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Silva, M. A. & Azevedo, R. A.AtoZ - LaTeX

Relações sociais de acesso: redes informacionais e interlocuções frente aos documentos policiais na Região do Alto Solimões/Amazonas

Relations of social access: information networks and interlocutions when approaching police station documents in the Alto Solimões/Amazonas Region

Marcelo Araújo Silva1, Rodolfo Almeida de Azevedo2

1Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM, Manaus, AM, Brasil
2Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Manaus, AM, Brasil

Resumo

Introdução: O campo da pesquisa social em organizações policiais revela uma zona de tensão relacionada ao acesso a dados e informações, especialmente porque estes registros produzidos em delegacias guardam informações sensíveis e são mantidos por uma instituição com amplo histórico de restrição de acesso no Brasil. Diante disso, o presente estudo investigou os mecanismos e estratégias de acesso utilizados por um grupo de pesquisa atuante na mesorregião do Alto Solimões no Estado do Amazonas, bem como suas relações e interlocuções no acesso às delegacias de quatro municípios, em busca de dados e informações sobre violência contra mulheres.
Metodologia: Utilizou-se o método de análise de conteúdo nos relatórios de campo produzidos pelos membros do grupo de pesquisadores em suas três etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados: inferência e interpretação.
Resultados: Quanto às interlocuções e a rede informacional elencaram-se as seguintes observações: a atuação dos interlocutores influencia no acesso às organizações; a identificação de uma rede eficiente nos municípios; o pleno acesso às organizações, com apenas um caso de restrição justificada; a contribuição de agentes internos que dinamizam a coleta de dados e colaboram na recuperação da informação.
Conclusões: As observações durante a análise permitiram, a partir da formulação de “acesso jurídico” e “acesso intelectual” de Jardim (1999b), a reflexão sobre dois novos conceitos idealizados inicialmente como “Pré-acesso” e “Relações Sociais de Acesso” com os aportes relacionados à antropologia da informação observando as condições sociais na constituição do acesso, assim como a definição das etapas do acesso aos registros/documentos mantidos por estas organizações.

Palavras-Chave

Acesso às instituições; Acesso à informações; Relações sociais de acesso; Registros Policiais

Abstract

Introduction: The field of social research in police organizations reveals a tension related to the access to data and information, especially because these records were produced in police stations in Brazil, that store sensitive information and are maintained by an institution with a long history of restricting access. The present study investigated the access mechanisms and strategies used by a research group in the Alto Solimões Mesoregion (Amazonas State), as well as their relations and communications when accessing data and information on violence against women at four districts.
Methodology: It was used content analysis procedures which were based on field reports produced by the research group. The methodology establishes three stages: pre-analysis; exploration of the material and treatment of results: inference and interpretation.
Results: As for the interlocutions and the information network the interaction of the interlocutors may influence the access to the organizations; it could be identified an efficient personal network in the districts; the research team got full access to the organizations, with only one case of justified restriction; there were contribution of internal agents that accelerate the collection of data and collaborate in information recovery.
Conclusions: The observations during the analysis allowed to consider two new concepts - initially conceived as "Previous access" and "Relations of Social Access" - that could be added to the "legal access" and "intellectual access" formulation of Jardim (1999b). These the social conditions that previously help in building the access, as well as the definition of the steps to access the records/documents kept by these organizations, can be considered as a contribuition of this investigation.

Keywords

Access to organizations; Information access; Relations of social access; Police documents

Sumário

Introdução

Percurso metodológico

Antropologia da informação: Em busca das relações sociais de acesso

O acesso às organizações na pesquisa de campo: Configurando o Pré-acesso

As relações sociais de acesso e seus interlocutores

Considerações reflexivas

Referências

Introdução

Este estudo é o resultado parcial de um trabalho de pesquisa desenvolvido no âmbito do programa de Extensão Universitária Observatório da Violência de Gênero no Amazonas1, e apresentado ao Curso de Arquivologia da Universidade Federal do Amazonas como trabalho de conclusão. Configura-se como objetivo central investigar os mecanismos e estratégias praticadas por um grupo de pesquisadores no acesso às organizações policiais, assim como, às informações públicas produzidas no cumprimento de suas funções. Ademais, para se alcançar a centralidade de sua motivação, fez-se necessário entender os aportes teóricos que inter-relacionam a Ciência da Informação e a Antropologia e suas distintas maneiras, porém complementares, de analisar o problema do acesso.

O desenvolvimento da ciência praticada em qualquer que seja o território está intrinsecamente ligado ao acesso, pois, o acesso permite a interação e a produção do conhecimento e do saber. Na sociedade da informação, a democratização do acesso à informação de qualidade está no centro dos debates, e por isso, a necessidade de políticas públicas de informação e acesso permitam o combate aos pensamentos autoritários e práticas institucionais arbitrárias que recolhem os arquivos da esfera pública aos domínios de um dono personificado, transformando-os em território privado e restrito, ou simplesmente, dedicam-se a prática de entregá-los ao desuso e possivelmente a deterioração como estratégia de ocultação de informações e práticas obscuras (Jardim1999a, p. 52-53).

