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Apresentação

Tania Stoltz, Marcelo da Veiga, Rosely A. Romanelli

Resumo


             O dossiê A pedagogia de Rudolf Steiner em debate objetiva ampliar as discussões acadêmicas em torno da contribuição de Rudolf Steiner no entendimento do fenômeno educativo. Ele procura esclarecer e pôr em debate a tentativa da pedagogia Waldorf de reorganizar a educação rumo a um futuro mais adequado ao ser humano e aos desafios que ameaçam o seu desenvolvimento integral. Tentativa que se justifica também pelos caminhos muitas vezes dúbios e questionáveis na educação vigente, que por sua vez precisam ser repensados em relação à sua lógica instrumental empobrecida.

            Resgatando as ideias de Rudolf Steiner para a educação, reportamo-nos à própria vida. Nesta forma de compreender a educação, há o respeito à vida em todas as suas formas e dimensões e, por isso, essa educação aponta para o futuro. Para acessá-la é imprescindível começar pela Experiência e livrar-se de toda forma de reducionismo, seja do corpo, dos sentimentos ou da racionalidade intelectual. Uma educação que não perde de vista a vida requer uma perspectiva integrada em todos os âmbitos de ensino. É possível encontrar esta forma de entender a educação em Rudolf Steiner. É por esta razão que a sua proposta integra definitivamente ciência e arte no processo educativo.

            Rudolf Steiner, cujas contribuições se estendem desde a agricultura, a medicina, a arquitetura, a nutrição, dentre tantas outras, propõe uma educação diferenciada, alternativa, ou seja, a Pedagogia Waldorf. O diferencial nesta pedagogia é justamente a sua proposta integrada, considerando o pensar, o sentir e o fazer. Para atingir este objetivo, esta Pedagogia tenta respaldar-se na observação fenomenológica do desenvolvimento humano. Sua proposta é seguir o desenvolvimento humano e respeitar o que é necessário e adequado em cada etapa para o desenvolvimento integral. Sua meta principal é propiciar uma forma de educação voltada à personalidade autônoma e livre, que ao mesmo tempo assume responsabilidade pelo meio ambiente e pela sociedade.

            Como preparar o ser humano para a liberdade e a responsabilidade? A resposta da Pedagogia Waldorf volta-se a estimular no processo educativo a vivência da integração do ser humano através do seu corpo, sua sensibilidade e seu poder cognitivo na totalidade da realidade. Considerando que o homem somente desenvolve autonomia no contexto da natureza e da sociedade que o possibilitou e sustenta, ele acaba sentindo a responsabilidade perante elas. Distante do movimento voltado à aceleração precoce e desenfreada do intelecto, a Pedagogia Waldorf procura cultivar um relacionamento abrangente do ser humano para com a complexidade da realidade e de seu desenvolvimento cultural.

            Para os que percebem o tempo presente e seus desafios, este dossiê constitui-se em provocação que inverte a lógica econômica e mercadológica que nos move. Trata-se de coletânea de artigos, cuidadosamente selecionados entre autores nacionais e internacionais, que busca repensar a educação e percebe em Rudolf Steiner uma fonte de inspiração. A partir de uma primeira obra (VEIGA; STOLTZ, 2014), este dossiê dá continuidade à apresentação e debate do pensamento de Rudolf Steiner no âmbito científico.

            Poderia se perguntar, por que só agora na academia, se Rudolf Steiner viveu no século XIX e XX? Provavelmente porque o nível de inconformismo, em relação à vigência de dicotomias expressas ora em discursos abstratos e vazios, ora nos discursos brilhantes que não condizem com a prática, ora, ainda, na condução da prática pela prática, encontrou o seu limite.

            As escolas Waldorf contam com uma prática reconhecida internacionalmente e manifestada no número crescente de escolas no Brasil e no mundo. No entanto, há poucos estudos científicos que se debruçam sobre os reflexos desta prática ou sobre os seus fundamentos teóricos.

            Este dossiê pretende contribuir para o debate dessa instigante e provocadora forma de entender e de fazer educação. No contexto brasileiro da reflexão acadêmica qualificada, segue como sendo obra única reunindo artigos críticos sobre a temática, ao lado de algumas dissertações e teses existentes envolvendo o pensamento de Rudolf Steiner. Sendo a Alemanha o país com maior número de obras e artigos sobre a temática, o dossiê integra pesquisadores de duas universidades alemãs: a Alanus Hochschule e a Witten Herdecke Universität, além de universidades brasileiras: Universidade Federal do Paraná, Universidade do Estado de Mato Grosso, Universidade do Estado da Bahia e Universidade Estadual de Campinas.

