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Apresentação

DOSSIÊ: COGNIÇÃO, INTERAÇÃO SOCIAL E EDUCAÇÃO

Apresentação

O tema cognição, interação social e educação visa a discutir criticamente sobre a produção do conhecimento envolvendo a cognição e suas relações com a interação social e os processos educativos formais e informais. Apresenta-se como resultado de parcerias com pesquisadores da Université de Genève, Archives Jean Piaget, Universidad Nacional de Educación a Distancia, Université de Neuchâtel, Université de Lausanne, Universidade de São João Del-Rei e pesquisadores da linha de cognição, aprendizagem e desenvolvimento humano e cultura, escola e ensino do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná.

O dossiê trata basicamente de duas das tendências mais expressivas com relação ao tema e seus desdobramentos: a referente aos estudos socioculturais e as fundadas no construtivismo piagetiano. Novos olhares são apresentados, permitindo novas possibilidades de discussão. Por um lado, trabalhos na perspectiva histórico-cultural nos instigam à constante revisão de teorias e práticas, uma vez que todo conhecimento é situado. Noutro sentido, as análises a partir do referencial piagetiano nos reportam à necessidade de certos invariantes no sentido da própria possibilidade de evolução.

No enfoque histórico-cultural, o acento recai na mediação e sua importância no desenvolvimento cognitivo, especificamente humano, tendo nas formas de interação social e cultural a origem e promoção desse desenvolvimento via internalização. Nessa perspectiva, o desenvolvimento surge como resultado da imersão do sujeito em um ambiente cultural e da apropriação que faz deste meio. O sujeito só pode se apropriar do meio cultural como ser ativo. O ambiente cultural é utilizado como ferramenta para a elaboração da significação cultural, mas somente quando atrelado às relações interindividuais, as quais apresentam as características culturais dos objetos. O outro se inclui, portanto, na atividade do sujeito por já ter experiência no uso dos objetos como instrumentos e produtos do ambiente cultural. O domínio do pensamento próprio ocorre por meio de um processo de internalização no qual tem lugar de destaque a atividade realizada em comum em torno de objetos. Na educação, o social representa a origem do desenvolvimento conceitual da criança, a organização da atividade partilhada e do aprendizado do aluno.

Na perspectiva piagetiana, a insistência recai sobre o papel central da ação no desenvolvimento cognitivo. O sujeito se constrói à medida que constrói o objeto físico ou social. O foco no construtivismo piagetiano está no que o sujeito compreende a partir de sua interação e no como se dá o processo de construção tanto do aparato que lhe permite conhecer como do conhecimento da realidade. Não se desconsidera o meio social. Este é entendido como permitindo o acesso à cultura e ao outro diferenciado, que apresenta desafios. O meio pode provocar uma perturbação que incita ou não o sujeito a uma reestruturação cognitiva. Assim, o meio pode acelerar ou retardar o desenvolvimento cognitivo e, por isso mesmo, é um dos fatores indispensáveis ao desenvolvimento da inteligência, ao lado da experiência, da maturação e do processo auto-regulador de equilibração. Nesse sentido, o objetivo da educação volta-se ao desenvolvimento da autonomia intelectual e moral. O contexto cooperativo e não coercitivo está vinculado diretamente ao desenvolvimento dessa maior autonomia. A ênfase, na abordagem piagetiana, está na idéia de continuidade e descontinuidade que caracteriza o desenvolvimento durante toda a vida, ou seja, a passagem de um estado de desequilíbrio para certo estado de equilíbrio, e cada um destes mais avançado em relação ao precedente. Todo avanço depende de adaptações nos esquemas práticos e conceituais de funcionamento do sujeito para neutralizar perturbações resultantes das interações com o meio. As concepções, nessa perspectiva, são primeiramente assimiladas ou incorporadas a partir dos esquemas que o sujeito possui. Quando este encontra resistências a essa assimilação, produz-se um conflito, o qual pode levar a um ajuste do sujeito ao novo objeto por conhecer. Assim, as concepções são constantemente reajustadas ou rejeitadas por meio das novas situações.