Neste contexto, as investigações informacionais impulsionam-se nas ciências sociais, nomeadamente a sociologia, a antropologia, a etnografia e a história; e as técnicas e as práticas da Biblioteconomia e da Arquivística, dos sistemas de informação, e das tecnologias da informação, no esforço de compreensão do fenômeno da informação social, de acordo com seus desdobramento na realidade social (da Silva, Ribeiro, Ramos, & Real1999); da mesma maneira, que o resultado palpável de tal convergência é, sobretudo a possibilidade de formular projetos de investigação transdisciplinar em que a informação opera como vetor da cultura informacional nas práticas sociais observados na obra de Bourdieu em uma verticalização para campo da informação no intuito de capturar as diferentes evidências locais dos processos culturais e das práticas sociais (Marteleto2017).

No entanto, o levantamento realizado pelos autores deste estudo junto a literatura na área da Ciência da informação e da Arquivística com a temática do acesso às organizações para busca dados e informações arquivísticas, constatou que a produção se direciona nas estratégias de organização das informações institucionais e os mecanismos utilizados na gestão da informação que operam no centro das necessidades funcionais e administrativas de órgãos públicos para tomada de decisão e/ou preservação da memória social (Jardim1999a, p. 75), e dessa forma, revela a carência de pesquisas com foco em outros aspectos do acesso. Diante disso, como se propõe este estudo, é necessário ampliar o olhar sobre o acesso às informações, entendendo-o como um processo informacional e comunicacional que pode começar fora das organizações produtoras, e sobretudo, observar se essas organizações, especialmente as de natureza pública, são acessíveis às demandas informacionais da sociedade. No âmbito da pesquisa social em organizações policiais, há, nitidamente, um campo de tensão relacionado ao acesso ao qual possibilitou, no escopo desta análise, o desenvolvimento de conceitos como “Relações Sociais de Acesso” e “Pré-acesso” a partir dos aportes gerais presentes na literatura científica notadamente a Ciência da Informação e a Antropologia, proveniente das interações entre indivíduos e grupos nas dinâmicas sociais e informacionais estabelecidas no campo.

Diante dessas observações, este trabalho tem sua contribuição acadêmica para entendimento dos mecanismos e renovação das estratégias aplicadas no acesso às organizações públicas e as relações sociais edificadas no campo, principalmente, porque as discussões sobre acesso às organizações ou relatos de restrição de acesso limitam-se as notas de rodapé e/ou parágrafos introdutórios. A sociedade tem, em contrapartida, um sinal de alerta para a reivindicação de políticas públicas acesso às informações e dados (Jardim1999a), sobretudo na formulação de instrumentos normativos mais favoráveis às pesquisas científicas, a fim de evitar restrições totais.

Percurso metodológico

O universo da pesquisa constitui-se de quatro delegacias de polícia do Estado do Amazonas, mais precisamente da Região do Alto Solimões, que corresponde à primeira etapa de municípios visitados pelos membros do Observatório da Violência de Gênero no Amazonas (OVGAM), que têm, segundo dados coletados, uma delegacia em cada cidade. As cidades foram identificadas pelas siglas M1 – Município 1, M2 – Município 2, M3 - Município 3 e M4 para Município 4, resguardando o sigilo de sua identificação, com intuito de guardar seus nomes e não comprometer os agentes envolvidos na pesquisa.

Os sujeitos da pesquisa são os membros do grupo de pesquisa que, mediante trabalho campo, entraram em contato com as delegacias, agentes e registros, produzindo relatos etnográficos em busca do acesso às informações custodiadas por estas organizações. Dentre os instrumentos analisados, estão à tipologia documental convencionado pelo grupo de pesquisa como “relatórios de campo”, que compõe uma mistura de relatório técnico-descritivo com os elementos da produção de texto etnográfico.

Como orientação conceitual da análise dos dados, optou-se por aderir aos conceitos de “acesso jurídico” e “acesso intelectual” concebidos por (Jardim1999b). O acesso jurídico às informações pode garantir ao usuário o acesso físico a um estoque informacional materialmente acessível, isto é, o acesso aos arquivos (como acesso às organizações que as mantém). O acesso intelectual dado ao conjunto de mecanismos de recuperação da informação viabiliza acesso pleno aos conjuntos documentais e as informações neles contidas (Jardim1999b). A “Antropologia da Informação” e o estudo sobre redes e redes sociais, preceituam subsídios teórico-metodológico fornecendo uma compressão de fatores ambientais, sociais, culturais e econômicos no entendimento do problema e as questões externas, essencialmente, na observação e formatação da rede e das interlocuções. A partir do entendimento destes conceitos e das análises dos relatos etnográficos, concebeu-se uma reflexão sobre dois novos conceitos que definiu-se, inicialmente, de “Pré-acesso” e “Relações Sociais de Acesso” com definição e reflexão explorados no decorrer deste estudo.

