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Fundamentos sociais e políticos da biblioteconomia

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Fundamentos sociais e políticos da biblioteconomia

Leilah Santiago Bufrem

Mestre em Educação pela UFPR. Professor-Assistente do Departamento de Biblioteconomia da UFPR

A maioria dos autores que reflete a respeito dos fundementos epistemológicos da Biblioteconomia consideram-na uma técnicas orientada para o processamento e transferência da informação. Alguns a definem como ciência, enquanto conhecimento universal e outros, ainda, admitem que ela é uma arte, orientada para o fazer, ou habilidade prática. Pierce BUTLER, em 1933, diz que "os elementos básicos da Biblioteconomia consistem na acumulação de conhecimento pela sociedade e sua transmissão contínua às gerações, enquanto esses processos são atualizados através de registros gráficos".1 Cerca de 30 anos depois, Dr. Carl WHITE discutindo as bases da Biblioteconomia, afirma que o seu conceito moderno diz respeito ao seguro modo de conservação e uso total do porder de organizar e usufruir a herança acumulada de todas as gerações, de toda a humanidade e, em todas as formas - a palavra escrita sendo uma delas.2

Abstraindo o mérito da questão que seria motivo de outro estudo, aceita-se que, como "tecnologia aplicada", a Biblioteconomia não exclui a possibilidade de ser fundamentada em elementos das ciências puras - matemática, lógica, lingüística, - e elementos das ciências humanas - psicologia, sociologia, economia, - pretendendo ser uma teoria e uma prática.3

Aliás muitas razões sugerem a variedade de definições da Biblioteconomia, entre elas, inclusive, esta multidisciplinaridade de aspectos que circundam os limites das demais ciências, Hoje, com as perspectivas oferecidas pela tecnologia moderna, os serviços bibliotecários são cada vez mais complexos e a Biblioteconomia pode assumir foros de Ciência, enquanto conhecimento sistematizado e derivado da observação.

BENGE extrai quatro áreas principais de atividade com base na análise de diversas definições de Biblioteconomia por ele levantadas:

a) coleção de materiais apropriados para bibliotecas;

b) preservação do material;

c) organização das coleções;

d) disseminação do material ou da informação nele contida.4

Entende-se aqui, como Fundamento, a razão justificativa de um ser. Para Aristóteles, ele decorre da necessidade racional da coisa, isto é, expressa a necessidade própria do ser, enquanto substância. Neste sentido, Hengel afirma que Fundamento é a essência, o que é em si, enquanto para Leibniz ele é a razão suficiente, o que explica a possibilidade do ser. Segundo Kristian WOLFF, é a Filosofia que determina os fundamentos das coisas e, deste ponto de vista, a tarefa filosófica consiste em dar a razão suficiente, atribuir a justificativa dos seres.

O traço característico da maioria dos sistemas filosóficos imprime ao fundamento um caráter de acondicionamento. É o que apresenta a razão de uma preferência, a realização de uma alternativa. Fala-se então, em Fundamento, quando a escolha é justificada racionalmente ou a realização é existencialmente possível.

Neste sentido, e recorrendo a KANT quando se refere ao método "de como se deve tomar o rumo certo de uma ciência, pela fixação regular dos princípios, pela determinação clara dos conceitos, pela busca de rigor nas demonstrações, pela supressão de saltos temerários nas conclusões,"5 é que se procurará estabelecer os fundamentos da Biblioteconomia. São eles que envolvem e justificam as opções e a práxis biblioteconômica numa perspectiva existencial.

Na sociedade organizada politicamente as leis e as escolhas, mais ou menos democráticas, são expressões do relacionamento humano. E como o homem é um animal social, um animal político, seus esforços visam a uma forma de governo que atinja o bem-estar e a paz social. Suas escolhas têm determinado, em maior ou menor grau, formas de organização politicamente satisfatórias. Como todas as opções sociais envolvem valores e princípios, os fundamentos sociais e políticos de uma determinada ciência ou técnica aplicada é que justificam a existência desta ciência, ou seja, proporcionam sua razão suficiente. E são estes princípios, estes fundamentos, que orientam as atividades e pesquisas da ciência, que determinam seus objetivos e dos quais decorrem métodos e técnicas para melhor atingí-los.

