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A noção de mobilidade social em adolescentes

The concept of social mobility in adolescents

Resumos

O presente artigo aborda a compreensão dos adolescentes sobre a noção de mobilidade social, a partir de uma investigação realizada com estudantes de uma escola pública do interior paulista, refletindo sobre a forma como se dá a aprendizagem desta noção. Para a investigação descrita, foram realizadas entrevistas com 20 adolescentes, utilizando perguntas de caráter exploratório, embasadas no método clínico piagetiano, a partir das quais a noção de mobilidade social em adolescentes foi classificada em três níveis sociais propostos por Delval. Mediante os resultados obtidos, pode-se concluir que a noção do conceito em questão é de difícil aquisição pelos adolescentes. Devido a isso, destaca-se a importância do tema para cursos de licenciatura, especialmente o de Ciências Sociais.

conhecimento social; mobilidade social e educação


This article discusses the understanding of adolescents on the notion of social mobility, from a research conducted with students from a Public school in São Paulo State. It reflecs on how this notion is learned. For the research described, interviews were conducted with 20 adolescents, using exploratory questions of character, based on Piagetian clinical method, to which the notion of social mobility in adolescents were classified into three levels as proposed by Delval. According to the results, we could conclude that the notion of the concept in question is a difficult acquisition for adolescents. This theme is highly important to teaching graduation courses, especially Social Sciences.

social knowledge; social mobility and education


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A noção de mobilidade social em adolescentes

The concept of social mobility in adolescents

Ariella Silva AraujoI; Ligiane Raimundo GomesII

IGraduanda do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras - Universidade Estadual Paulista /Campus Araraquara - Brasil. ariella.unesp@gmail.com

IIProfessora Doutora do Departamento de Educação do Instituto Taquaritinguense de Ensino Superior - Brasil. ligianeg@gmail.com

RESUMO

O presente artigo aborda a compreensão dos adolescentes sobre a noção de mobilidade social, a partir de uma investigação realizada com estudantes de uma escola pública do interior paulista, refletindo sobre a forma como se dá a aprendizagem desta noção. Para a investigação descrita, foram realizadas entrevistas com 20 adolescentes, utilizando perguntas de caráter exploratório, embasadas no método clínico piagetiano, a partir das quais a noção de mobilidade social em adolescentes foi classificada em três níveis sociais propostos por Delval. Mediante os resultados obtidos, pode-se concluir que a noção do conceito em questão é de difícil aquisição pelos adolescentes. Devido a isso, destaca-se a importância do tema para cursos de licenciatura, especialmente o de Ciências Sociais.

Palavras-chave: conhecimento social; mobilidade social e educação.

ABSTRACT

This article discusses the understanding of adolescents on the notion of social mobility, from a research conducted with students from a Public school in São Paulo State. It reflecs on how this notion is learned. For the research described, interviews were conducted with 20 adolescents, using exploratory questions of character, based on Piagetian clinical method, to which the notion of social mobility in adolescents were classified into three levels as proposed by Delval. According to the results, we could conclude that the notion of the concept in question is a difficult acquisition for adolescents. This theme is highly important to teaching graduation courses, especially Social Sciences.

Keywords: social knowledge; social mobility and education

Introdução

A realidade social da escola brasileira, nos últimos tempos, tem sido alvo de destaque por parte de vários meios de comunicação, bem como por parte de diversos especialistas. Em 1º de outubro de 2007, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma notícia referente ao desempenho de alunos do Ensino Médio, mais especificamente do 3º ano, comparando-os a estudantes da 8ª série do Ensino Fundamental. A partir disso pode-se notar o quão defasado encontra-se o conhecimento desses alunos, principalmente quando se trata de questões de ordem mais complexa, como o conhecimento das noções sociais.

Os estudos sobre as noções sociais vêm ganhando espaço no cenário das pesquisas, isto porque percebeu-se que o desenvolvimento dessas noções acontece tardiamente.

