Competência em Informação: conceitos, características e desafios
Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque
 
Kelley Cristine é Professora Adjunta da graduação e pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília (UNB). Tem Doutorado (2008) e Mestrado (2003) em Ciência da Informação pela UNB; especialização em Literatura Brasileira pela Universidade Católica de Brasília (1999); e graduação em Biblioteconomia e Documentação (1996) também pela UNB. Durante 11 anos de trabalho no Colégio Marista de Brasília exerceu as funções de bibliotecária e, posteriormente, de assessora do Núcleo Tecnologia da Informação e Núcleo Psicopedagógico (2º ao 5º ano), bem como projetou e coordenou o Centro de Recursos de Aprendizagem (CRA). Atua nos temas de letramento informacional, comunicação cientifica, comportamento informacional (estudos de usuários), aprendizagem, leitura, formação de professores, bibliotecas escolares e objetos de aprendizagem. Além de publicar artigos, textos em jornais/revistas, capítulos de livros e livros completos, apresenta e discute os temas de sua especialidade nos seguintes canais da Internet: Blog ou Grupo de pesquisa no Facebook .
Palavras-Chave
Letramento informacional. Alfabetização informacional. Competência informacional. Habilidade informacional. Aprendizagem cognitiva.
Existem diferenças entre os conceitos de competência Informacional, letramento Informacional, habilidades e alfabetização Informacional, porém esses conceitos estão inter-relacionados. Convém ressaltar que o letramento informacional é um tópico de estudo relativamente novo e, por isso, tem suscitado discussões terminológicas, em especial, em relação à tradução dos conceitos da língua inglesa para o português do Brasil. Importante lembrar que a adoção de um arcabouço conceitual relaciona-se às concepções, paradigmas e experiências do pesquisador. As diferenças entre os referidos conceitos são apresentadas considerando-se as pesquisas desenvolvidas nas áreas de Educação e Ciência da Informação. Para tanto, as pesquisas de Magda Soares fornecem subsídios importantes.
Letramento informacional: processo de aprendizagem voltado para o desenvolvimento de competências para buscar e usar a informação na resolução de problemas ou tomada de decisões. O letramento informacional é um processo investigativo, que propicia o aprendizado ativo, independente e contextualizado; o pensamento reflexivo e o aprender a aprender ao longo da vida. Pessoas letradas têm capacidade de tomar melhores decisões por saberem selecionar e avaliar as informações e transformá-las em conhecimento aplicável.
Alfabetização informacional: refere-se à primeira etapa do letramento informacional, isto é, abrange os contatos iniciais com as ferramentas, produtos e serviços informacionais. Nessa etapa, o indivíduo desenvolve noções, por exemplo, sobre a organização de dicionários e enciclopédias, de como as obras são produzidas, da organização da biblioteca e dos significados do número de chamada, classificação, índice, sumário, autoria, bem como o domínio das funções básicas do computador – uso do teclado, habilidade motora para usar o mouse, dentre outros. O ideal é que a alfabetização informacional se inicie na educação infantil.
Competência informacional: refere-se à capacidade do aprendiz de mobilizar o próprio conhecimento que o ajuda a agir em determinada situação. Ao longo do processo de letramento informacional, os aprendizes desenvolvem competências para identificar a necessidade de informação, avaliá-la, buscá-la e usá-la eficaz e eficientemente, considerando os aspectos éticos, legais e econômicos.
Habilidade informacional: realização de cada ação específica e necessária para alcançar determinada competência. Para o aprendiz ser competente em identificar as próprias necessidades de informação, por exemplo, é necessário desenvolver habilidades de formular questões sobre o que deseja pesquisar, explorar fontes gerais de informação para ampliar o conhecimento sobre o assunto, delimitar o foco, identificar palavras-chave que descrevem a necessidade de informação, dentre outras.
Em outras palavras, grosso modo, pode-se compreender o letramento como processo de aprendizagem a ser realizado, preferencialmente, de forma sistematizada. Nesse processo, os aprendizes devem apreender os conteúdos relacionados aos padrões de letramento e aplicá-los para resolver problemas. No início do processo, em geral, começam os primeiros contatos com os conceitos do universal informacional, o qual se denomina alfabetização informacional. Mais adiante, as atividades planejadas de ensino-aprendizagem e a experiência do aprendiz possibilitam que os conceitos tornem-se mais consolidados e aplicáveis. O conhecimento torna-se funcional, ou seja, não é mais algo abstrato, mas um meio para resolver problemas e tomar decisões. Esses conhecimentos aplicáveis ou saber fazer são as competências. Evidentemente, não se adquire competências sem desenvolver habilidades específicas.
O letramento informacional (LI) tem raízes nas áreas de treinamento, formação e educação de usuários. Na década de 1930, por exemplo, os termos relacionados ao ensino dos recursos das bibliotecas eram usuais no vocabulário anglo-americano. No Brasil, esses estudos começaram a surgir a partir da década de 1970, com a preocupação de ensinar os usuários a usarem os recursos das bibliotecas.
O conceito de letramento informacional foi introduzido por Paul Zurkowski, presidente da US Information Industry Association, em 1974, em um relatório submetido à National Commission on Libraries and Information Science (NCLIS). No documento, ele recomendava o desenvolvimento de um programa nacional de letramento informacional para as décadas seguintes. Para ele, pessoas com capacidade para usar os recursos de informação poderiam ser consideradas letradas.
O letramento, portanto, abrange o ensino dos recursos das bibliotecas, mas não se restringe a elas, pois considera que as pessoas ao longo da vida buscam e usam informação constantemente em vários canais e fontes de informação.