O método utilizado foi a análise de conteúdo de (Bardin2011) onde seus conceitos e aplicações apresentam-se em três etapas: Pré-análise, exploração do Material, tratamento dos resultados: inferência e interpretação. Na fase de Pré-análise, foi realizado primeiramente a organização do trabalho, leitura flutuante da documentação selecionada, ou seja, os relatórios de campo, e por fim, os recortes. Quanto a exploração do material realizou-se a escolha da categoria de análise: Interlocuções de acesso às informações. Concernente ao tratamento dos resultados foi realizado a interpretação dos conteúdos dos documentos e, posteriormente, a inferência direcionado pela categoria de análise da pesquisa, onde a aplicação dos recortes textuais dos relatórios de campo, bem como interpretação e inferência do pesquisador e dos autores indicados no referencial-teórico da pesquisa para compreensão dos fatos.

Antropologia da informação: Em busca das relações sociais de acesso

Os pressupostos engendrados e os esforços teóricos empregados na formulação de uma empreitada conceitual, a fim de integrar as duas disciplinas acontece no campo de tensões e reflexões da Ciência da Informação – CI, que apresenta no cerne de suas discussões a problemática da produção, distribuição e organização da informação entendidas como o caminho basilar para o exercício da cidadania e busca do conhecimento. Com estes elementos, a sua ambientação se dá no amplo e vasto pano de fundo de uma sociedade da informação, aliados a noção de “cultura informacional” em sua interação com o mundo real.

É com esta premissa que a Antropologia da informação reflete suas bases, e que tem como objetivos o estudo das questões informacionais no mundo social, uma vez que, neste cenário estão os diversos discursos, exprimindo diferentes visões da realidade em busca da “verdade”, tal como a expressão de um campo antropológico em observação as diferentes práticas sociais que afirma as construções informacionais plenamente observados neste estudo, certificando que “o encontro de diferentes disciplinas é o encontro de histórias diferentes, logo, entre culturas diferentes” analisados em Bourdieu e convergentes nas investigações no campo informacional (Marteleto2017, p. 45).

Assim, o objeto de estudo da CI, em maior amplitude, deixa de ser apenas a informação contida em suportes físicos e eletrônicos, ou seja, registrada em livros e documentos, para a sua circulação e transferência formatada na vida social, e nas suas dinâmicas relacionais, em que o sujeito põe a “informação em movimento”. Alinhado neste objeto, pode-se afirmar que uma das preocupações investigativas da antropologia da informação apoia-se em discutir e observar as condições sociais (políticas, econômicas e culturais) de produção, disseminação e uso da informação, observando está informação dinâmica na constituição do acesso, e corroborando com o escopo analítico das interlocuções de acesso direcionadas neste estudo (Jardim1999aMarteleto, Ribeiro, & Guimarães2002).

Dessa forma, a necessidade da utilização de elementos conceituais de “Rede” e “Informação” relacionados aos produtores de conhecimento do campo científico onde unidades e organismos constituem uma interação em busca do acesso frente a complexidade da estrutura formal que dificulta com objetivo de preservar o segredo (Jardim1999a, p. 67), contribuíram na construção deste sentido. Importante salientar, que o conceito de “Redes Sociais” nos estudos sociológicos e informacionais entende-se como “sendo constituída de um conjunto de unidades sociais e das relações que essas unidades sociais mantêm umas com as outras, direta ou indiretamente, por meio de encadeamentos de extensões variáveis” (Merclé, 2004, p. 4 apud Marteleto2007), onde buscou-se explorar a relação dos indivíduos na constituição de redes informacionais em contato com as organizações e as interlocuções destinados ao acesso às informações, que designou-se destacar neste estudo como “Relações Sociais de Acesso”.

Assim, o conceito de “Relações Sociais de Acesso” como idealizado nas análises, entende-se como o conjunto de indivíduos em constante interação e troca de informações constituindo uma rede de informantes como estratégia de campo com o objetivo ao acesso pleno às organizações e seus estoques informacionais. Deste modo, estas relações visam superar os ‘leões de chácara’ (Alcadipani2013) e os inquisidores do ‘campo minado’ (Silva2014), que se desenvolve fundamentalmente pela “utilização de redes pessoais e institucionais do pesquisador para entrar na organização desejada” (Bryman, 1988; Hammersley & Atkinson, 1995; Gill & Johnson, 2002 apud Alcadipani2013).

Em síntese, face dos campos que interessam a esta prática investigativa, foram relacionadas às seguintes categorias, que nortearam os trabalhos de análise, baseado na Antropologia da Informação e nas formulações conceituais: 1) cultura informacional da organização; 2) comportamento informacional (atitudes dos indivíduos e dos grupos informacionais 3) compartilhamento das informações. Estas categorias encaminharam as percepções nos relatórios de campo acerca da formação das redes de informantes e interlocuções que acontecem no âmbito da etapa do acesso, revelando-se os caminhos e descaminhos, encontros e desencontros, erros e acertos que regem as ações e estratégias dos pesquisadores frente a tarefa de transpor as barreiras das organizações em busca de seus estoques informacionais.