Antes de nos aprofundarmos especificamente no desenvolvimento do conhecimento social, consideramos importante ressaltar o significado do termo social. Todo conhecimento tem origem no social, visto que a interação entre as ações do sujeito e as informações do meio possibilita a criação de novos esquemas de saberes. Mas nem todo conhecimento é social em sua natureza, ou seja, nasce das relações institucionalizadas. São as relações institucionalizadas que caracterizam o conhecimento social.

Para Piaget (1973), o conhecimento é construído mediante a interação entre sujeito e objeto mediante um processo espontâneo e natural, sem a necessidade de intervenções sistematizadas. O desenvolvimento do conhecimento, por ser espontâneo, requer tempo, pois é necessária a construção de esquemas preliminares que vão sendo sucedidos por outros cada vez mais elaborados por meio de graduações sucessivas. Assim, Piaget (1973) estabelece três períodos para representar o desenvolvimento da inteligência: sensório-motor - ligado às percepções e movimentos; operacional concreto subdivido em pré-operatório e operatório concreto - o primeiro está relacionado às representações e o segundo à operação sobre os objetos físicos e os mentalmente manipuláveis; operacional formal - marcado pela capacidade de raciocinar sobre enunciados verbais, demonstrando um pensamento hipotético-dedutivo. Estes estádios, embora não apresentem cronologia fixa, são organizados de forma sucessiva.

Assim, a dificuldade de aprendizado de conceitos sociais, como o de mobilidade social, pode, em partes, ser explicado por esta teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo.

Visto que o desenvolvimento não "pula" etapas é necessário que as crianças operem objetos mentalmente manipuláveis, como no período das operações concretas. Mas o que dizer dos conhecimentos de natureza sociais que não se traduzem de forma empírica para a realidade das crianças e mostram-se extremamente abstratos, exigindo, dessa forma, um raciocínio mais formal?

Primeiramente, cabe esclarecer que Piaget, nunca estudou questões sobre o conhecimento social. Seu único trabalho relacionado ao tema seria o Juízo Moral na Criança que trata de regras sociais (mentira, roubo e justiça). Por perceber a dificuldade da compreensão dos temas sociais e acreditar na colaboração da teoria elaborada por Piaget, alguns pesquisadores piagetianos têm se dedicado aos estudos do domínio do conhecimento social.

É importante ressaltar dois fatores para a construção do conhecimento social: a experiência fragmentada e o instrumento intelectual insuficiente. Estes necessitam de uma organização e construção de um sistema em que se encaixem elementos distintos, como, por exemplo, os vários subsistemas que envolvem as noções sociais. Assim, segundo Delval (1994), os conhecimentos sociais podem pertencer a núcleos de organização diferenciados, como os conflitos sociais e suas causas (ordem política - guerra e paz, sistemas de governos, entre outros) e os que envolvem questões de papel social, como os econômicos (consumo, riqueza, mobilidade social).

Devido à complexidade dessas questões, as pesquisas têm demonstrado que as informações recebidas pelas crianças e jovens se pautam em elementos normativos e descritivos, não existindo uma explicação própria que condiz com a realidade. Dessa forma, as crianças e os adolescentes criam hipóteses sobre o funcionamento dos sistemas sociais mediante a observação de determinadas regularidades do mundo social. Portanto, a aquisição tardia do conhecimento coletivo pode ser explicada pela necessidade de um longo trabalho de elaboração por parte do sujeito, já que não existe uma relação mais específica que proporcione a facilidade na assimilação dos conteúdos do mundo social (DELVAL, 1994).

Para o presente trabalho, elegemos discorrer sobre o conceito de mobilidade social. Nossa hipótese é a de que muitos adolescentes encontram dificuldades de entender tal conceito devido às dificuldades já apresentadas.

O conceito de mobilidade social, em linhas gerais, expressa a transição de uma posição social a outra, realizada por um indivíduo (JOHNSON, 1997). Destacamos esta definição de Johnson para que se possa entender a dimensão deste conceito. Conhecer tal significado - que só será apreendido passando pelas etapas piagetianas do desenvolvimento cognitivo anteriormente citadas - do ponto de vista sociológico, possibilita aos indivíduos perceberem a sociedade na qual estão inseridos, em sua totalidade, bem como em sua forma dinâmica, pois muitos acreditam que a condição entre ricos e pobres é uma condição estática e natural. Logo, torna-se extremamente importante desenvolver o raciocínio de conceitos dessa ordem para que se possam entender problemas como a desigualdade social existente nas muitas sociedades. Posteriormente, será possível, a partir deste conceito, fazer reflexões sobre problemas de ordem político-social, como as relações de trabalho, gênero, luta de classes, entre outros. Dessa forma, o conceito de mobilidade social torna-se uma peça fundamental para o entendimento de problemas de amplitude maiores.

