Avaliação da eficácia da “política mandatória” em repositórios: um estudo de caso no Instituto Politécnico de Castelo Branco – Portugal

Evaluating the effectiveness of the mandatory policy in a scientific repository: Castelo Branco Polytechnic Institute – Portugal, a case study

Maria Eduarda Pereira Rodrigues, António Moitinho Rodrigues

Resumo

Introdução: Apresentam-se os resultados de um estudo sobre o efeito da aprovação e implantação da Política de Depósito de Documentos (PDD) no Repositório Científico do Instituto Politécnico de Castelo Branco - Portugal (RCIPCB). Método: O trabalho foi dividido em duas partes. A primeira parte diz respeito à posição dos docentes/investigadores sobre a PDD e sobre o arquivamento dos seus documentos científicos no Repositório; a segunda parte diz respeito ao desempenho do RCIPCB enquanto tal. O estudo foi realizado mediante a aplicação de um inquérito distribuído online aos docentes/investigadores do IPCB (n=505), sujeito a uma análise estatística descritiva. Resultados: 96,6% dos docentes/investigadores informaram conhecer o RCIPCB; 66,0% dos inquiridos respondeu conhecer a PDD; apenas 11,9% dos respondentes indicaram ter depositado de quatro a mais documentos da sua produção científica de 2011 no Repositório; e, 50,8% dos docentes/investigadores referiram não terem depositado qualquer documento relativo a 2011. As razões mais invocadas para este comportamento foram: a falta de tempo (43,5%); questões relacionadas com direitos de autor (21,7%); e o esquecimento (17,4%). Após a aprovação da PDD houve uma redução no número total de documentos depositados (10,3%) e do número de documentos autoarquivados (44,0%). Conclusões: Conclui-se que a PDD não produziu os resultados desejados nem ao nível do autoarquivo, nem ao nível do crescimento do Repositório pela via do arquivo mediado.  Considera-se ser necessária a adoção de medidas complementares de fomento do arquivo e do autoarquivo no RCIPCB.

Palavras-chave

Repositório Científico. Política de depósito de documentos. Avaliação de desempenho.

Abstract

Introduction: It presents the results of a study on the effect of the adoption and implementation of the Policy Repository Document (PDD) at the Polytechnic Institute of Castelo Branco - Portugal (RCIPCB) Scientific Repository. Methodology: The work was divided into two parts. The first part concerns the position of teachers/researchers on the PDD and the deposit of their scientific papers in the Repository; the second part is related to the RCIPCB's performance as such. The study was conducted by applying an online survey to teachers/researchers - IPCB (n = 505) - subject to a descriptive statistical analysis. Results: 96.6% of teachers/researchers claimed to know the RCIPCB; 66.0% of respondents replied knowing the PDD; only 11.9% of respondents indicated that they filed four more documents of their scientific production in 2011 at the Repository; 50.8% of teachers/researchers referred not having filed any document at the same year. The most cited explanations for such behavior were: lack of time (43.5%); issues related to the assignment of copyright (21.7%); and due to oblivion (17.4%). After the approval of the PDD there was a reduction in the overall number of documents deposited (10.3%) and the number of self-archived documents (44.0%). Conclusions: It is concluded that the PDD has not produced the desired results concerning the self-archive level nor the growth of the Repository using a level of mediated files. We consider the need of additional measures to improve file mediation and self-archive in RCIPCB.

Keywords

Scientific Repository. Policy of mandatory deposit. Performance Evaluation.

Sumário

Introdução

Procedimentos metodológicos e resultados

Conclusões

Referências

Introdução

A filosofia do acesso livre ao conhecimento científico vem ganhando adeptos desde que, nos anos 90 do século XX, foram publicados os primeiros periódicos científicos em acesso livre por Stevan Harnad e Jean-Claude Guédon, respectivamente o “Psycoloquy” e o “Surfaces” (MELERO; ABAD GARCIA, 2008). Esta forma de publicação permite que o acesso aos documentos se faça de forma livre e gratuita, sem quaisquer dilações temporais ou outras limitações. Harnad, Brody e Vallières (2008) indicam que o acesso livre ao conhecimento favorece o progresso da ciência por via da partilha e da transferência deste conhecimento, aumentando o potencial de citação dos documentos e consequente impacto  na reputação dos autores.