O acesso às organizações na pesquisa de campo: Configurando o Pré-acesso

O acesso às organizações tem se mostrado um fator preocupante para os pesquisadores na atividade de campo, apesar da presença constante da reflexão sobre acesso ao campo em estudos qualitativos de Administração em Organizações, ainda carece de análises e discussões os processos de ‘negociação do acesso’ assim como as etapas do acesso e a descrição das estratégias utilizadas (Bruni2006, p. 145). Na Arquivística e na abrangente Ciência da informação no Brasil, estas análises e discussões sobre acesso às informações em organizações policiais para fins de pesquisa não aborda este aspecto específico do acesso. Na verdade, há uma escassez de histórias fracassadas de acesso, ou mesmo de dados que demonstrem um quantitativo de pesquisas que deixaram de existir por conta de restrição total aos dados e informações organizacionais, ou que eventualmente, foram prejudicadas por acesso parcial aos registros de uma organização, dos quais os problemas específicos provém de um mesmo modus operandi a fim de assegurar conceitos conflitantes e garantir o monopólio informacional (Alcadipani2013Bobbio, Matteucci, & Pasquino1992Mendel2009). Neste caso, a etapa de “negociação do acesso” pode ser ainda mais dificultada em virtude da relutância de muitas organizações em abrir as suas portas, temerosas que seus "segredos” se tornem públicos (Bryman, 1988; Buchanan et al., 1988; Smith, 1997, 2000; Alvesson & Deetz, 2000; Gellner & Hirsch, 2001; Bruni, 2006; Johnson, 1975 apud Alcadipani2013Jardim1999a).

Em uma busca incessante de referenciais e fundamentos científicos sobre o tema, e diante de poucos resultados obtidos, emerge um campo especialmente de pesquisas organizacionais no Brasil sobre o assunto, a qual destaca-se o artigo “Confissões Etnográficas: Fracassos no acesso às organizações no Brasil” de Rafael Alcadipani 2013. No texto o autor afirma a quase inexistência de trabalhos que abordem a temática, justificando que grande parte da literatura encontra-se em língua inglesa. O trabalho constitui-se de duas etnografias fracassadas como afirma o título, em diferentes contextos e organizações: um jornal e uma força de segurança nacional. Outro estudo que enfatiza a temática específica de acesso às organizações foi “Fazendo Etnografia em campo minado” de Vanderlan Silva 2014); nesta investigação o autor apresenta a etnografia em quatro escolas do ensino fundamental e em uma penitenciária no estado da Paraíba. Neste contexto, quando comenta as negociações sobre a entrada na penitenciária.

Por certo, não se tratava “apenas” da seriedade da pesquisa, mas do controle a ser exercido sobre o pesquisador. Durante todas as audiências, a autoridade judicial sempre se portou como inquiridor, procurando avaliar o pesquisador e mensurar as possíveis consequências da realização da pesquisa e da divulgação dos seus resultados para a instituição (Silva2014, p. 3).

Similarmente, as duas etnografias compreendem relatos das dificuldades de acessos e suas negociações, este último, ainda de caráter dramática, pois são das ‘negociações’ que depende, essencialmente, a viabilização e execução da pesquisa e seus desdobramentos, afirma o autor, ao qual compreende-se comumente como obstáculo de acesso às informações e registros oriundos dos processo realizados no âmbito institucional.

Dentre os vários obstáculos colocados nas pesquisas e observados por ambos os autores, em caso específico que requer acesso ao interior das organizações, e por conseguinte, o acesso às informações e registros, duas preocupações são constantes: 1) Quais as informações que serão acessadas ou pessoas entrevistadas; 2) quais as consequências da realização da pesquisa e da divulgação dos seus resultados para a instituição. Neste contexto, surge os responsáveis por manter os segredos das organizações, como os gestores e executivos, que são aqueles que decidem, de forma estratégica, sobre a solicitação de acesso e seus desdobramentos como um método privilegiado e de ampla eficácia (Jardim1999a). Esses são verdadeiros “leões de chácara” organizacionais, e tendem a ficar preocupados com a possibilidade de que relatórios de pesquisa exponham práticas institucionais para o público em geral, ou, até mesmo, sejam utilizados em demandas judiciais contra a organização.

O que torna o tema mais antagônico são os obstáculos de acesso às organizações e seus estoque informacionais serem visto com certa “naturalidade” para os condutores de pesquisa científica, e insistentemente o assunto permanece na obscuridade ou reduzidas a prefácios e notas de rodapé explicativas. Diante disso, que “a questão do acesso tende a ser tratada como uma das etapas práticas e não reflexivas [...]. É uma questão vista como quase não problemática” (Alcadipani2013, p. 3). Assim, a tendência indica que quanto mais tempo o pesquisador pretende ficar na organização e quanto mais sensível for o tema da pesquisa, mais dificuldade o mesmo terá para conseguir o tão necessário acesso, sem o qual a pesquisa não poderá ser realizada. Tal situação é particularmente delicada em estudos etnográficos que em geral, requer um longo período de tempo na organização a ser pesquisada (Bate1997), embora consulta de fontes documentais produzidas pelas organizações e análise das suas práticas acarrete em desconforto na etapa de negociação do acesso.

