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O exemplo de Agrado: imagem, técnica e autenticidade

The example of Agrado: image, technics and authenticity

Resumos

Tomando como referência a personagem Agrado do filme Tudo sobre minha mãe, de Pedro Almodóvar, ensaiam-se proposições sobre um outro modo de se entender a autenticidade - desvinculado da natureza dos corpos e vinculando-se à cultura urbana e às técnicas que vêm permitindo aos corpos a realização material de um vir-a-ser sonhado - de uma imagem para o corpo. De que maneira o cinema, a partir dos exemplos dados pelos personagens apresentados em suas telas, atua na produção dessas imagens-corpos? A educação do olhar pelas imagens cinematográficas permitiria uma visão para além da imagem? Essas são as perguntas que perpassam o ensaio.

cinema; corpo; autenticidade; técnica; educação do olhar


Taking the character Agrado, from the Pedro Almodovar's movie All about my mother, the author essays some propositions about another way to understand the authenticity of an image for the human body - unlinked from the nature and attached to the urban culture and to the technology that have been allowing the materialization of the dreamed body to anyone. In which way do the movies, and the examples provided by their characters showed at the screen, act to produce these body-images? Does the eye education by movie pictures allow a vision beyond the image? These are the questions proposed in this essay.

movie pictures; body; authenticity; technique; education of seeing


DOSSIÊ: MÍDIA E EDUCAÇÃO: A PRODUÇÃO DE NOVOS SUJEITOS E NOVAS PEDAGOGIAS

O exemplo de Agrado: imagem, técnica e autenticidade

The example of Agrado: image, technics and authenticity

Wenceslao Machado de Oliveira Jr

Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).Laboratório de Estudos Audiovisuais-OLHO. E.mail: wences@unicamp.br

RESUMO

Tomando como referência a personagem Agrado do filme Tudo sobre minha mãe, de Pedro Almodóvar, ensaiam-se proposições sobre um outro modo de se entender a autenticidade - desvinculado da natureza dos corpos e vinculando-se à cultura urbana e às técnicas que vêm permitindo aos corpos a realização material de um vir-a-ser sonhado - de uma imagem para o corpo. De que maneira o cinema, a partir dos exemplos dados pelos personagens apresentados em suas telas, atua na produção dessas imagens-corpos? A educação do olhar pelas imagens cinematográficas permitiria uma visão para além da imagem? Essas são as perguntas que perpassam o ensaio.

Palavras-chave: cinema, corpo, autenticidade, técnica, educação do olhar.

ABSTRACT

Taking the character Agrado, from the Pedro Almodovar's movie All about my mother, the author essays some propositions about another way to understand the authenticity of an image for the human body - unlinked from the nature and attached to the urban culture and to the technology that have been allowing the materialization of the dreamed body to anyone. In which way do the movies, and the examples provided by their characters showed at the screen, act to produce these body-images? Does the eye education by movie pictures allow a vision beyond the image? These are the questions proposed in this essay.

Key-words: movie pictures, body, authenticity, technique, education of seeing.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Texto recebido em 07 fev. 2005

Texto aprovado em 09 abr. 2005

1 Agrado é personagem do filme Tudo sobre minha mãe de Pedro Almodóvar. (Espanha, 1999).

2 Aqui estou me reportando a Clarice Lispector, quando escreve Entendimento: "Todas as visitações que tive na vida, elas vieram, sentaram-se e não disseram nada" (1992, p. 145).

3 Para capturá-lo sem nos prendermos exclusivamente ao que a imagem nos mostra, deveríamos seguir o ensinamento da mesma Clarice, concluindo a citação acima: "(...) O que salva então é ler 'distraidamente'." (LISPECTOR, 1992, p. 34).

4 Laura Coutinho, ao aproximar as idéias de Walter Benjamin das de Pasolini, escreve: "As narrativas contemporâneas, sobretudo as mais populares, embora não prescindindo da fala, colocam ênfase na imagem. O exemplo assume assim o lugar do conselho" (COUTINHO, 2001, p. 38).

5 A personagem Agrado é interpretada pela atriz espanhola Antonia San Juan.

6 Se como mulher a atriz nos apresenta um exemplo do feminino, como personagem ela nos apresenta um exemplo do travestismo. Tensão e ironia postas no corpo diante de nós na tela e no palco do teatro.