Razão de ser de todo legítimo esforço intelectual, estes fundamentos devem ser atingidos explicitamente. Assim, a Biblioteconomia, aceita como ciência, ou tecnolgia aplicada orientada ao processamento da informação, esclarecerá seus fundamentos, quando definidos os seus valores, princípios e opções. Sem isto, de nada servirão os esforços pata a construção de leis ou teorias. Sem os necessários alicerces não há construção. O que dá sentido à Biblioteconomia sob o aspecto social e político? Quais valores determinam suas opções?

Podemos acreditar que a Biblioteconomia é agente transformador da sociedade? Acreditamos no seu poder político? Poderão ser favorecidas formas de desenvolvimento social, de democratização de oportunidades? Quais as suas contribuições para a educação formal ou não-formal?

Historicamente, os objetivos da Biblioteconomia acompanham, sempre, as opões sociais determinantes da criação e desenvolvimento das bibliotecas. A intenção com que forma construídas revelou sempre o que se esperava de suas atividades e, conseqüentemente, exigiu da Biblioteconomia que de adequasse aos valores impostos pelas sociedades.

As origens da Biblioteconomia estão marcadas pelo esplendor e a fama das bibliotecas como as de Pérgamo e Alexandria, sem falar da famosa coleção de Assurbanipal. Como parte integrante dos templos ou palácios, as bibliotecas eram guardiãs dos tesouros do conhecimento registrado sob as mais diversas formas e suportes.

Na Idade Média elas serviam de repositório dos conhecimentos e, servidas pelos scritoria, constituíam centros de produção de manuscritos. A Idade das Trevas, como foi chamado o período posterior à queda do Império Romano do Ocidente, não foi um período tão obscuro, pois a atividade monástica proporcionou ao mundo, alguns anos mais tarde, grande parte do manancial da cultura greco-romana.

O processo cultural do século XIII criou grande interesse pela leitura e os livros. Grandes coleções foram formadas e nem a Guerra dos Cem Anos ou a Peste Negra conseguiram obscurecer esta fase de crescimento cultural, limitada, todavia, aos mais afortunados, como os membros do clero, nobres e realeza. Carlos V (1364-1380) formou uma das mais belas coleções da História. Richard de BURY, Bispo de Durham, notabiliou-se por uma das mais expressivas coleções de livros, entre eles o famoso Philobiblon, um dos primeiros livros sobre livros que revela métodos para organizar a primeira grande biblioteca privada da Inglaterra.

O Renascimento, explosão de todo acervo artístico e literário, significou o retorno dos valores clássicos e a influência da razão e da liberdade política. O estímulo à leitura determinou uma demanda incapaz de ser satisfeita com os manuscritos. E como as insatisfações geram novas tecnologias, o pouco que se conhecia sobre imprensa determinou o início do processo revoluncionário de Gutenberg. Já se conhecia, desde os babilônios, o processo de imprimir em argila molhada as formas gravadas em sinetes de metal ou madeira. Os chineses, desde o século V utilizam o alto relevo para imprimir o primeiro livro xilogravado (gravado em blocos inteiros de madeira), o Sutra Diamante, cerca de 868. Tipos móveis também foram realizados na China, porém, pouco desenvolvidos.

Como o desenvolvimento tecnológico que originou os tipos móveis em metal, resultando na invenção de Gutenberg, as funções da biblioteca como repositório dos livros foram ampliadas no sentido de organizá-los racionalmente, o que constituiu sem dúvida, importante passo na evolução da Biblioteconomia. Enquanto isso, a demanda por livros aumentou visivelmente em conseqüência do Renascimento e da Reforma.

As disputas religiosas provocadas pela Reforma e Contra-Reforma intensificaram a busca de argumentos na razão e no testemunho histórico. As bibliotecas passaram a ser locais de importância para as contedas da época.

O Iluminismo exemplifica bem as alterações sofridas pelas instituições. Os valores determinantes das modificações sociais refletiam na Biblioteconomia de modo marcante. Novos grupos subiram ao poder e a biblioteca passou a servir, não mais ao filão privilegiado da sociedade, mas ao homem comum. Homens de diversas origens e culturas, interesses diversificados, ciências em fase de expansão e especialização caracterizam uma época de mudanças.

