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Resenha

OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Paulo Freire. : gênese da educação intercultural no Brasil. Curitiba: CRV, 2015. 120 p.

Ivanilde Apoluceno de Oliveira realizou estágio pós-doutoral em Educação, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Docente, pesquisadora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. Atualmente, coordena o Núcleo de Educação Popular Paulo Freire. Tem desenvolvido trabalhos na área da Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, Educação Popular e Educação Inclusiva. Dentre seus livros destacam-se: Filosofia da Educação: reflexões e debates (2006), Saberes, imaginários e representações na educação especial: a problemática ética da "diferença" e da exclusão social (2005) e Leituras freireanas sobre Educação (2003).

A obra em referência é fonte de pesquisa bibliográfica realizada pela autora e tem a intenção de discutir as possíveis contribuições do pensamento de Paulo Freire para a gênese histórica da educação intercultural, no Brasil.

As questões que a pesquisadora se propõe a responder sobre a temática escolhida são detalhadamente descritas na "Introdução" e formuladas a partir do reconhecimento de que a matriz de educação defendida por Freire valoriza e respeita as diferenças culturais e os saberes de experiência feitos dos sujeitos, ao não dicotomizar cultura, conhecimento e poder.

No início do primeiro capítulo, Oliveira busca subsídios de autores como Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brandão para demonstrar como a Educação Popular foi sendo gestada no cerne dos movimentos sociais que atuavam no país, entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Mais adiante, a autora defende que a Educação Popular é fruto da cultura forjada na prática social desses movimentos e tem sua origem vinculada, sobretudo, à crítica que eles faziam ao modelo de educação bancário e alienante, vigente no período.

Nesse ponto, a pesquisadora faz o interessante exercício de mostrar como os movimentos populares contribuíram para a ampliação do debate sobre cultura, ao atrelarem educação e transformação social. Para Oliveira, "[...] os movimentos populares também eram vistos como educativos na perspectiva da transformação social". (p. 36). No contexto desses movimentos havia o reconhecimento do caráter cultural e epistemológico do saber popular. Daí ele ser considerado um saber tão importante e necessário para o fortalecimento da luta política e para a mudança social quanto o saber científico.

Ainda no primeiro capítulo, Oliveira lança seu olhar sobre a atuação de Paulo Freire junto ao Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife, em especial, no âmbito da Educação de Jovens e Adultos. Tal análise enfatiza a importância que o MCP teve para a origem da educação popular freireana, que incluía pressupostos políticos-pedagógicos e um método de alfabetização de adultos, amplamente experienciado nos círculos de cultura. Esses, entendidos como espaços-tempos de ensino-aprendizagem em que a construção do conhecimento tem como ponto de partida as situações-limite vivenciadas pelos educandos e como horizonte a transformação da realidade.

Chama atenção o realce que a autora dá para a centralidade que o debate sobre "o que é cultura" (p. 42) assumiu na proposta educacional freireana posta em prática nos círculos de cultura do MCP. Oliveira deixa claro que para Freire educar é conscientizar, no sentido de ampliar a leitura de mundo dos sujeitos, de modo que esses possam se perceber como criadores de cultura e, embora condicionados, capazes de intervir e transformar as realidades opressivas e desumanizantes que vivenciam.

A pesquisadora termina o primeiro capítulo resgatando algumas das referências teóricas que subsidiaram as reflexões de Paulo Freire sobre as práticas que desenvolveu no bojo dos movimentos de educação popular e, por consequência, contribuíram para a elaboração de sua teoria educativa. Nas palavras da autora: "[A educação popular de Paulo Freire] apresenta uma gênese teórica marxista, existencialista, fenomenológica, humanista e personalista, pautada em uma visão dialético-histórica do mundo que está relacionada com a sua prática nos movimentos de educação popular". (p. 60).