Como vimos, trata-se de visões distintas, mas não necessariamente antagônicas, considerando suas possibilidades de diálogo no campo educacional. As palavras de Tryphon e Vonèche (1996, p. 9) sintetizam com propriedade as relações entre Piaget, representante da perspectiva construtivista, e Vygotsky, expoente da perspectiva histórico-cultural:

Piaget interessou-se mais pelo desenvolvimento de processos universais para validação do conhecimento, e Vygotsky enfocou mais a gênese psico-sócio-histórica e sua interpretação. Um foi mais devotado à discussão do caráter construtivo da interpretação e o outro mais à dimensão interpretativa da construção. Como tal, eles se complementam bem um ao outro e fecham a porta para o modelo estritamente fisicalista e estruturalista da Gestalt com a "volta interpretativa" da dotação de sentido concebida em voltas complementares da lógica, por um lado, e do discurso, por outro. Mas, para um, a lógica significa a lógica das significações e, para o outro, o discurso significa o discurso do pensamento e ação, porque estavam muito comprometidos com o mesmo tipo de racionalidade fundada na filosofia do esclarecimento. Ambos viam o progresso da mente humana como a conquista do universal sobre o particular, do geral sobre o local, e do atemporal sobre o temporal.

Neste dossiê tivemos a satisfação e o privilégio de reunir pesquisadores de renome internacional em suas considerações sobre cognição, interação social e educação. No primeiro artigo que reúne esta coletânea, Jacques Vonèche e Tania Stoltz, em Ação como solução ao problema mente e corpo na teoria de Piaget, discutem as complexas relações entre corpo e mente, instigando novos questionamentos e pesquisas, tendo como fundamento a dualidade causalidade e implicação. Já Juan Delval, em Aspectos de la construcción del conocimiento sobre la sociedad, apresenta-nos primoroso estado da arte envolvendo os estudos sobre as representações da sociedade, fundamentais no trabalho educativo. Tania Zittoun, Nathalie Muller Mirza e Anne-Nelly Perret-Clermont, em Quando a cultura é considerada nas pesquisas em Psicologia do Desenvolvimento, abordam com propriedade o interessante tema das significações coletivas e dos sentidos individuais dentro de uma abordagem histórico-cultural. Na esteira de Perret-Clermont, Nilson Dinis e Araci Asinelli-Luz, com Educação sexual na perspectiva histórico-cultural, propõem a rediscussão do tema da sexualidade e novas bases para a educação sexual. Em outra perspectiva, Silvia Parrat-Dayan, em Contextos autoritarios y cooperativos y su repercusión en el desarollo del sujeto, analisa cuidadosamente o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual a partir de diferentes contextos.

Temos também a honra de contar com a participação de Magali Bovet e Daphné Voelin em O papel da imagem mental no raciocínio operatório: auxiliar ou estruturante?, artigo no qual são discutidos os resultados da aprendizagem figural na resolução de problemas. Por outro lado, os aspectos figurativos e operativos no processo de construção dos conceitos científicos também são discutidos por Tamara da Silveira Valente em seu Entendeu, ou quer que eu desenhe? Dener Luiz da Silva igualmente discute a formação do símbolo, mas com base em Henri Wallon. Seu instigante artigo Do gesto ao símbolo: a teoria de Henri Wallon sobre a formação simbólica é um convite a um outro olhar sobre essa teoria.

Fechamos, por fim, o dossiê com emoção. Helga Loos e René Simonato Sant'Ana nos seduzem a refletir sobre Cognição, afeto e desenvolvimento humano: a emoção de viver e a razão de existir, tendo por base Vygotsky e Espinosa.

Este trabalho certamente não seria possível sem a colaboração e o apoio de Marta Teixeira, Mônica Back, Thiciane Pieczarka e Roberta Sotero Costa. A elas nosso especial agradecimento, bem como aos autores e autoras que participaram da elaboração desta obra.

Nada melhor do que encerrar falando do início. Trazemos assim o início do discurso de "celebração da divergência" de Bruner no centenário de Piaget e Vygotsky, para caracterizar o espírito com que foi desenvolvido o dossiê. "Para começar, gostaria de expressar aquilo que cada um de nós pôde apenas sentir em 1996, quando comemorávamos os cem anos de Jean Piaget e de Lev Vygotsky: que sorte tive de poder dispor desses dois gigantes em nossas pesquisas sobre o desenvolvimento humano!" (Bruner, 2002, p. 213).

Tania Stoltz, Silvia Parrat-Dayan e Jacques Vonèche

  • BRUNER, J. Piaget e Vygotsky. Celebremos a divergência. In: HOUDÉ, O.; MELJAC, C. (Orgs.). O espírito piagetiano: homenagem internacional a Jean Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2002.
  • TRYPHON, A.; VONÈCHE, J. Introduction. In: TRYPHON, A.; VONÈCHE, J. The social genesis of thought. UK: Psychology Press, 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    2007
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