A Revolução Industrial acrescenta novos valores ao quadro, as tecnologias aprimoradas revelam a transcendência do ser humano e as suas possibilidades. Bibliotecas acadêmicas, especializadas, especiais e escolares vão aparecendo, ampliando consideravelmente o espectro das atividades e serviços bibliotecários.

Desde os meados do século passado, a Biblioteconomia vem adquirindo características diferentes, incluindo atividades que envolvem uma participação mais ativa no processo de desenvolvimento social, através de programas visando implementar a educação formal e não-formal e de comunicação de informação científica, técnica e cultural. Sistemas especiais de controle da literatura especializada passam a atuar de maneira objetiva nesse processo.

Nascem, dessa forma, os centros de documentação e informação, organizando serviços mais complexos no sentido de oferecer meios e produtos de informação mais abrangentes. Automação e serviços cooperativos são mecanismos eficientes para dinamização dessa tarefa.

A promessa de um ideal democrático é ponto de convergência de todas as novas possibilidade no terreno da Biblioteconomia e disto decorre outra atitude de trabalho. As bibliotecas americanas foram pioneiras como centros de cultura da comunidade, passando a difundir conhecimentos na forma de bibliotecas públicas, desde o século passado.

E, no mundo inteiro, as bibliotecas vão se modificando em função das necessidades sociais, das descobertas do homem e da modificação dos usos e costumes, sentimentos, filosofia e comportamento. Transformam-se as concepções políticas e sociais. Cada vez mais, a função da difusão da informação adquire relevância.

Historicamente, a Biblioteconomia evolui, e, além da preservação passa a exercer a função de organização e difusão, adquirindo esta última maior ênfase nos últimos anos. Isto porque as transformações sociais que culminaram com as bibliotecas públicas e gratuitas e com as redes de bibliotecas são frutos, por sua vez, das preocupações democráticas e das próprias reivindicações populares. Estas revertem oara uma formação capaz de elevar o grau de reflexão e consciência, fornecida por sistemas eficientes de difusão do conhecimento.

A biblioteca será uma instituição atuante e vida enquanto atender às necessidades da sociedade, procurando alcançar os valores que representam o ideal e fundamentam a ação social.

SHERA afirma que, independentemente da maior ou menor representatividade, ou significância do papel da biblioteca, ela é, em síntese, socialmente determinada.6 Pode-se concluir daí que o papel da Biblioteconomia e seus fundamentos têm sua razão de ser na sociedade.

Neste sentido, os pressupostos da tese de Sonia Conti GOMES afirmam ser as instituições sociais, e conseqüentemente as bibliotecas, parte da estrutura social onde se desenvolve o processo sócio-cultural. A biblioteca - afirma ela - é uma agência social de comunicação criada pelas instituições para reunir, conservar e difundir a cultura, sendo assim, "determinada pelo padrão estabelecido pela estrutura social".7

Em outra colocação, Pierce BUTLER fala da erudição como fenômeno que, em uma comunidade, determinará o caráter de sua biblioteca. "A erudição do grupo específico definirá o serviço que essa biblioteca possa lhe oferecer. A erudição do indivíduo estabelecerá a possível extensão e qualidade da leitura que fará. Mas o caráter erudito de cada uma dessas unidades sociais é um produto dos acontecimentos em sua experiência mental e estes, necessariamente, só podem ser explicados pela História."8

SERRAI analisa o desenvolvimento das bibliotecas e de suas funções sob a égide da História. Revela a importância dos sistemas filosóficos que se sucederam e suas implicações para a História das Bibliotecas, identificando-as a fenômenos ecológicos cuja função é favorecer a comunicação entre os homens.9

Daí a importância da História para que se fixem os fundamentos de qualquer ciência ou atividade humana. É sob a luz de análise das experiências acumuldas sofridas pelo homem, pelas gerações que se sucedem, que se pode justificar e compreender as funções sociais e políticas da Biblioteconomia. Os meios, as técnicas e os instrumentos que ela encontra para atingir os propósitos da sociedade, correspondem ao estágio de desenvolvimento desta comunidade e, portanto, são históricos. A Biblioteconomia deverá servir à sociedade em que se desenvolve e é nela que encontrará seus fundamentos. À frente dos ideais bibliotecários está o valor pedagógico e civilizador que identifica a comunidade profissional, articulando suas atividades para um fim proposto: a libertação da ignorância.