O mais flagrante dos casos onde os descaminhos dos acessos às informações institucionais prevaleceu em detrimento a pesquisa, foi demonstrado com a claridade e ênfase necessária na pesquisa apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de Ana Letícia de Alencastro Vignol na Universidade Federal de Santa Maria/RS, intitulada “Acesso Limitado: As Lacunas da Informação institucional do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa” que consiste em um relato de restrição de acesso às informações institucionais que afetou diretamente os objetivos da pesquisa, como expõe a autora na introdução do estudo.

A problemática desta pesquisa compreendia analisar os objetivos norteadores da fundação de um Museu de Comunicação em um período de forte repressão às liberdades de expressão, sobretudo às comunicações, imposto pelo AI5 [...] seria necessário pesquisar e analisar a documentação referente ao histórico do funcionamento da instituição, ou seja, ter acesso ao seu arquivo administrativo. Porém, há limitações no que tange ao acesso das referidas informações, restrições foram feitas e em uma determinada situação, foi vetada a aproximação com a maior parte das fontes primárias, sendo impossível descobrir se as mesmas existem ou não. Devido a estas impossibilidades o foco do estudo foi alterado. [...] As tentativas quase que totalmente frustradas feitas junto à instituição e em alguns órgãos a ela vinculados mostraram que não há interesse em pesquisas que privilegiem o funcionamento de referido museu (Vignol2009, p. 11-12).

A mudança do foco da pesquisa que teria como objeto base a história administrativa do museu, e de forma abrupta, porém, não menos colidente, a alteração para as ‘lacunas do acesso’ à informação institucional revelou o caráter singular do estudo arquivístico: onde há restrições de acesso e o tema veio à tona representado na problematização da questão. Entre outras coisas, a negação do acesso assemelha-se a caminhar por lugares obscuros ao manto que cobre os seus segredos nas organizações, especialmente quando a pesquisa circunda um período conturbado da história do Brasil, caracterizado pela violação de direitos fundamentais, como relatado pela autora.

Neste cenário, dos quais encontram-se conflitos no acesso às informações/dados/registros para pesquisa histórica e social, permitiu-se observar e refletir a configuração do conceito de Pré-acesso entendendo-o, inicialmente, como uma etapa estruturante que ocorre ao redor da organização, refletindo o conhecimento e a informação na cultura local, bem como o emprego teórico-metodológico da noção de rede, o que denominou-se “rede de informantes” ou “rede informacional” (Marteleto2002). Torna-se importante a percepção conceitual da noção de “terceiro conhecimento”, em uma forma distinta de observar o uso da informação, e toda conjuntura informacional acerca da rede, seja dentro ou fora das organizações, fornecendo ao pesquisador/observador uma referência para interpretar as práticas informacionais que têm lugar no mundo social e suas dinâmicas (de Azevedo2006). Desta noção, portanto, de entendimento complexo, onde as relações de troca informacional são progressivas e mutáveis, que foi possível perceber e refletir o conceito de “Pré-acesso” como uma etapa do acesso por meio das relações sociais no campo.

O “Pré-acesso” como idealizado por meio da análise das estratégias de campo, com o sentido do prefixo “Pré” onde entende-se como o que acontece antes, isto é, um período de preparação, uma etapa do acesso que estrutura-se como o processo que antecede o acesso jurídico (acesso às organizações), e por conseguinte o acesso intelectual que corresponde ao acesso aos estoques informacionais das organizações e seus conteúdos (Jardim1999a). Em sumo, a concepção do “Pré-acesso” pode-se conceber também um caminho para o acesso às organizações percebidos como “etapas” do acesso, por isso, compreende-se o percurso: Pré-acesso, Acesso Jurídico e Acesso intelectual, resultando no acesso pleno. Por esse motivo, aplica-se a etapa de ‘Pré-acesso” como sendo as preparações no campo por meio do uso de redes de contatos, ação de interlocutores e as relações informacionais que se dão no campo de pesquisa, isto é, compreende-se como ações externas funcionando igualmente a um mapa ou bússola para adentrar o terreno das organizações.

As relações sociais de acesso e seus interlocutores

Para o entendimento das estratégias e mecanismos utilizados pelo grupo de pesquisa atuante na região do Alto Solimões/Amazonas, reconstruiu-se o percurso que observa desde os primeiros contatos, perpassando por conversas para a coleta de informações gerais, até detalhes que compõe relações sociais nestes ambientes, bem como aspectos econômicos e culturais da região, como percebeu os aportes conceituais da Antropologia da Informação.

O deslocamento de um município para outro, em se tratando de pesquisa em organizações, requer informações prévias e localização de organizações no território ‘novo’. No Alto Solimões não é diferente, porém como território onde o fluxo de pessoas é intenso, torna-se possível a identificação de “conhecidos” que possam oferecer estadia durante os dias da pesquisa, assim, estes mesmos conhecidos se conectam à rede de informação. O membro do grupo de pesquisa relata que desde a estadia na casa destes “conhecidos” pode-se colher informações sobre o município e obter o mapa das organizações

Acomodamo-nos, descansamos e às 15h: 00min nos reunimos com Srª. Antonia2 que nos informou a rotina da casa e também contou algumas coisas sobre o município e foi que com e que obtivemos um dos contatos mais importantes da cidade, além de nos informar boa parte das organizações governamentais e não governamentais existentes no município3.

