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O professor em filmes americanos (1955-1975): imagem, cultura e história

Teachers in the movies (1955-1975): image, culture and history

Resumos

Este artigo é resultado do exame crítico de uma seleção de filmes americanos produzidos dos anos 50 até meados dos anos 70, os quais representam histórias de professores. Direcionamos a análise de modo a tentar observar como os professores são romantizados nos enredos com o objetivo de disseminar (ou não) a doutrina do American Way of Life em diferenciadas circunstâncias contextuais. Essas observações tentam demonstrar a plasticidade dos valores atribuídos a essas caracterizações, que freqüentemente retratam arquétipos profissionais, algumas vezes transformados em mitos. As escolas nas quais esses professores trabalham, podem também ser interpretadas como pequenas réplicas da sociedade americana.

filmes; professores; cultura


This article is the result of a review of selected American movies made in the 50's to the mid-70's, which depicted teachers. The focus was analyzing how teachers were romanticized in the plot with the objective of disseminating (or not) doctrines of the American Way of Life, in different contextual circumstances. These observations tried demonstrate the plasticity of values attributed to these characters often portrayed as professional archetypes, in some instances almost transformed in myths. The Schools in which they teachers worked could also be interpreted as smaller replicas of the American society.

films; teachers; culture


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

O professor em filmes americanos (1955-1975): imagem, cultura e história

Teachers in the movies (1955-1975): image, culture and history

Susana da Costa Ferreira

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná - UFPR. Professora do Setor de Educação da UFPR. susana@ufpr.br

RESUMO

Este artigo é resultado do exame crítico de uma seleção de filmes americanos produzidos dos anos 50 até meados dos anos 70, os quais representam histórias de professores. Direcionamos a análise de modo a tentar observar como os professores são romantizados nos enredos com o objetivo de disseminar (ou não) a doutrina do American Way of Life em diferenciadas circunstâncias contextuais. Essas observações tentam demonstrar a plasticidade dos valores atribuídos a essas caracterizações, que freqüentemente retratam arquétipos profissionais, algumas vezes transformados em mitos. As escolas nas quais esses professores trabalham, podem também ser interpretadas como pequenas réplicas da sociedade americana.

Palavras-chave: filmes, professores, cultura.

ABSTRACT

This article is the result of a review of selected American movies made in the 50's to the mid-70's, which depicted teachers. The focus was analyzing how teachers were romanticized in the plot with the objective of disseminating (or not) doctrines of the American Way of Life, in different contextual circumstances. These observations tried demonstrate the plasticity of values attributed to these characters often portrayed as professional archetypes, in some instances almost transformed in myths. The Schools in which they teachers worked could also be interpreted as smaller replicas of the American society.

Key-words: films, teachers, culture.

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Texto recebido em 27 mar. 2002

Texto aprovado em 24 mai. 2002

1 Usamos aqui o conceito de hegemonia de Gramsci, que observa na análise de diferentes relações de força "que determinam uma situação (...) no momento em que (...) a luta puramente econômica de um grupo se eleva a um plano universal, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados". (GRAMSCI, 1978, p. 30, nota n. 10 da edição francesa).

2 Para Umberto Eco, pode ser reconhecida como típica uma personagem que, pela organicidade da narrativa que a produz, adquire uma fisionomia completa, não apenas exterior, mas intelectual e moral. (ECO, 1970, capítulo: As personagens).

3 Para as finalidades deste artigo, as preocupações se relacionaram mais de perto a alguns aspectos do "igualitarismo americano", da "democracia majoritária", da "doutrina puritana", do "isolacionismo" e do "imperialismo" (FICHOU, 1990).

4 "Quando se diz de um autor, que ele não estuda a linguagem cinematográfica, mas os filmes, entende-se por isso que ele tenta estabelecer o modo pelo qual são constituídos os filmes (tomados um a um), a organização de seus temas e de seus motivos, o uso singular que nele se faz dos diversos processos cinematográficos, as relações que unem esse uso ao conteúdo, etc." (METZ, 1980, p. 84).

5 O American way of life é entendido principalmente como conquista do trabalho organizado, nos Estados Unidos. Os trabalhadores sindicalizados começaram a definir o American way of life não mais pela livre concorrência e a corrida industrialista ds anos 20, mas pelas condições de igualdade econômica, justiça social e direitos humanos e em particular por um salário decente para suprir as situações de doença, velhice e desemprego (FONES WOLF, 1994, p. 84).

6 O Cinemascope, o Cinerama e o Cinema em 3D apareceram como técnicas inovadoras que procuravam vencer uma crise do cinema, provocada num primeiro momento pelo decreto antitruste de 1946 e depois pelo expurgo do meio cinematográfico, efetivado pelo Comitê de Atividades Antiamericanas, nos anos 40/50, que pretendeu a eliminação de todos os comunistas de seus respectivos empregos em Hollywood (SKALAR, 1975, p. 305). Tal comitê instaurou o medo e a censura e ocasionou o afastamento de muitos dos melhores escritores e diretores de Hollywood. Além disso, o cinema passou a enfrentar, nos anos 50, a concorrência da televisão. O primeiro filme em Cinemascope, que aparece em 1953, The Robe (O Manto Sagrado), foi dirigido por Henry Koster, o mesmo diretor do filme que estamos analisando, também produzido em Cinemascope. A inovação constituia-se na possibilidade de projeção da imagem em uma tela alongada, cujas dimensões eram bem maiores do que a das telas comuns.

7 As palavras grifadas foram retiradas do filme Ocaso de uma alma, de 1955. Um ex-aluno da professora protagonista, ao encontrar o colega judeu Maurice, então famoso escritor, diz ter orgulho dele e enfaticamente pronuncia a seguinte frase: quando escuto algum idiota comunista falando mal do país, digo p'ra ele: olhe o meu amigo Rabí Levin e veja se ele não acha que a América ainda é "a terra das oportunidades".