Desta forma, para entender o que é Biblioteconomia e quais são os seus fundamentos é necessário que esta busca se faça pelo caminho histórico, afirma Jesse SHERA: "para entender o que é Biblioteconomia nós devemos começar por uma avaliação dos papéis que a biblioteca desempenhou no processo de comunicação através de sua história".10 Estas regras estes papéis, em parte, decorrem das necessidades sociais e forma impostos como resultados da teorização sobre o que a biblioteca poderia ou deveria ser.

Os autores são unânimes em atribuir grande importância ao papel social que a conservação ou preservação dos documentos teve e continuará tendo para a sociedade. Sua importância, além de histórica, pelo fato de que foi ela a função original das primeiras bibliotecas ou coleções de livros, tabletes, registros gráficos da humanidade, é cultural, na medida em que contribui para a sobrevivência da sociedade. "Memória coletiva das experiências existenciais, científicas e culturais, seja do indivíduo, seja da sociedade",11 as bibliotecas e os arquivos se confundem no início da Histórica, como centros culturais de segurança contra a desintegração social. Na Mesopotâmia, preservando os registros oficiais, estes arquivos-bibliotecas incluíam documentos referentes às transações privadas. A biblioteca era uma instituição necessária como anexo às salas reais, às câmaras e conselhos.

O cuidado físico pelos livros nunca foi tão bem expresso quanto revelam os Anais dos primeiros colégios americanos. A uma certa época os regulamentos da Harvard College exigiam dos bibliotecários que tivessem todos os livros acessíveis em determinado dia, para inspeção pelo Comitê Visitador.

Os excessos nesta função de preservação são documentados em carta de Walter MITCHELL reclamando ao Presidente de Harvard da vigilância de três bibliotecários com olhos de lince e insistindo no fato de que o trabalho para obter uma referência era tão grande e tedioso pelas restrições, a ponto de desanimar.

Esta concepção restrita de funções da Biblioteconomia revelou uma imagem nem sempre positiva aos olhos leigos, chamada por alguns de bibliomania e causadora da imagem do bibliotecário neurótico e mecanicista, carimbando fichas, multando leitores retardatários e exigindo silêncio, enquanto "ninguém recrimina o bibliotecário que deixa o livro morrer na estante por falta de uso".12

Embora, em certas épocas, aparatosa ou símbolo de status, a biblioteca-museu cumpriu e cumprirá uma necessidade social. Alguns registros são essenciais para a preservação e desenvolvimento cultural e eles se tornam tão importantes quanto a criação humana para a transformação social.

Com o tempo, o homem descobriu que as funções da biblioteca não se limitavam à preservação, mas oportunizavam ao homem aquisições pessoais inestimáveis, prestígio social, poder e energia.

O conhecimento acumulado das gerações que se sucedem deve ser, além de preservado, transmitido, funções historicamente inseparáveis da Biblioteconomia. Todavia, os conhecimentos são transmitidos por outras instituições além da biblioteca; entre elas a escola, que proporciona um ensino formal, visando à conscientização do aluno, revelando a herança cultural do passado e tentando educá-lo para a vida. Esta educação formal é baseada em planos e currículos determinados e se completa pela educação chamada não-formal, também dita permanente ou auto-educação, promovida pelas instituições culturais, pelos meios de comunicação e todas as atividades sociais que envolvem a transmissão de conhecimentos, a formação de atitudes e habilidades.

Historicamente, a biblioteca vem cumprindo funções educacionais, tanto sob o aspecto formal, quanto informal. Como apoio à instrução religiosa do Antigo Egito e dos povos de Israel e Judá, as bibliotecas estavam fisicamente ligadas aos templos. Durante a Idade Média os mosteiros conservavam em suas bibliotecas as obras que, pelo seu conteúdo, serviam de instrumento à revelação dos valores religiosos e morais.

Sob o ponto de vista forma, a biblioteca tem colaborado desde a época da escola sumeriana, como centro de aprendizagem, de transmissão da cultura e dos valores sociais. No mundo grego as bibliotecas apoiaram os ideais educacionais.