7 Entretanto me parece que, contemporaneamente, isto não é tão verdadeiro assim, uma vez que posso passar minha vida toda usando roupas de grife ditadas pela última moda (o que significa uma temporalidade longuíssima, a despeito de cada peça em particular ter sido usada uma ou duas vezes no máximo) enquanto posso ter tendência a engordar e, quando tenho energia, faço "dietas de fome", o que me leva a ficar seis meses gordo e seis meses magro, a cada ano... uma temporalidade bem menor.

8 Ao reconhecer a linguagem audiovisual como aquela na qual este (nosso) mundo urbano se expressa, podemos dizer que perdemos a inocência de nossas experiências cotidianas de olhar e ouvir. São essas experiências, provenientes de nossos corpos em ação no mundo, que poderão ser apropriadas (utilizadas por nós próprios ou outros) como signos de uma narrativa audiovisual. Além disto, com certeza são estas mesmas experiências corporais que nos permitem e permitirão um entendimento das narrativas audiovisuais que só se tornam inteligíveis ao cruzarmos as imagens e sons que vemos na tela com nossas memórias da oralidade vivida desde o nascimento, configuradas estas em inúmeras experiências de olhar e ouvir... e agir. Assistimos cinema e tevê em reminiscências - usando a memória e fazendo alusões - daí que se torna ampliado o peso e o valor dessas experiências passadas e presentes.

9 Nos dias atuais já são veiculados modos corporais de ser negro, gordo, feio, pobre, gay, faxineiro, boiadeiro, entre outros tantos outros personagens-tipo presentes em nossas telas e telinhas. Nesse sentido, aparece um "detalhamento" daquilo que venho discutindo neste ensaio. Com os filmes, programas e novelas "temáticos" da atualidade, são muitos os personagens que nos apresentam vários modos de ser e de agir - vestir, falar, sentar, andar, olhar, etc... Por sua vez, esses modos vêm associados a tipos específicos de personalidade: boiadeiro-tímido, boiadeiro-destemido, boiadeiro-engraçado, boiadeiro-baixo, boiadeiro-alto, boiadeiro-gay, boiadeiro-apaixonado, boiadeiro-cabeludo, boiadeiro-negro, etc... Subdivisões de uma categoria para melhor atender (e enquadrar) a todas as pessoas que desejam configurar sua imagem-corpo na imagem apresentada de um boiadeiro.

10 Este pai é o genitor biológico do jovem e do recém-nascido - ambos batizados com seu nome, Esteban - que aparecem no filme. Ele é o personagem Esteban/Lola (representado pelo ator Toni Cantó). Trata-se aqui de um homem que tornou sua imagem-corpo mais próxima à de uma mulher, a partir da inserção neste corpo, originalmente masculino, de seios, cabelos longos, roupas femininas. Este personagem foi casado com a personagem principal da trama, a personagem Manuela (representada pela atriz Cecília Roth) e, depois das intervenções cirúrgicas para se apresentar como mulher, escolheu como profissão, a prostituição. Entretanto, conservou seu pênis, com o qual manteve relações sexuais, gerando filhos com duas das protagonistas do filme, Manuela e Rosa (representada pela atriz Penélope Cruz). No limite da apresentação da sua imagem corporal, o personagem-pai Estéban é também personagem-mãe, Lola.

11 Termo da oralidade popular para designar a felação.

12 Lembrando: o homem que lhe pede um boquete.

13 O mesmo acontece com a personagem de Almodóvar ao revelar ao público tão somente o que lhe convém: sua imagem-corpo, negando-lhe seu corpo-intimidade. Uma justificativa mais do que razoável para o nome escolhido para a personagem, ultrapassando a primeira camada de compreensão possível, de que seu nome seria devido à necessidade da personagem de agradar os outros. Agrado seria assim uma metáfora do cinema.

  • ALMEIDA, M. J. de. A educação visual da memória: imagens agentes do cinema e da televisão. Pro-posições, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, v. 10, n. 2, p. 29, jul. 1999a.
  • ALMEIDA, M. J. de. Cinema - arte da memória. Campinas: Autores Associados, 1999b.
  • COUTINHO, L. O estúdio de televisão e a educação da memória Campinas, 2001. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.
  • LISPECTOR, C. Para não esquecer São Paulo: Siciliano, 1992.
  • PASOLINI, P. P. Empirismo herege Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.
  • PASOLINI, P. P. Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas. In:______. Os jovens infelizes São Paulo: Brasiliense, 1990.
  • XAVIER, I. Cinema: revelação e engano. In: NOVAES, A.(Org). O olhar São Paulo: Cia. das Letras, 1988.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    09 Abr 2005
  • Recebido
    07 Fev 2005
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