores da revista A Cruzada como representantes da Boa Imprensa no Paraná. Essa nomeação foi publicada nesse periódico, em março de 1927. No segundo ano da revista, já estava cimentada a ideia de que os católicos deveriam contribuir com o projeto da imprensa católica. Sobre esse aspecto, afirmava-se: "é de mister, outrossim, haja empenho da parte dos bons católicos, não tanto para continuarem assinantes, como para se tornarem os que ainda o não são, apóstolos propagandistas da boa imprensa, divulgando A Cruzada e procurando-lhe novas assinaturas" (A CRUZADA, mar. 1927, p. 1).

Nesse artigo é possível perceber a sintonia entre o programa desse periódico paranaense com o programa do Centro da Boa Imprensa. Nessa passagem é possível observar a forte preocupação com a divulgação da imprensa católica no Paraná.

Em março de 1929, o Cônego Alcidino Pereira declarava que:

Compete à Mocidade a chefia dos grandes movimentos e ela não pode fugir à missão salvadora que a Providência lhe confiara neste momento histórico. Fugir seria uma traição, retrair-se seria covardia. A mocidade que é impulsiva e generosa há de chamar a si a glória de uma reação na defesa do patrimônio moral do nosso povo e na arregimentação das suas energias para encetar um movimento novo e forte de combate a tudo que venha desfibrar a alma católica e cívica do Brasil (A CRUZADA, mar. 1929, p. 17).

As implicações oriundas da doutrina do laicismo motivaram ao diretor do Centro da Boa Imprensa a conclamar a juventude para

reagir na espera da justiça e do direito, a gritar bem alto a nossa suprema força e na hora do combate das ideias manejar as armas serenas da convicção e do exemplo, dizendo aos inimigos comuns da nossa fé e da nossa Pátria que o Brasil nasceu sob a égide da Cruz, cresceu sob o influxo da religião católica, formou a sua nacionalidade sob a direção das batinas liberais, ganhou as suas conquistas com o suor dos missionários, e que hoje na plenitude de suas glórias, na potencialidade de suas energias, na grandeza de suas vitórias não vai renegar toda base de seu esplendor e força de sua magnitude pela palavra desautorizada e venal de mercadores de consciências e retalhadores do brio nacional (A CRUZADA, mar. 1929, p. 18).

A terceira preocupação do grupo católico foi ressaltar a transcendência do papel educativo da Igreja Católica, pois sustentava que:

A Igreja tem o direito de ensinar, por si mesma, todas as verdades religiosas, bem como matérias filosóficas, históricas, sociais, aparentadas com o dogma e a moral. Quanto aos outros conhecimentos, a Igreja goza do direito de comunicar a outrem o que é verdade, e, para este fim, fundar escolas de todos os graus, elementares, médias e superiores. A mais, ela tem o direito de certificar-se de que o ensino das matérias aparentadas com o dogma e a moral, e mesmo de matérias profanas, quando lecionadas por professores que são de sua escolha, não ofendam de maneira alguma as verdades religiosas de que é guarda (O LUZEIRO, abr./maio 1938, p. 7).

Nesse aspecto particular, o grupo católico afirmava que "o mais saliente e visível de nosso programa, a vértebra estrutural está nesta linha única e exclusiva de educar-nos, educando os que conosco comungarem as mesmas idéias" (CRUZEIRO, 17 nov. 1931, p. 1). No editorial desse número o grupo referia-se a Michelet para sustentar que a educação deveria durar toda a vida. Com base nesse autor, o grupo católico indagava e respondia: "Qual é a primeira parte da política? A educação. A segunda? A educação. E a terceira? A educação" (CRUZEIRO, 17 nov. 1931, p. 1). Tais afirmações revelam que o grupo católico compreendia o processo de restauração da sociedade na esfera cultural – criação de espaços de formação do indivíduo.