A senhora Antônia é o primeiro contato que contribui para a interlocução do acesso, informando as organizações governamentais e não governamentais no município da região. A rede de interlocutores começa em uma despretensiosa estadia. Na M34 pode-se observar uma interlocução da coordenadora do grupo na indicação de informantes

Era encontrar um informante que nos fornecesse algumas informações sobre o município de M3 [...], pela parte da manhã conhecemos Anderson da Silva, esse indicado pela professora, esse rapaz nos deu informações sobre o município [...] foi nesse momento que indicou um rapaz chamado de Marcelo Magalhaes [...] esse nos informou sobre vários setores do município da sua cidade, nos indicou algumas associações existente e que por ele foi fundada.

Um informante contribui com detalhes sobre o município, e logo determina o encontro de um segundo informante, este provavelmente profundo conhecedor dos ‘setores’ do município. Quando um dos discentes membros do grupo pertence ao município alvo da pesquisa, pode observar uma maior facilidade de acesso às autoridades políticas e administrativas da cidade como foi no caso de M2

Fui para casa do prefeito, fiquei meia hora esperando, quando ele saiu fui logo cumprimentando e falando do trabalho e da equipe de pesquisadores acadêmico da Universidade Federal do Amazonas do Programa Observatório da Violência contra Mulher.

Diante do gestor da cidade, ou em contato direto com os agentes da instituição que se deseja ter acesso, nota-se ainda às conexões e interlocutores em constante interação. Em ambos os casos, a apresentação da coordenadora e os motivos da pesquisa são explicados

Fomos recebidos pelo cabo de polícia Aldemir Souza e pelos soldados Matheus e Cleber, cumpre-se ressaltar que os dois policiais são conterrâneos da cidade de [...] onde eu moro aguardamos uns 10min para a chegada do comandante da DIP, o delegado Humberto Soares fomos formalmente apresentados, pela coordenadora do programa, quais os motivo de tal pesquisa no município de M3, depois de feito as devidas apresentações comecei a colher informações sobre o espaço físico da DIP.

A observação e a interação com os policiais do Distrito Integrado de Polícia – DIP, permite obter informações sobre os aspectos culturais que circundam o período, até o motivo pelos quais estão em serviço.

Quando chegamos à delegacia as 08h23min o estabelecimento ainda estava fechado, com alguns minutos depois chega o primeiro policial que estava recebendo o plantão. Então se aproximamos dele e puxamos conversa. Ele é natural de M1 e entrou na incorporação há pouco tempo e está apenas fazendo reforços devidos os festejos da cidade. Passará apenas alguns dias na cidade e depois retornará a capital Manaus. [...] Enquanto isso observei a forma como os PM’s se relacionam, a conflitualidade existentes entre os PM’s que estavam ali como reforço para os festejos da cidade e os que trabalham e residem em M1, falavam uns dos outros desmerecendo o trabalho e a experiência que tinham ao longo de suas vidas.

O “puxar conversa” apresenta-se como a interação pode trazer informações e incluir os agentes internos na rede. E também, demonstra um pouco das relações entre agentes de outras cidades, e as diferenças entre ser da Capital e do interior. O que é bem explicitado como estratégia dos discentes as conversas e as observações

Entre conversas paralelas com os policiais para descontrair, ou saber coisas que a nós interessava uma pausa e outra para observar o que estava acontecendo com tamanha movimentação e entra e sai da sala do delegado.

A estratégia de interação com os agentes internos promove uma ampliação da rede de informantes, quando estes apresentam mais agentes que facilitaram o acesso dentro da instituição, e acabam por ser peça fundamental na pesquisa.

O soldado Davison contribuiu bastante para que as pesquisas se concretizassem na delegacia ele não mediu esforços em nos ajudar com as informações que estava ao seu alcance. Então o Policial Militar que estava nós acompanhado apresentou os seus companheiros de trabalho que acabara de chegar da primeira ronda matinal e eles são todos da mesma equipe e são todos reforços temporários de Manaus que por conta dos festejos foram designados para o município, e também seus representantes o Cabo Fernando responsável pela delegacia.

A interação com os agentes e observação fornece informações preciosas sobre as peças documentais, motivos do acesso aos arquivos para a pesquisa, onde detalhes são revelados no que tange ao seu preenchimento e as impressões do documento, bem como ausência de treinamento e despreparo dos agentes como observado no relato.

Em outro momento da conversa eles falavam sobre o BO que segundo eles é complicado e detém campos para informações desnecessárias como a altura e peso do autor do crime, alguns deles não sabiam como preencher o documento, e quando o fazem deixam de colocar informações cruciais para a presente pesquisa, mas é como eles dizem isso não é trabalho deles, pois não são Policiais Civis.

Os informantes, além de proporcionar dados e informações para poder subsidiar um detalhamento maior das informações institucionais que inclui o funcionamento da unidade, o efetivo e as informações sobre as práticas criminais de maior frequência na cidade, como se observa.