Ao iniciar o segundo capítulo, Oliveira faz uma abordagem sucinta sobre diferentes concepções de multiculturalismo e interculturalidade, a partir de autores como Peter McLaren, Catherine Walsh e Vera Candau. O desdobramento da discussão sobre interculturalidade deixa transparecer a adesão da autora à essa proposição paradigmática que, na sua visão, "[...] expressa a interação, o diálogo e a inter-relação entre as diferentes culturas e ultrapassa a visão do multiculturalismo numa perspectiva pluralista cultural, cuja compreensão é a de que a sociedade é composta por múltiplas e diferentes culturas". (p. 64).

É bastante densa e instigante a construção que a pesquisadora faz para fundamentar as dimensões epistemológica e ético-política da interculturalidade. Nesse percurso, o conceito de interculturalidade vai ganhando detalhes e contornos como, por exemplo: a exigência do reconhecimento das diferentes epistemologias, sobretudo, daquelas dos grupos subalternizados, que escapam à lógica do eurocentrismo hegemônico; o compromisso da afirmação do "outro" como sujeito ético, cujas diferenças não podem ser convertidas em desigualdade e opressão; a assunção de um projeto político que tem como horizonte a transformação social, na perspectiva da humanização.

No contexto dessa discussão, são apresentadas algumas teorias e categorias fundantes do pensamento freireano em torno das quais a interculturalidade vai se fazendo presente, na visão da autora. As considerações de Oliveira acerca da teoria antidialógica e da teoria da dialogicidade permitem compreender como o diálogo, ancorado em uma "ética da solidariedade humana" (p. 82), se constitui em um caminho por meio do qual os oprimidos, pertencentes aos diferentes grupos sociais historicamente excluídos, podem potencializar as suas lutas por vida digna e respeito às diferenças.

O segundo capítulo é encerrado com um instigante debate em que a autora demonstra como a interculturalidade vai se fazendo presente nas obras de Paulo Freire, no contexto da denúncia da desumanização e do consequente anúncio da libertação. Por meio de citações diretas de textos do educador e do aporte teórico de outros estudiosos do legado freireano, a autora produz uma síntese consistente que evidencia como, em Freire, a libertação não se restringe à questão de classe social, mas implica no reconhecimento de formas específicas de opressão, tais como a de gênero, a de etnia e a cultural. Para Oliveira, o pensamento educacional freireano é permeado pela perspectiva intercultural crítica, dadas as características que o compõem.

Na última parte do livro, a pesquisadora apresenta alguns pressupostos teórico-metodológicos comuns ao pensamento de Paulo Freire e à educação intercultural. Ao defender a tese de que o debate sobre as questões do multiculturalismo esteve presente na extensa obra de Freire, principalmente a partir da década de 1990, a autora contesta a crítica de que a Pedagogia Freireana só se preocupou com questões referentes às diferenças de classe social. Apoiando-se em estudiosos nacionais e internacionais da temática e nos achados de sua investigação, Oliveira consegue demonstrar ao leitor, com grande propriedade, que o pensamento de Paulo Freire contribuiu para a gênese da educação intercultural no Brasil.

De forma geral, o livro traz significativos subsídios para aqueles que buscam se aprofundar no estudo do pensamento pedagógico freireano e/ou para os que se interessam pelo debate sobre a interculturalidade no contexto nacional.

Trata-se de uma excelente obra de introdução ao pensamento filosófico e pedagógico de Paulo Freire, pois permite compreender suas origens no bojo dos movimentos de educação popular dos anos 1960, algumas de suas raízes teóricas e categorias fundantes. Ao apontar obras do autor em que a questão do multiculturalismo se faz presente, oferece ao leitor as bases iniciais para suas próprias pesquisas e aprofundamento sobre a temática.

Por fim, traz contribuições para o campo da Interculturalidade já que comprova a influência de um autor específico na gênese da educação intercultural crítica no país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2016
  • Aceito
    23 Maio 2016
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