Do ponto de vista psicológico, o conceito de mobilidade social foi estudado por Delval (1994). Para o autor, a noção de mobilidade social tem uma dimensão psicogenética que se constrói ao longo do desenvolvimento, contando com três níveis hierárquicos, com características bem definidas, podendo ser assim resumidos:

Nível I - trocas súbitas e pouco realistas - em que as crianças acreditam que a mobilidade social ocorre mediante a ação livre e individual do sujeito e depende de seu desejo ou azar;

Nível II - trocas naturais - em que há um processo incipiente das causas que levam à mobilidade social, sendo que o trabalho se converte na principal forma de trocas sociais, ou seja, a mobilidade é de responsabilidade do indivíduo e depende de seu esforço ou desempenho;

Nível III - trocas possíveis - último e mais complexo nível por apresentar a capacidade do raciocínio hipotético-dedutivo, na qual a mobilidade social passa a ser entendida como algo que leva tempo, além de fatores de ordem pessoal e social que favorecem ou dificultam tal mobilidade. Neste nível, existe a possibilidade de compreender as relações existentes entre sistemas sociais distintos, o que leva ao entendimento da existência de obstáculos sociais e de uma avaliação mais realista das possibilidades de mudança.

Assim, a dificuldade de aprendizado de conceitos sociais, pode, em partes, ser explicada pela teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo, visto que o conhecimento social requer um considerável nível de abstração encontrado apenas em indivíduos que conquistaram o período formal.

Dentro do curso de Licenciatura em Ciências Sociais, considera-se importante investigar o desenvolvimento das noções sociais em adolescentes, principalmente, pela pouca produção de pesquisas nesse campo. Torna-se interessante também, em função do campo de atuação dos licenciados em Ciências Sociais, restringir-se a essa faixa etária. Logo, cabe a esses profissionais entender melhor esse desenvolvimento a fim de elaborar intervenções mais significativas dentro de sua área.

Metodologia

O objetivo deste trabalho foi o de investigar como adolescentes compreendem a noção de mobilidade social. Para isto, foram selecionados vinte adolescentes na faixa etária de 11 a 16 anos de uma escola pública do interior paulista. Utilizamos, para a coleta de dados, o método clínico piagetiano, que possui algumas características próprias, como a flexibilidade da entrevista, procurando seguir o curso do pensamento do entrevistado quando feitas intervenções pelo entrevistador. Isto ocorre para que se possa realmente desvendar o conhecimento espontâneo destes adolescentes e não o absorvido no universo escolar. Este método foi escolhido por envolver uma situação de ordem mais complexa, principalmente quando se trata de um fenômeno não material ou natural, como no caso do conceito que delimitamos (DELVAL, 2002).

Assim, o método clínico é composto fundamentalmente por três tipos de perguntas que possibilitam desvendar o pensamento do entrevistado: perguntas de exploração, que permitem ter uma visão geral do que se pretende saber; de justificação, que obriga o participante a reconhecer o seu ponto de vista; e as contra-argumentações, uma forma de controlar se o entrevistado mantém ou não o seu ponto de vista. Dessa forma, o instrumento utilizado contou com perguntas como: O que é ser rico? O que é ser pobre? Existem pessoas que não são nem ricas nem pobres? As pessoas ricas e pobres vão aos mesmos lugares? Ricos e pobres possuem o mesmo tipo de trabalho? Os dados coletados foram analisados segundo os níveis da noção de mobilidade social propostos por Delval (2002).

A noção de mobilidade social na fala dos adolescentes

O desenvolvimento das noções sociais, segundo Delval (2002), caracteriza-se por uma psicogênese com três níveis bem distintos.

