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"Talvez eu não seja um homem" - antropomorfia e monstruosidade no pensamento ameríndio

Marco Antonio Valentim

Resumo


Em vista do contraste proposto por Viveiros de Castro entre antropocentrismo ocidental e antropomorfismo ameríndio, o ensaio procura problematizar essa segunda noção através do estudo de algumas das etnografias em que se baseia a formulação do “perspectivismo cosmológico”. Para tanto, são analisados (i) variantes conceituais, nem sempre equivalentes, do postulado antropomórfico na obra do antropólogo; e (ii) modos divergentes da diferença ontológica entre humanidade e não-humanidade em algumas cosmologias. Levanta-se a hipótese segundo a qual o perspectivismo ameríndio comporta, em vez de uma concepção unívoca de humanidade, um conflito permanente entre antropomorfia e monstruosidade: uma sabedoria humana, “antropocêntrica”, entendida como crítica cultural da sobrenatureza, contra uma sabedoria extra-humana, teratológica, como crítica sobrenatural da cultura – e vice-versa.

Palavras-chave


antropomorfismo; antropocentrismo; humanidade; metamorfose; monstruosidade

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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/campos.v15i2.42905

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