A DIP de M3 esse departamento policial possui 01 depósito, 01 gabinete onde o delegado atua 01 sala de investigação 01 sala de arquivo e 01 banheiro público possui um efetivo de 05 cabos, 03 soldados e 01 Delegado que é policial civil, 01 escrivão e 02 atendentes que são funcionários públicos que são deslocados de seus setores de origem para trabalharem juntamente com a polícia de M3, a DIP, até o presente momento da pesquisa havia 20 presos, sendo que as maiorias dos crimes cometidos são: roubo e tráfico de drogas ilícitas.

A rede de informantes não permite limites no âmbito institucional, onde até detentos prestam “serviços” e servem de facilitadores do acesso às informações, e esclarece uma relação de animosidade entre presos e policiais. Ambos, em relação mútua, proporcionam pleno acesso aos livros de registros.

Fiz amizade em especial com dois presos que estavam no regime semiaberto, durantes os dias que passei na DIP, foram super prestativos comigo e com os demais colegas, os policiais foram grandes parceiros durante o período da pesquisa, nos dando total acesso aos livros.

Não somente contribuem e ajudam no acesso às informações, os detentos “interlocutores” prestam serviços para organização policial de M3 em casos específicos, como relata um membro da pesquisa .

A DIP de M3 pausa para o intervalo do almoço no horário das 12hs00min, voltando ao atendimento às 14hs00min claro que os policias de serviço permanecem de prontidão para qualquer ocorrência, mas quem fica na delegacia durante o intervalo do almoço são dois detentos que estão em regime semiaberto.

Um dos aspectos políticos e culturais revelados na análise dos relatórios, chamou a atenção para um fato que prejudicou a pesquisa em M4, uma vez que o período da pesquisa coincidiu com a eleição para prefeito da cidade em 2012 no mês de outubro, concluiu.

Aprendizado que tiramos durante a pesquisa, que não devemos praticar uma pesquisa em lugares governamentais em período de eleições, pois a rotina da cidade gira em torno da politicagem e isso no nosso ponto de vista traz contribuições negativas e a não liberação de alguns dados.

A restrição do acesso aos dados e informações no período eletivo da cidade, justifica-se pela divulgação das informações que poderiam prejudicar a eleição de determinado candidato. Assim, fez-se necessário o agendamento de uma nova visita para acesso às informações institucionais, prejudicando de maneira consistente os rumos da pesquisa naquele município, bem como o seu cronograma de atividades.

Considerações reflexivas

Na teia do acesso, obteve-se relatos importantes sobre a rede e seus interlocutores orientados pelo grupo, de modo que tornou-se possível compreender as relações necessárias para “ocupar” às organizações e seus conjuntos informacionais, assim como, a dinâmica das Relações Sociais de Acesso refletem a cultural local que influencia diretamente na rotina das organizações. Neste ponto, os elementos fornecidos pela antropologia da informação mostrou-se atentar o condutor da pesquisa na análise dos relatórios, a agregar os detalhes da rede de informantes e das interlocuções internas nas organizações policiais, o que permitiu perceber os efeitos da rede na interação com seu espaço, com as estruturas do Estado, e, mais especificamente, as dinâmicas internas com “representantes” das delegacias e seus agentes (Marteleto2001).

Assim, quanto aos interlocutores e as relações sociais de acesso, o mesmo documento apresentou uma demanda de elementos que, indubitavelmente, proporcionam uma análise multifacetada dos casos relatados, a pulsão plena de novos estudos. O que permitiu elencar as seguintes observações gerais das interlocuções de acesso presentes no decorrer desta análise: a) Atuação dos interlocutores contribui decisivamente no acesso às organizações; b) Identificação de uma rede de informantes eficientes nos municípios; c) O pleno acesso às organizações, com apenas um caso de restrição justificada; d) Contribuição de agentes internos que dinamizam a coleta de dados e agilizam a recuperação da informação.

Destas colocações, é amplamente perceptível a identificação e atuação dos interlocutores de acesso na formação da rede de informantes em cada município que agiram de forma decisiva no acesso às organizações e, dessa forma, constitui elemento fundamental no acesso às informações, atuando em todas as etapas do processo, desde informantes externos com informações gerais sobre o município, tal como informações específicas de determinados agentes da organização, sobretudo no interior das organizações e na configuração do acesso pleno. O dinamismos da rede e a participação efetiva interlocutores internos fizeram-se presentes no acesso pleno, e personificada na figura dos agentes ou outros contribuintes, como detentos, que mostraram-se essenciais nos auxílios e orientações no momento da coleta de dados.

Das quatro delegacias alvo deste estudo, e analisadas por meio dos relatórios de campo, verifica-se a constituição do acesso pleno em três delegacias, perpassada as etapas de Pré-acesso e Acesso Jurídico e Acesso Intelectual, este último, que compreende a fase de contato com os documentos/registros e a recuperação da informação na coleta de dados. No caso de restrições de acesso às informações, fez-se necessário observar que as mesmas não se dão por ineficiência da rede de informantes, e sim, por questões externas às organizações, que envolvem motivações e interesses políticos, algo presente na cultura local e compartilhado por informantes externos, agentes internos e autoridades locais. O período de visitação ao município em questão, onde não foi possível o acesso à organização policial e seus estoques informacionais, coincidiu com o período exato das eleições realizadas na cidade, o que provocou um certo receio no acesso às informações sensíveis, tendo em vista que a pesquisa lida com uma tema delicado, e há uma possibilidade de gerar comoção, e com isso, “revelar” inconvenientes que, certamente, podem embaraçar as campanhas que estavam em curso e comprometer a conquista do pleito..