O nível I é predominante em crianças menores, justamente por possuírem concepções muito limitadas e contraditórias acerca da realidade social, o que dificulta a diferenciação entre pessoa e papel social. Contudo, não significa que não se encontre presente em adolescentes.

Este nível possui como característica a explicação de fatos mediante aspectos aparentes e de fácil observação, ou seja, enfatiza-se o exterior e, de maneira geral, são feitas de formas muito extremas. É um nível que geralmente não diferencia trabalhos em termos qualitativos, mas sim, quantitativos, fazendo com que desta maneira os estratos econômicos tornem-se permanentes. Quando a mudança por eles são percebidas, a justificativa encontrada dá-se ao acaso ou ao desejo do indivíduo.

No presente estudo três depoimentos foram classificados nesse nível, sendo dois dos participantes com 11 anos e um participante com 14 anos.

Apresentaremos exemplos deste nível, a seguir:

(O que é ser rico?) Uma pessoa que é boy. [...] (Pensa em alguma coisa assim, do porque ela é boy.) Porque ela tem muito dinheiro. (Você se considera rico ou pobre?) Ser pobre pra mim... ah, sei lá. Gente que mora de baixo da ponte, que não tem dinheiro, que vive pedindo esmola, só. (Fernanda, 11)

Fernanda (11) demonstra em seu depoimento considerações sobre os traços externos que caracterizam as pessoas ricas e pobres. O outro aspecto deste nível é revelado mediante a quantidade de dinheiro, e é isso que diferencia ricos e pobres.

No depoimento a seguir, nota-se as mesmas considerações mencionadas, pois Catarina (11) declara somente os aspectos externos e extremos sobre o que é ser rico ou ser pobre.

(O que é ser rico?) Ah... assim... muito dinheiro...ah...é ter essas casona. [...] (O que é ser pobre?) ... é como a minha amiga, ela mora numa casa assim sabe, que não tem telhado. Sabe, a casa dela desmoronou primeiro e fica de fundo a casa dela e... acho assim que ela não tem dinheiro para pagar as coisas pra cobrir a casa dela, acho isso. (Catarina, 11)

Neste outro depoimento, Catarina (11) parece não perceber a limitação externa (dinheiro insuficiente) que impossibilitam ricos e pobres de frequentarem os mesmos lugares, como os mesmos colégios.

(As pessoas ricas e pobres vão aos mesmos lugares, por exemplo, os mesmos colégios?) Acho que não. (Você acha que elas não podem ir aos mesmos lugares?) Ah... eu não sei...se tem, mas eu acho que sim. (Um pessoa rica pode estudar no seu colégio, mas você poderia estudar num colégio de ricos?) Ah... é, acho que sim. (Então, você poderia estudar nessa escola?) Sim, porque escola é tudo igual, a gente aprende quase as mesmas coisas, né?(Catarina, 11)

Para Mirela (15) não há diferença qualitativa e sim quantitativa com relação ao trabalho de ricos e pobres. Precisa-se trabalhar muito e se esforçar para ficar rico. Dessa forma, naturalmente ocorrerá a mobilidade social.

(Ricos e pobres possuem o mesmo tipo de trabalho ou tem muita diferença?) Não muita, né? Eu não vejo muita diferença. (Qual seria um trabalho de rico para você?) [...] Ah... não sei. Eu acho que o rico, ele não trabalha tão esforçado como uma pessoa pobre. (É possível o pobre e alguém da classe média vir a ser rico?) Lógico, aí ele vai ter que trabalhar muito, muito, muito. Aí vai chegar uma hora que ele vai se sentir rico, entendeu? (Mirela, 15)

Já no nível II começa ocorrer a distinção entre papel social e indivíduo, porém, a atenção volta-se para as diferenças psicológicas. As relações sociais não são mais entendidas como sendo relações entre indivíduos, mas sim, relações institucionalizadas.

As mudanças passam a ser entendidas como algo natural, sendo processadas temporalmente. Para isto, o trabalho assume a fonte principal de mudança, na qual a partir disso, passa a contar a diferenciação em termos qualitativos, como nos exemplos a seguir, em que Leonardo (12) e Gustavo (13) apontam as diferenças entre as profissões de ricos e pobres.