Há duas vias principais que concretizam o acesso livre ao conhecimento científico: a Via Dourada e a Via Verde. A Via Dourada concretiza-se através da publicação em revistas científicas. A Via Verde de acesso ao conhecimento científico concretiza-se através do arquivo de documentos em repositórios científicos, temáticos ou outros (SARAIVA; RODRIGUES, 2010). De acordo com Lynch (2003) um repositório é

[…] a set of services that a university offers to the members of its community for the management and dissemination of digital materials created by the institution and its community members.

Nesse sentido os repositórios devem ser entendidos como um dos instrumentos mais adequados à difusão, partilha, recuperação, reutilização e validação do conhecimento científico (CASSELA, 2010; GRUNDMAN, 2009). De um modo geral, são de utilização fácil e não necessitam de intermediação, tornando o processo de publicação muito rápido e possibilitando o acesso imediato ao documento.

Nas últimas décadas os repositórios têm aumentado em número, dimensão e popularidade por todo o planeta. Verifica-se, por consulta ao Ranking Web de Repositórios1 que, em maio de 2014, estão já registados um total de 1746 repositórios de vários tipos em todo o mundo. Portugal não é exceção, contribuindo ativamente para esse aumento. No país, o número de repositórios passou de três (em 2004) para 35 (em 2007) (UMIC, 2012), atingindo - em maio de 2014 - um total de 42 (conforme o Portal RCAAP2). Todos estes repositórios advogam a filosofia do Acesso Livre ao Conhecimento e pretendem incluir toda a publicação científica das respectivas organizações.

Sob esse contexto de expansão, seria esperado que os repositórios registassem proporcional adesão por parte dos investigadores e dos docentes. Contudo, a realidade está um pouco distante deste pressuposto. Os gestores dos repositórios deparam-se com problemas de várias naturezas, sendo os mais evidentes a falta de interesse dos investigadores para participarem, e a concorrência da publicação peer review em meio científico (RODRIGUES; RODRIGUES, 2013; RODRIGUES; RODRIGUES, 2012; GRUNDMAN, 2008).

As Políticas de Depósito de Documentos (PDD) nos repositórios - ou “Políticas Mandatórias” - procuram, entre outros aspetos, ajudar a resolver este problema. Rodrigues e Rodrigues (2012) e Cassela (2010) consideram que a aprovação e implantação de políticas de depósito de documentos nos repositórios institucionais podem contribuir para aumentar os níveis de arquivo e autoarquivo de documentos. Porém, tais políticas, quando existem de forma isolada, podem revelar-se pouco eficazes, podendo-se inferir que a sua conjugação com outros instrumentos de avaliação de investigadores e docentes pode ajudar a dotá-las de maior eficácia.

O presente estudo foi realizado com o objetivo de conhecer a percepção dos docentes/investigadores do Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB) sobre o seu Repositório Científico (RCIPCB) e, também, avaliar o efeito produzido pela aprovação e implantação da respectiva Política de Depósito de Documentos (PDD), relativamente ao autoarquivo e à concessão de documentos para arquivo mediado3, ambas com impacto direto no crescimento do Repositório.

Procedimentos metodológicos e resultados

O estudo foi aplicado no âmbito do IPCB e ocorreu em duas partes. Na primeira, foi distribuído - com o recurso Google Docs e durante o mês de novembro de 2012- um inquérito realizado online a todos os docentes/investigadores do IPCB (n=505). Na segunda parte, foram coletados, no RCIPCB, os dados sobre o seu crescimento nos períodos de 1º. de fevereiro de 2011 a 31 de janeiro de 2012, e de 1º. de fevereiro de 2012 a 31 de janeiro de 2013, respectivamente, antes e depois da aprovação da PDD do RCIPCB. Os dados do inquérito foram introduzidos no programa informático SPSS e foram sujeitos a uma análise estatística descritiva.

A amostra é composta por 94 respostas (19% do total), com igual distribuição por gênero, (divergindo relativamente à realidade institucional em que prevalece o sexo masculino), e as respostas concentraram-se nas faixas etárias ente os 31 e os 40 anos e entre os 41 e os 50 anos de idade, refletindo a realidade institucional4.

Relativamente ao conhecimento sobre o RCIPCB, 96,8% dos docentes/investigadores informaram conhecê-lo. Quando inquiridos sobre se conheciam a PDD do RCIPCB, 66,0% dos inquiridos responderam afirmativamente. Na mesma linha, quando inquiridos sobre se tinham conhecimento de que a aprovação da PDD significava o depósito obrigatório de documentos no RCIPCB, apenas 31,9% dos docentes que responderam afirmativamente à questão anterior revelaram ter conhecimento dessa obrigatoriedade. Assim, parece verificar-se que, apesar de indicarem saber da existência da PDD, mais de dois terços dos docentes/investigadores respondentes revela desconhecer o seu conteúdo e, consequentemente, a obrigatoriedade nela constante de disponibilizar toda a produção científica através do repositório.