Por conseguinte, identificou-se que o “Pré-acesso” contribui, fundamentalmente, no acesso pleno apresentando-se como uma etapa planejada. Desta preparação, constatou-se que a rede de informantes é construída a cada interlocução provocada pelos pesquisadores, uma vez que, desencadeia ações informativas que permite agregar novos agentes, possibilitando adentrar as organizações. No território das organizações, as interlocuções com agentes internos resulta no acesso aos estoques informacionais em sua totalidade, neste caso, sem restrições a qualquer peça documental ou formulação de níveis de acesso, em que as estratégias de acesso intelectual, ou seja, coleta de dados e recuperação da informação ficam por conta dos membros do grupo de pesquisa com assessoria dos agentes. Em termos práticos, há um caminho percorrido, fundamentado nas “Relações Sociais de Acesso”: a rede de informantes estrutura e prepara o campo, expondo as distintas evidências dos processos culturais e práticas sociais (Marteleto2017, p. 45) construindo o Pré-acesso com agentes externos, enquanto as interlocuções internas arquitetam e resultam no acesso irrestrito aos estoques informacionais (acesso pleno) dentro do território da organização policial.

As “Relações sociais de acesso” formata-se em uma busca qualitativa e pessoal das informações, fundamentalmente contextualizadas pela visão do interlocutor que interpreta a sua realidade dos fatos, sobretudo porque este tipo de acesso se dá nos sistemas informais, ou seja, invisível e imune às normas e requisitos de acesso estabelecidos que asseguram o sigilo das organizações e o pleno controle de suas informações. Contrapõe-se, por exemplo, a solicitação de informações via sistemas criados propriamente com esta finalidade, como ocorre nos Sistemas de Informação ao Cidadão (SIC’s), apresentação de formulários presenciais ou outros sistemas de requisição de informações exigidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI), que são caracterizados por uma relação impessoal e mecanizada onde é possível revelar ou ocultar o solicitante, assim, entende-se não se aplicar no escopo deste estudo, uma vez que o acesso não se fez por via formalizada prevista em dispositivo legal. A construção desta rede informal de acesso e seus interlocutores formatam o conceito de “Relações Sociais do Acesso” que modela-se exclusivamente com a finalidade de estabelecer e garantir o acesso às informações organizacionais sem a necessidade de registros, instrumentos normativos ou ferramentas do aparelho burocrático que operam no interior destas organizações, o que exigido em alguns casos, apenas um documento comprovante da existência do grupo de pesquisa e seus objetivos investigativos para o fornecimento acesso irrestrito, firmando o privilégio da rede (Jardim1999a, p. 71-72). Revela-se tão claramente, que esta é uma prática comum e executada quase que inconsciente por seus atores, visto que o controle e os limites no dinamismo da criação e empenho dessas redes e seus interlocutores acontecem no seio das relações sociais corriqueiras e, proveniente disso, é amplamente praticada e corroborada por uma interação natural da comunicação e do conhecimento local, e por isso, inerente às características sociais que encontram-se na essência das pessoas, da cultura local e suas práticas.

Ao explorar os caminhos da pesquisa e suas relações construídas, complementa-se que a história social dos arquivos é, essencialmente, a história do acesso à informação social e as relações de poder que regulam as possibilidades e níveis de acesso, que fundamenta-se em um estado natural de restrição aos estoques informacionais, porém “negociáveis” (Alcadipani2013Silva2014). Vale lembrar que sem acesso, os arquivos não são arquivos e a Arquivologia não desenvolve seu papel de disciplina social, transformando-se em uma disciplina a serviço da organização e da segurança informacional do Estado. Com efeito, reduz os arquivos a meros depósitos de informação simbólica sem efeito social, que ocupam um espaço físico com materiais informacionais que não informam.

1O Projeto de Extensão Observatório de Violência contra Mulheres no Alto Solimões tornou-se Programa de caráter permanente da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, em 2014, passando a denominar-se de Observatório da Violência de Gênero no Amazonas, onde o autor principal atuou como bolsista e desenvolveu atividades de coleta de dados e organização de arquivos.

2Todos os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos envolvidos.

3Foram mantidas todas as características originais do texto.

4Os quatro municípios que compõe o quadro da pesquisa, utiliza-se as seguintes siglas: “M1” para município um; “M2” para município dois; “M3” para município três; “M4” para município quatro.

Referências

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Financiamento / Funding

Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Histórico Editorial / History

Recebido / Submitted: 29 Jun. 2017

Aceito / Approved: 08 Ago. 2017

Como citar este artigo (APA) / How to cite this article (APA)

Silva, M. A. & Azevedo, R. A. (2017). Relações sociais de acesso: redes informacionais e interlocuções frente aos documentos policiais na Região do Alto Solimões/Amazonas. AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento,  6(1), 8 – 16. Recuperado em: http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v6i1.53604

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