(Por que você acha que as pessoas ricas têm casa e têm dinheiro?) Porque trabalharam bastante, né? Conseguiram... (Então, toda pessoa que trabalha bastante é rica?) Ah... talvez, porque tem pessoa que trabalha bastante, mas não consegue tanto dinheiro assim. (E por que você acha que tem essa diferença de pessoas que trabalharam bastante e ficaram ricas e outras não?) Porque tem pessoa que trabalha em empresa, né e ganha mais do que pessoas que trabalham em, num, por exemplo, é... barraquinha de... de cantina. (Leonardo, 12)

(Qual seria uma profissão de rico?) Rico é escritório, computador, assim, médico, acho que é mais tranquilo o de rico. (E a profissão de pobre, qual seria?) É o que eles podem fazer, tipo... se ele sabe fazer salgado, faz pra vender na rua. Se ele sabe fazer... tipo roupa, é aquele brechós que tem muita roupa pra podê vender. Faz o que pode pra sobreviver. (Gustavo, 13)

Para Jenifer (14) um dos fatores que diferenciam o trabalho de ricos e pobres é o preconceito, ou seja, um aspecto psicológico.

(Ricos e pobres possuem o mesmo tipo de trabalho?) Não, com certeza, não. (Por quê?) Ah... também por causa das condições e do preconceito da sociedade. (Jenifer, 14)

O nível III é o último e mais complexo, por apresentar características como a capacidade de conceber um mundo de possibilidades hipotéticas. As relações são agora entendidas como possíveis entre sistemas distintos. Os fatores individuais ainda possuem relevância e se consideram as diferenças de capacidade entre indivíduos e de perseverança. No que se referem aos processos temporais, estes se apresentam mais longos.

Henrique (14) acredita que ricos e pobres podem ter as mesmas possibilidades, mas para isso é necessário, além do esforço pessoal, a superação de uma série de obstáculos.

(Você acha que pobre pode estudar no colégio de rico?) Consegue, consegue. (Como?) Ah... fazendo...prestando bolsa de estudo. Que nem, eu posso prestar uma bolsa. Eu consigo uma nota boa e tenho um desconto na escola particular, dependendo do desconto meu pai tem condições de pagar. Eu posso ir pra uma escola particular também. (Henrique, 14)

Ligia (13) demonstra em seu depoimento que não é apenas a quantidade de trabalho que possibilita a mobilidade social. Existem fatores implícitos nas relações sociais que favorecem a mudança de estrato social, como a corrupção.

(Rico é aquele que estuda muito ou que não estuda?) As duas coisas. (Como você acha que os ricos ficaram ricos?) Uns são ricos porque são corruptos, os políticos, e outros são ricos pelo suor, pelo trabalho. (Toda pessoa que trabalha muito é rica?) Não, muitos não. (Ligia, 13)

Neste outro trecho do depoimento de Ligia (13), percebe-se que o estudo pode facilitar ou não a mobilidade social, pois o mercado de trabalho exige a qualificação das pessoas.

(O que é ser pobre?) É muito difícil dizer o que é ser pobre eu nunca passei por isso né, mas creio que seja pessoas que não tenham alimentação, não tem o que comer, não tem onde morar, não tem o que vestir, não tem casa não tem família, essas coisas.(E por que você acha que elas não têm nada disso. Por que elas são pobres?) Mesmo porque não tiveram estudo, porque não estudaram até onde é exigido pro meio de trabalho e porque tá difícil o mercado de trabalho também. E essas pessoas não são pobres porque elas querem e sim porque não tem outro jeito. (Ligia, 13)

A tabela a seguir mostra a classificação dos participantes nos níveis da noção de mobilidade social.

Resultados

De modo geral, a análise dos resultados demonstra que a maioria dos depoimentos dos participantes encontra-se no nível II, apenas três depoimentos foram classificados no nível I e dois depoimentos no nível III.

Delval (1994) coloca algumas idades como marcos para o desenvolvimento da noção de mobilidade social, como de 6 a 10 anos para o nível I, de 10 a 13 anos para o nível II e de 13 a 16 anos para o nível III.