Para saber qual a predisposição dos docentes/investigadores para depositarem os seus documentos no RCIPCB, foram os mesmos questionados relativamente aos documentos científicos produzidos no ano de 2011. Os dados revelam que apenas 11,9% dos respondentes indicaram ter depositado de quatro a mais documentos de sua produção científica no RCIPCB (Figura).

Figura – Depósito no RCIPCB de documentos científicos produzidos – 2011.

figuras1

Fonte: Os autores – Respostas ao questionário

Como se pode verificar pela Figura, é substancial a percentagem de docentes/investigadores que respondeu não ter depositado qualquer documento relativo ao ano de 2011 no RCIPCB (50,8%). Entre as razões mais invocadas para tal comportamento destacam-se a falta de tempo (43,5%), questões relacionadas com a cessão eventual de direitos de autor (21,7%), e o esquecimento (17,4%), o que perfaz um total de 82,6% do total de respostas para este item. Razões semelhantes foram referidas por Cassela (2010) e Grundman (2009).

Relativamente à segunda parte do estudo – desempenho do RCIPCB - foram recolhidos os dados evolutivos do repositório relativamente aos períodos em estudo (Tabela).

Tabela – Evolução do RCIPCB antes e depois da aprovação da PDD

figuras2

Fonte: RCIPCB.

Verifica-se que no período anterior à aprovação da PDD, foram depositados no RCIPCB 629 documentos, dos quais 479 por arquivo mediado e 150 por autoarquivo. Já no período após a aprovação, foram depositados 564 documentos, dos quais 480 por arquivo mediado e 84 por autoarquivo. Constata-se assim que para o segundo período em estudo, após a aprovação da PDD, houve redução no número total de documentos depositados (10,3%) e no número de documentos depositados na modalidade de autoarquivo (44,0%). Tendo-se em conta que 50,8% dos docentes/investigadores revelaram não ter depositado, em 2011, qualquer dos seus outputs científicos no RCIPCB, não pode ser invocada a inexistência de documentos para depositar como razão para a elevada taxa de absentismo ao depósito no RCIPCB. Os resultados obtidos estão de acordo com os observados por Grundman (2009) e Cassela (2010).

Considerando que o autoarquivo só é passível de realização quando o docente/investigador se encontra registado no RCIPCB verificou-se, através de consulta às estatísticas do RCIPCB que, do total de docentes/investigadores do IPCB em 2012, apenas 86 se encontravam registados no RCIPCB. Todavia, o número aumentou para quase o dobro no período de 1º de dezembro de 2012 a 31 de janeiro de 2013, consequência de esforços da equipe do RCIPCB para captar novos usuários por meio de um convite endereçado aos docentes/investigadores no sentido de estes procederem ao registo. A adesão verificada parece indicar que existe uma boa aceitação, por parte da comunidade de docentes/investigadores do IPCB, das sugestões propostas pelo gestor do repositório. Para os mesmos parâmetros, Rodrigues e Rodrigues (2013) haviam já observado os mesmos resultados salientando que a baixa taxa de autoarquivo poderá estar relacionada com os baixos níveis de registo de docentes/investigadores no RCIPCB.

Conclusões

Os resultados alcançados no presente estudo permitem concluir que os docentes/investigadores do IPCB conhecem o Repositório Científico da Instituição. Permitem, também, concluir que sabem da existência da PDD (66%) embora desses, apenas 31,9% tenha revelado conhecer a obrigatoriedade implícita na mesma de depositar no RCIPCB todos os outputs da sua produção científica. A entrada em vigor da PDD, em geral, não produziu efeitos ao nível do crescimento do RCIPCB o que parece estar relacionado com o desconhecimento do seu conteúdo a um nível detalhado.

Quanto ao depósito de documentos no repositório, verifica-se que a opção de arquivo mediado é a opção mais utilizada pelos docentes/investigadores do IPCB. Assim, ao contrário do que seria desejável em termos de objetivos do RCIPCB, a entrada em vigor da Política de Depósito de Documentos no RCIPCB não potencializou, para o período em estudo, o aumento da opção de depósito por autoarquivo, mantendo-se a discrepância entre o número de documentos depositados por arquivo mediado (a maior parte) e o número de documentos depositados por autoarquivo.