Nos séculos VIII e IX Alcuíno tornou a biblioteca indispensável como auxílio à escola.

As universidades americanas sempre valorizaram especialmente as bibliotecas, como apoio institucional à educação formal: "Sem a biblioteca a Escola poderá perder sua mais importante característica, e até mesmo sua identidade".13 Esta afirmativa de Christopher LANDGELL, em 1873, releva o grau de importância que foi atribuído às funções da biblioteca como promotora dos objetivos educacionais.

A biblioteca pode satisfazer igualmente os desejos e as necessidades da comunidade com vistas à auto-educação e o autodesenvolvimento. Vários tipos de bibliotecas sociais voltaram-se para esta função, em movimento que desembocou nas bibliotecas públicas, em expansão a partir da metade do século XVII. Um tipo de biblioteca, organizado especialmente com o propósito de satisfazer as necessidades de recreação foi aquela de empréstimos, atualmente generalizada no mundo inteiro.

No campo da educação de adultos a biblioteca tem desempenhado papel de fundamental importância, ajustando e adaptando meios de estimulação cultural e possibilitando, através destes, maior mobilidade social.

Aceitando-se a crise da instituição escolar como fato consumado ou não, é evidente o descompasso da escola em relação aos anseios da sociedade. Se a escola está morta como afirmam ILLICH e seus seguidores, são necessários novos mecanismos, dinâmicos e livres do formalismo e estratificação que caracterizam a educação formal em muitos países. E estes mecanismos poder ser impulsionados por instituições vivas e atuantes. Devem ser colocado as novas propostas para a solução da crise. Especialistas convocam estudiosos para que procurem novas alternativas de transmissão de conhecimentos, entre elas a biblioteca, enquanto proposta efetivamente adequada aos anseios da sociedade. As instituições só morrerão quando deixarem de atuar de forma coerente e estimulante. Portanto, se a escola está morta, a biblioteca não se deve deixar arrastar para o mesmo fim trágico. E o que se poderá fazer? A promoção da leitura, a transformação resultante dos valores emanados do processo e do produto por si sós, justificam a existência da biblioteca.

A leitura contribui para o desenvolvimento moral e intelectual do homem e da sociedade como um todo, e sua promoção, conseqüentemente, justifica e fundamenta a Biblioteconomia como ciência ou técnica, e está intimamente ligada com o processo educacional.

O homem que lê está informado e adquire conhecimentos que necessariamente ampliam suas oportunidades e opções. As alternativas que encontra para suas escolhas, como um ser destinado a ser livre, são maiores e sendo maiores, mais consciente será sua escolha.

A dinamização da leitura é um processo de ampliação de oportunidades e, portanto, de ampliação do poder individual e social. O ato de ler, enquanto apropriação dos registros culturais, é ato especificamente humano, que permite análise, transformação e benefício, como processo e conseqüência.

Conquista da espécie, a leitura possibilita a participação do homem na sociedade em termos de compreensão do presente e do passado e participação consciente no futuro.

Um dos requisitos básicos para o desenvolvimento da leitura na sociedade é a criação de instituições que atuem no sentido de estimulá-la desenvolvendo formas de convívio atrativas e propiciadores de atitudes que traduzem os projetos pessoais no permanente diálogo homem-mundo.

É fundamental para atingir plenamente este objetivo, a existência de mecanismos que facilitem o encontro do leitor com as fontes mais convenientes e adaptadas ao seus interesses.

Considerada como uma das mais essenciais atividades sociais, a disseminação da informação faz das bibliotecas instituições básicas para o desenvolvimento das ciências e das técnicas e o conseqüente bem-estar fa humanidade, ideal consubstanciado nas atividades e esforços de pesquisadores e cientistas.

Está latente nestes esforços, a idéia de oferecer um bom serviço à comunidade, o mais amplo e completo possível. Assim, recorre-se à automação e ao trabalho cooperativo como mecanismo para dinamizar esta tarefa. A instituição de redes e sistemas de informação é a tendência mais atual para o aperfeiçoamento destes serviços. O bibliotecário está tomando consciência de sua resposabilidade como gerador da informação e, conseqüentemente de energia, de poder e vitalização. A Biblioteconomia, por sua vez, empreende novas tarefas, amplia as conexões epistemológicas e revela cada vez mais o poder político da sua ação.