Pode-se notar que no nível I foram classificados os depoimentos dos menores participantes da amostra, bem como um caso de décalage (defasagem) nesse nível. Também nota-se que não foram os depoimentos dos participantes mais velhos classificados no nível III, apresentando também décalages, um aspecto normal de um processo de desenvolvimento, visto que o meio social pode acelerar ou retardar o desenvolvimento de uma determinada noção.

Em termos de desenvolvimento, observou-se que houve uma evolução para os adolescentes de 11/12 e 13/14 anos, por estes possuírem pouca ou nenhuma representação no nível I; predominância no nível II, que foi a média, e algum caso possível no nível III. Já para as idades de 15 anos, encontramos certa defasagem de conhecimento, pois houve ocorrência nos níveis I e II, e nenhum representante para o nível III. Nossas expectativas foram as de encontrar maiores proporções nos níveis II e III, sugerindo que estes estariam dentro da média de desenvolvimento do conhecimento espontâneo, problema cujas dimensões a própria notícia publicada pela Folha de S. Paulo já dera indícios

Portanto, percebe-se a grande dificuldade de aprendizagem por parte dos alunos na compreensão de conteúdos sociais, devido a sua alta complexidade. Muitas das respostas obtidas por parte dos alunos foram de caráter episódico e personalizado.

Dessa forma, essa pesquisa pode contribuir para a formulação de um ensino mais adequado, ou mais direcionado às dificuldades intrínsecas do processo de aprendizagem. Talvez metodologias tradicionais, relação professor/aluno, este último entendido como passivo, não estejam surtindo o efeito esperado, principalmente as da escola pública, como verificado nos resultados obtidos pela pesquisa. Valorizar o conhecimento prévio que os alunos possuem é de grande importância para o educador quando realizar suas intervenções, pois muitos alunos da rede pública de ensino encontram dificuldades na aprendizagem de conteúdos de ordem social.

Algumas considerações

Os resultados do presente estudo demonstram a dificuldade da aquisição da noção de mobilidade social pelos adolescentes. Dessa forma, percebe-se que a aprendizagem de conteúdos de ordem social não se dá subitamente.

Um dos aspectos analisados pelos estudiosos do conhecimento do domínio social refere-se à dificuldade desses conteúdos serem traduzidos de forma direta para a prática do aluno, o que dificulta a interação com o objeto de conhecimento.

Mas como auxiliar nesse processo de interação? Uma das maneiras possíveis seriam as dramatizações ou o trabalho com situações cotidianas, em que os alunos pudessem vivenciar as diversas relações sociais.

Mesmo com tal prática, o educador deve levar em consideração o nível de desenvolvimento do aluno, visto que essa relação entre conteúdos, aluno e professor não é direta, ou seja, ensina-se e aprende-se. É necessário que o aluno possua estruturas capazes de reconhecer tais conteúdos. Assim, uma rotina que favoreça a experiência das relações sociais seria um caminho para a construção dessas estruturas.

Dessa forma, o professor estaria propiciando ao aluno uma percepção maior das regularidades do mundo coletivo além de contribuir com uma experiência menos fragmentada do conhecimento social.

Texto recebido em 27 de setembro de 2008.

Texto aprovado em 29 de novembro de 2008.

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  • DELVAL, J. A realização da entrevista. In:_____. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto Alegre: Artmed, 2002. cap. 5, p. 109-182.
  • DELVAL, J. El conocimiento del mundo social. In: ______. El desarrollo humano Madrid: Siglo Veintiuno de Espanã, 1994. p. 458-498.
  • JOHNSON, A. G. Dicionário de Sociologia, guia prático de linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
  • PIAGET, J. Para onde vai a educação? Tradução de: Ivette Braga. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 79
  • PIAGET, J. O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança. Problema de Psicologia Genética Rio de Janeiro: Forense, 1973. cap.1, p.7-32.
  • TAKAHASHI, F. Alunos do 3ş ano têm nota de 8Ş série. Folha de S.Paulo, Ribeirão Preto, 1 out. 2007. Caderno 3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Aceito
    29 Nov 2008
  • Recebido
    27 Set 2008
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