As disciplinas que mais contribuem para o desenvolvimento do letramento são educação, psicologia, comportamento informacional humano e metodologia científica.
No final da década de 1980 surgem as definições e padrões de letramento para a educação básica e ensino superior e, em paralelo com os padrões da educação básica, a abordagem do Big Six Skills, desenvolvido por Eisenberg e Berkowitz. Além desses, há vários modelos como o ciclo de pesquisa, o modelo de Alberta, os sete pilares do letramento informacional, o modelo de Kuhlthau e muitos outros. Muitos modelos de LI são similares ou abrangem etapas do método científico.
Na primeira década do século XX, John Dewey, psicólogo estadunidense, percebeu que a aprendizagem poderia ser mais eficiente se alicerçada no método científico, o qual propicia o pensar reflexivo. Ou seja, o aprender vincula-se à compreensão do conteúdo de aprendizagem no contexto real, em que é possível vê-lo em suas relações com as outras coisas, isto é, compreender como determinado aspecto funciona, que consequências traz, suas causas e possíveis aplicações. Essa forma reflexiva de aprender possui potencial para estimular o desenvolvimento do letramento informacional.
A literatura educacional mostra que a melhor forma de ensinar é por meio de resolução de problemas e projetos de pesquisa. Muitos modelos de LI contemplam esse princípio, mas precisam abordar também os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais de aprendizagem, ou seja, aqueles relacionados ao assunto ou problema de pesquisa, aos procedimentos de pesquisa (padrões de letramento) e às atitudes e postura ao longo do processo de aprendizagem.
Nos Estados Unidos, e em vários países da Europa, muitas escolas e universidades adotaram programas de letramento informacional. Alguns de forma transversal, outros por meio da introdução de uma ou duas disciplinas, e ainda há aqueles que adotaram os projetos de trabalho como concepção curricular, tal qual sugeriu John Dewey. A forma de implantar o programa se relaciona com a concepção de ensino-aprendizagem da instituição, à formação docente, à compreensão da cultura institucional, bem como à estrutura curricular e à infraestrutura de informação disponível.
No Brasil, os programas de letramento informacional, quando existem, ainda são incipientes. Contudo, a tendência é de ampliação , em especial com a expectativa de melhorar a produção do conhecimento.
No Brasil, os estudos começaram por volta de 2000. Houve grande expansão nos últimos anos, mas a caminhada ainda encontra-se em fase inicial. As pesquisas são, em sua maioria, de natureza exploratória e buscam compreender melhor o significado do conceito e dos termos relacionados; verificar a aplicação de modelos LI nas organizações; identificar o potencial do processo na aprendizagem, por exemplo. Algumas instituições começam a discutir a adoção do referido processo e identificar os obstáculos para sua implantação. Pode-se observar que o assunto desperta interesse das instituições acadêmicas e também dos professores, ao mesmo tempo, traz muitos questionamentos e dúvidas.
Pode-se verificar que as pesquisas sobre letramento informacional, bem como os materiais de ensino disponíveis na web estão centrados mais nos padrões relacionados à identificação da necessidade e busca da informação do que no uso da informação. A hipótese provável é que a formação dos bibliotecários nem sempre contempla os aspectos psicopedagógicos e didáticos necessários.
O conceito do big data não é consensual. Pode ser compreendido como as múltiplas fontes de informação estruturadas e não estruturadas que não foram capturadas pelas ferramentas típicas dos bancos de dados, bem como conjunto de software para tratamento dos dados. Por sua vez, os dados abertos interligados objetivam criar conexões entre vários dados, em especial, aqueles disponíveis em bibliotecas, museus e arquivos, criando uma grande rede estruturada semanticamente legível. Ao se buscar, por exemplo, Dom Casmurro de Machado de Assis, dados de várias bibliotecas e museus que estão integrados podem ser acessados.
Não há dúvidas de que nunca foram produzidas tantas informações quanto na sociedade contemporânea e que as tecnologias possibilitam lidar melhor com a massa informacional. O big data e o linked data farão parte da infraestrutura da web, onde os dados estarão disponíveis e identificados. Contudo, para que essas tecnologias tragam inovação e conhecimento é necessário que as pessoas saibam o que fazer com as informações, isto é, a tomada de decisão é um processo cognitivo que depende do ser humano. Dessa forma, o direito e o acesso ao conhecimento deve incluir o conhecimento de como se aprende (a metacognição), e as estratégias e ferramentas cognitivas necessárias para apreensão de novos conhecimentos em domínios específicos.
Os horizontes são amplos. Há muito o que fazer, em especial, no que concerne à implantação dos programas de LI nas instituições educacionais, de pesquisa e em empresas. Desde este ponto de vista, alguns temas emergentes são: a formação de professores e bibliotecários para o letramento informacional; o aprofundamento das questões relacionadas ao ensino-aprendizagem, por exemplo, e aos processos psicopedagógicos e didáticos; o desenvolvimento de materiais de ensino e objetos de aprendizagem; a relação do LI com o ensino a distância; as dificuldades de aprendizagem e avaliação no processo de LI; o gerenciamento e monitoração do processo de LI; dentre outros.
Os indivíduos letrados dominam estratégias de buscas e de uso da informação mais eficazes e eficientes, bem como possuem postura mais crítica e reflexiva nas e sobre as atividades de LI. Tais competências podem gerar sentimentos de segurança, otimismo, confiança e contribuir para promoção de atitudes autônomas e proativas.
Referências
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Como citar este documento
GASQUE, K. C. G. D. Competência em Informação: conceitos, características e desafios. AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 5-9, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.atoz.ufpr.br>. Acesso em: . Entrevista.