Os docentes/investigadores parecem reagir bem ao contato direto do gestor do repositório pelo que esta via deverá ser utilizada para fomentar a sua participação mais ativa no repositório.

Uma vez que a existência da PDD no RCIPCB não produziu, por si só, resultados em termos do aumento do número de documentos depositados nem do aumento do autoarquivo dos documentos produzidos, considera-se que deverão ser adotadas medidas complementares para incentivar os docentes/investigadores a cumprirem o estipulado na PDD.

Referências

CASSELA, M. Institutional repositories: an internal and external perspective on the value of IRs for researchers’ communities. Liber Quarterly, v. 20, n. 2, p. 210-225, 2010.

GRUNDMAN, A. Increasing self-archiving of faculty publications. 2009. Disponível em: <http://eprints.rclis.org/13732/>. Acesso em: 11 jul. 2014.

HARNAD, S.; BRODY, T.; VALLIÈRES, F.; CARR, L.; HITCHCOCK, S.; GINGRAS, Y.; OPPENHEIM, C.; STAMERJOHANNS; H.; HILF, E, R. The access/impact problem and the Green and Gold Roads to open access: an update. Serials Review, v. 34, n. 1, p.36-40, 2008.

LYNCH, C. Institutional repositories: essential infrastructure for scholarship in the digital age. ARL Bimonthly Report, n. 226, p. 1-7, 2003. Disponível em: <http://www.arl.org/storage/documents/publications/arl-br-226.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2014.

MELERO, R.; ABAD GARCIA, M. F. Revistas Open Access: características, modelos económicos y tendencias. BID, n. 20, jun. 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10261/7848>. Acesso em: 12 jan. 2014.

RODRIGUES, M. E.; RODRIGUES, A. M. Analyzing the performance of an institutional scientific repository: a case study. Liber Quarterly, v. 22, n. 2, p. 98-117, 2012. Disponível em: <http://liber.library.uu.nl/index.php/lq/article/view/URN%3ANBN%3ANL%3AUI%3A10-1-113818>. Acesso em: 28 dec. 2012.

RODRIGUES, M. E.; RODRIGUES, A. M. O RCIPCB no contexto organizacional: ponto de situação. In: CONFERÊNCIA DO IPCB SOBRE O LIVRE ACESSO AO CONHECIMENTO, 3, 2013, Castelo Branco. O desafio da publicação em meio científico: livro de resumos. Castelo Branco: IPCB, 2013. p. 61-76.

SARAIVA, R.; RODRIGUES, E. Open access in Portugal. ANGLADA, L.; ABADAL, E. (ed). Open access in Southern European Countries. Madrid: FEYCT, 2010, p. 83-99.

UMIC. Agência para a Sociedade do Conhecimento. Repositórios de acesso aberto. Lisboa: UMIC. 2012. Disponível em: <http://www.umic.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=3079&Itemid=212>. Acesso em: 14 maio 2012.

Histórico Editorial

Recebido em 21 maio 2014

Aceito em 15 junho 2014

Sobre os autores

Maria Eduarda Pereira Rodrigues erodrigues@ipcb.pt

Licenciada em História - FL/UP; Pós-Graduação em Ciências Documentais - FL/UC, Mestre em Ciências da Informação e da Documentação - UÉvora, Doutoranda em Ciências de la Información y de la Comunicación – Uex/Espanha. Bibliotecária da Escola Superior Agrária e da Escola Superior de Artes Aplicadas do IPCB - Portugal. Administradora do Repositório do IPCB.

António Moitinho Rodrigues amrodrig@ipcb.pt

Licenciado em Engenharia Zootécnica - UTAD, Mestre em Produção Animal - FMV/UTL, Doutor em Ciência Animal - UTAD. Professor Coordenador da ESACB/IPCB. Investigador do Centro de Estudos de Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade - CERNAS/IPCB.

Como citar este artigo

RODRIGUES, M. E. P.; RODRIGUES, A. M. Avaliação da eficácia da “política mandatória” em repositórios: um estudo de caso no Instituto Politécnico de Castelo Branco – Portugal. AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 60-64, jan./jun. 2014. Disponível em: <http://www.atoz.ufpr.br>. Acesso em:

Notas de rodapé

[1] < http://repositories.webometrics.info/es/world?page=17>.

[2] <http://www.rcaap.pt/directory.jsp>.

[3] por arquivo mediado entende-se que o(s) autor(es) cedem os seus documentos para serem arquivados pelo staff da biblioteca/órgão que gerencia o repositório.

[4] <http://www.ipcb.pt/index.php/organizacao/documentos-de-gestao>.