Os papéis políticos que a Biblioteconomia vem cumprindo através da História estão intimamente relacionados com as funções sociais e educacionais que as bibliotecas exercem.

O plano de Júlio CESAR para o estabelecimento de bibliotecas públicas em Roma, e que só foi concretizado após sua morte, revela as aspirações de um governante no sentido de preparar o povo visando a uma participação mais efetiva nos negócios do Estado.

O homem como membro de uma sociedade, deve participar de sua administração, de sua organização social e política. A coisa pública não pode ser gerida autoritariamente e, quando isso acontece, os meios de comunicação são censurados, a leitura é restrita e os limites culturais estreitam-se de modo a sufocar as manifestações livres.

O homem é, como ser social, igualmente um ser político. Ele tem o dever de optar e revelar, em suas atitudes, as escolhas e valores pelos quais lutará, uma vez que, também pela sua natureza é um ser livre.

Assim como ninguém age gratuitamente, nenhuma profissão é neutra ou apolítica desde que ela se fundamenta e encontra sua razão de ser na sociedade. A informação política é foco do processo decisório e neste sentido a Biblioteconomia assume importante papel, enquanto facilitadora do processo de transferência da informação, de promotora da divulgação do conhecimento.

As instituições como meios de concretização de ideais e valores devem definir os objetivos de sua ação coletiva, os propósitos de suas atividades e devem igualmente fixar suas responsabilidades, delinear funções e estabelecer direitos e deveres, privilégios e formas de relacionamento.

Mitos, como a neutralidade da Biblioteconomia e o livre acesso à informação, devem ser cuidadosamente analisados e desmascarados. As bibliotecas são instituições políticas, assim como o homem. A democracia é uma necessidade e não um luxo. Informação é poder e, sem dúvida, poder de decisão. Se a ciência está em crise, esta talvez decorra de sua indefinição, de sua ignorância quanto à sua própria razão de ser. Saber é ter o poder de analisar, de agir e de transformar, e esta verdade é fundamental.

O processo cultural exige, portanto, um trabalho conjunto e integrado de pessoas, instituições e serviços. A Biblioteconomia, fundamentada em valores sociais e políticos, impõe-se no concerto das ciências, revelando potencial incomensurável no sentido de proporcionar, de forma cada vez mais eficiente o acesso à informação e à democratização do saber. É tempo de se reconhecer os seus fundamentos científicos já delineados historicamente, para que todo o seu corpo teórico sistematizado revele claramente as relações com a realidade social e política, razão de ser de todo esforço humano consciente.

NOTAS E REFERÊNCIAS

  • 1 BUTLER, Pierce, citado por GATES, J. K. Introduction to librarianship New Yok, McGraw-Hill, 1968. p. 3.
  • 2 WHITE, Carl, citado por GATES, J. K. _______. p. 4.
  • 3 ANDRADE, Ana Maria Cardoso et alii. Algumas considerações acerca da situação epistemológica da Biblioteconomia. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, 10(2):159, set. 1981.
  • 4 BENGE, Ronald. Libraries and cultural change London, Clive Bingley, 1970.
  • 5 KANT, Immanuel. Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão, 1787. In: TEXTOS seletos. Petrópolis, Vozes, 1974, p. 60.
  • 6 SHERA, Jesse. The foundations of education for librarianships New York, Becker an Hayes, 1973, 511 p.
  • 7 GOMES, Sonia de Conti. Bibliotecas, sociedade da primeira república São Paulo, Pioneira, 1983. p. 6.
  • 8 BUTLER, Pierce. _______. p. 71.
  • 9 SERRAI, Alfredo. História das bibliotecas como evolução de uma idéia e de um sistema. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, 4(2):141-61, set. 1975.
  • 10 SHERA, J. ______. p. 135.
  • 11 SERRAI, A. _______. p. 142.
  • 12 MIRANDA, Antonio Cecily, ou a misão do bibliotecário. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, 8(1):12, mar. 1979.
  • 13 LANGDELL, C.C.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1985
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