8 Depois de perder a indicação para candidato a Presidente do Partido Democrata para John F. Kennedy em 1960, Adlay Ewing Stevenson II foi indicado pelo presidente para representante nas Nações Unidas em 1961 (YANAK; CORNELISON, 1993, p. 368).

9 Martin Ritt foi listado pela Comissão Parnell Thomas em 1951, por filiação anterior ao Partido Comunista, e passou a ter dificuldades em sua carreira de ator de teatro, cinema e TV. Ritt começou a lecionar no Actor's Workshop para alunos como Paul Newman, Rod Steiger e Lee Remick. Seu primeiro filme como diretor é de 1957: Edge of the City. Passou então a produzir filmes críticos sobre os problemas sociais americanos como Norma Rae (1979) e Stanley & Iris (1990), seu último filme.

10 Não estamos observando o sentido mais abrangente de hábitus das reflexões de Bourdieu, mas sim aproximado, no que esse autor indica também o hábitus como: uma maneira de ser, um estado habitual e, em particular, predisposição, tendência, propensão ou inclinação (BOURDIEU, 1983, nota 20, p. 61).

11 O que significa, para Saviani, passar de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional ativa e cultivada (SAVIANI, 1980, p. 10).

12 Dialektik der Aufklärung, de HORKHEIMER e ADORNO (1947).

13 "A nomeação de Goebbels, em 1933, para o Ministério da Propaganda, marcou uma virada decisiva na vida cultural alemã (...) Goebbels era o responsável pela organização das artes. Dirigiu o serviço de cultura, órgão dividido em seis câmaras especiais consagradas à literatura, teatro, música, rádio, imprensa, belas artes. O cinema já tinha sido incluído anteriormente (...) O nazismo apresentou um projeto de embelezamento do mundo através da erradicação do feio, do sujo, do maléfico, do impuro. O objetivo mais alto da cultura era a expressão da raça ariana. A idéia de raça pura coincidia com a cultura superior" (CAPELATO, 1998, p. 101).

14 Para Prokop, afinação de um produto significa reflexão, o cuidado com os detalhes, a representação conseguida. Afinação significa que, por exemplo, nada se autonomize, nem a representação dos atores, nem o movimento da câmara, nem a decoração, nem o texto (PROKOP, 1986, p. 155).

15 O isolacionismo americano é estudado por Fichou como uma tendência fundamental da civilização americana que se coloca contra o expansionismo e o imperialismo. A história do país foi marcada pela existência desses polos, entre os quais balançam constantemente as autoridades federais, as potências econômicas e a opinião pública, que se deixa atrair por um ou outro em função de situações interiores e exteriores. As forças que agiriam de modo constante a favor do isolacionismo seriam as lembranças coletivas de sofrimentos sob a dominação européia, os ideais originais de George Washington e a teoria dos dois oceanos (consideraram-se por muito tempo protegidos entre o Atlântico e o Pacífico, de tal forma que até hoje os estrangeiros são considerados do além-mar na linguagem comum). Aderidas estão as necessidades de proteção da indústria nacional (FICHOU, 1990, p. 122-123).

16 A teoria da fronteira é a mais amplamente utilizada para explicar a civilização americana e também a que causa maiores polêmicas. Formulada em1893, por Fredrick Jackson Turner, refere-se à progressão dos pioneiros, dos fazendeiros, dos artesãos e depois dos comerciantes e dos prestadores de serviços que, em ondas sucessivas, ocuparam o Oeste do país. Esta zona em contínuo movimento, em que os pioneiros estão em contato direto com a terra virgem e com os povos índios - os quais pertencem a uma civilização totalmente diferente - faz surgir novas atitudes que contribuem para formar o caráter nacional (FI-CHOU, 1990, p. 21-22).

17 Conhecemos mais duas versões a partir do mesmo roteiro: a de David Greene, de 1965, a de Daniel Petrie, de 1988, e sabemos de uma versão para televisão, de 1999.

18 Do grego Kyklos, círculo, e do celta klan, raça, tribo. Sociedade secreta dos Estados Unidos fundada em Pulaski, no Tennessee, em 1865, com a finalidade de manter sempre puro o sangue da raça e da religião protestante. Teve seu auge em 1924.

19 Joseph R. McCarthy fez parte do Senado Americano como representante de Wisconsin pelo Partido Republicano em 1946 e em 1950. Ganhou proeminência com acusações de infiltração comunista no Departamento de Estado e nas Forças Armadas. Seus ataques custaram os empregos e as carreiras de milhares de pessoas. Seus métodos de agressão, televisionados em1954, acabaram por fazê-lo perder o apoio público e causaram sua saída do Senado em 1954.

20 Conjunto de medidas organizadas para a recuperação econômica e social dos Estados Unidos em 1932, coordenadas pelo Presidente Roosevelt, do Partido Democrata.

21 Trabalhos de agulha e bordados a partir de retalhos, acolchoados ou colchas.

22 O Final Feliz é uma solução do cinema americano que pode ser vista como conseqüência do pragmatismo. Pode corresponder ao otimismo histórico dos americanos e a uma forma de moralismo para o qual não basta uma responsabilidade difusa. É necessário que a culpabilidade se concentre na culpabilidade de alguns ou de alguém, que passam a ser, por conseguinte, os maus da "fita", que devem ser castigados devidamente nessa vida. Isto reflete as exigências de um puritanismo cujas pegadas se encontram em toda parte na sociedade americana (ESCUDERO, 1961, p. 195).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2002

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2002
  • Aceito
    24 Maio 2002
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