O laicato católico entendia que sua tarefa perpassava, em última instância, pela educação dos católicos que ignoravam a doutrina da igreja. Estava convicto de que o projeto de restauração da sociedade a partir dos elementos da religião somente se daria com um programa de formação humana. Nesse sentido, para intervir no campo educativo, seria necessário organizar e estruturar uma elite intelectual, capaz de dar sustentação a essa intervenção político-pastoral. Portanto, é possível compreender as iniciativas desse grupo – a fundação da imprensa e a criação do Círculo de Estudos Bandeirantes – como o processo de constituição intelectual que visava sistematizar as ideias do catolicismo e produzir práticas de formação, sejam elas voltadas para as elites ou para os grupos populares paranaenses.

Considerações finais

O grupo católico julgava-se portador da solução para os problemas oriundos da laicização do mundo moderno. Era comum entre os católicos, como por exemplo, nos documentos dos papas, do episcopado brasileiro e do próprio grupo paranaense, a menção aos males provocados pelo laicismo e ao papel salvacionista designado à religião católica. O laicato católico associava o laicismo à doença social e o catolicismo aos remédios para sanar o mal oriundo do laicismo.

As ideias presentes nos periódicos dirigidos pelo laicato católico paranaense indicam que a Ação Católica foi organizada no Paraná conforme orientação do episcopado brasileiro e, particularmente, dos pontífices. O grupo paranaense sabia do papel que a imprensa católica cumpria no projeto de romanização do catolicismo no Brasil, bem como no Paraná. A imprensa católica era uma preocupação constante dos bispos e, não foi diferente na diocese de Curitiba. D. José de Camargo Barros, por exemplo, afirmava que a imprensa católica era uma obra recomendada pelo Papa Leão XIII a partir do Concílio Plenário Latino-americano, bem como um instrumento hábil para a propagação da fé, das verdades católicas, para despertar a simpatia pela religião, propagar por todas as partes os feitos da igreja e da religião e combater a imprensa ímpia. Portanto, os periódicos constituíram uma das estratégias estabelecidas pelo laicato para se organizar como grupo intelectual, bem como para divulgar a doutrina católica e se contrapor ao grupo anticlerical que estava presente na capital paranaense.

Texto recebido em 10 de fevereiro de 2009.

Texto aprovado em 13 de setembro de 2009.

  • A CRUZADA. Curitiba, 1926-1931 (Revista da Mocidade Católica Paranaense).
  • ALVOR. Curitiba, 1935-1936 (Jornal da Associação dos ex-alunos do Instituto Santa Maria).
  • CRUZEIRO. Curitiba, 1931-1932 (Jornal de propriedade e direção da Legião Paranaense de Boa Imprensa).
  • DIAS, R. A doutrina católica sobre a autoridade no Brasil (1922-1935). Tese (Doutorado) - Unicamp, Campinas, 1993.
  • GAETA, M. A. J. V. Os percursos do ultramontanismo em São Paulo no episcopado de D. Lino Deodato Rodrigues de Carvalho (1873-1894). Tese (Doutorado) - USP, São Paulo, 1991.
  • GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 2.
  • O LUZEIRO. Curitiba, 1937-1939 (Órgão da Confederação das Associações Católicas de Curitiba).
  • 1
    O Círculo de Estudos Bandeirantes foi criado em 1929 pelo clero e pelo laicato católico. Essa instituição não carregava consigo a missão de divulgar a doutrina católica entre um público exotérico, mas se constituiu com a preocupação de formar grupos de intelectuais comprometidos com os estudos e as discussões da filosofia católica, bem como com a preparação de homens para a política.
  • 2
    O Luzeiro – órgão da Confederação das Associações Católicas de Curitiba; periódico mensal, portanto quando aparecem dia, mês e ano os citaremos, senão faremos referência usando mês e ano.
  • 3
    A Cruzada iniciou o seu percurso como Revista Mensal da Mocidade Católica Paranaense. A partir de 1930 ela passou a ter circulação semanal. A referência à revista A Cruzada será feita citando mês e ano.
  • 4
    O periódico Cruzeiro será citado usando dia, mês e ano.
  • 5
    Órgão da associação dos ex-alunos do Instituto Santa Maria, circulou nos anos de 1935 e 1936. O Alvor era um periódico mensal, portanto quando aparecerem dia, mês e ano os citaremos, caso contrário faremos referência usando mês e ano.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Maio 2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2009
    • Aceito
      13 Set 2009
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