            A Alanus Hochschule tem especial importância na elaboração deste dossiê, não só por ser, desde 2008, parceira da Universidade Federal do Paraná na discussão do pensamento de Rudolf Steiner, mas por ser a primeira universidade no mundo a privilegiar as pedagogias alternativas, em especial a Pedagogia Waldorf, em seu processo de formação acadêmica. A Alanus Hochschule, junto ao Rudolf Steiner University College, é também sede do periódico RoSE – Research on Steiner Education, dedicado às discussões aprofundadas da teoria de Rudolf Steiner. Por outro lado, a Witten/Herdecke Universität destaca-se por seus estudos envolvendo a medicina Antroposófica, inspirada em Rudolf Steiner.

            Os artigos deste dossiê reúnem dois grupos de pesquisa do CNPq: Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano e Pedagogia Waldorf. Inicia-se com um artigo sobre os fundamentos da Pedagogia Waldorf. Em Revisiting Humanism as guiding principle for education: An excursion into Waldorf Pedagogy, Marcelo da Veiga discute o entendimento da filosofia de Rudolf Steiner primeiramente como método no sentido da revisão do posicionamento fisicalista e naturalista na educação. Tal argumento sustenta-se na proposição de um humanismo renovado como fundamento à educação e que se evidencia na Pedagogia Waldorf.

            O segundo artigo, Empirical research on Waldorf Education, revisa resultados de pesquisas realizadas na Alemanha nos últimos 20 anos sobre a Pedagogia Waldorf, enfocando basicamente cinco aspectos: a abordagem social e integrativa; o autogoverno baseado no trabalho em equipe; o currículo Waldorf; o professor de classe até o oitavo ano; e a formação de professores Waldorf. Os autores, Dirk Randoll e Jürgen Peters, utilizam-se de diferentes perspectivas e métodos na avaliação desses cinco aspectos e apontam para pontos fortes e limitações da prática Waldorf realizada nas escolas.

            A cosmovisão antroposófica: educação e individualismo ético, de Rosely A. Romanelli, é o tema do terceiro artigo deste dossiê. Nele realiza-se o esforço de compreender a epistemologia de Rudolf Steiner a partir da antropologia do imaginário de Gilbert Durand e da antropologia da complexidade do conhecimento de Edgar Morin. O caminho do desenvolvimento individual, apontado por Steiner como o do pensamento intuitivo, obtido a partir da autorreflexão, é compreendido como paralelo ao da revelação, discutido por Durand na visão de homem tradicional. Ambos os caminhos falam de uma evolução da alma humana por meio do desenvolvimento cognitivo.

            O quarto artigo, de Tania Stoltz e Ulrich Weger, discute O pensar vivenciado na formação de professores. Os autores partem do pressuposto de que a formação de professores é usualmente concebida de forma reducionista, concentrando-se, sobretudo, no pensar racional intelectual. Ancorados em Goethe, Schiller e Rudolf Steiner, e apresentando estudo de caso, propõem formação de professores que contemple atividades científicas, criativo-artísticas e de desenvolvimento pessoal. Por esse caminho busca-se a integração entre conhecimento, autoconhecimento e ações práticas.

            Na sequência, o quinto artigo, Interações de Rudolf Steiner com uma Educação Anticolonial, de Ernesto Jacob Keim, analisa a possibilidade de entendimento ampliado da educação baseando-se na teoria de Rudolf Steiner e na proposta de educação anticolonial. A educação anticolonial conta com referenciais e conhecimentos de cosmovisões originárias e é discutida, no artigo, como integrada à proposição de Rudolf Steiner de educação para a liberdade. Propõe-se uma educação como processo e ruptura de fronteiras planetárias, sendo a favor da Pachamama ou Mãe Terra.

            Voltando à Pedagogia Waldorf, Educação e ludicidade: um diálogo com a Pedagogia Waldorf, de Dulciene Anjos de Andrade e Silva, intenta discutir as ideias de Rudolf Steiner para a educação e o conceito de ludicidade de Cipriano Luckesi, entendido como estado interno da pessoa que age e/ou vivencia uma atividade de forma plena. A Pedagogia Waldorf, ao integrar efetivamente o pensar, o sentir e o fazer, é proposta como modelo de educação lúdica em sintonia com os desafios da educação da contemporaneidade.

            Já o artigo, ¿Egocentrismo o altruismo en la adolescencia? Un estudio empírico sobre los estudiantes de colegios Waldorf, cristianos y públicos, de Axel Föller-Mancini, Peter Heusser e Arndt Büssing, apresenta estudo empírico confrontando estudantes adolescentes de escolas Waldorf, confessionais cristãs e públicas acerca do posicionamento egocentrista ou altruísta. Os autores observam que os posicionamentos e as ideias éticas diferem nos três contextos analisados. Discute-se o papel do contexto escolar no desenvolvimento da adolescência à idade adulta.

            O pensar intuitivo como fundamento de uma educação para a liberdade, de Jonas Bach Junior, é o oitavo artigo deste dossiê. Nele apresenta-se o conceito de pensar intuitivo de Rudolf Steiner. O pensar intuitivo envolve necessariamente a autoeducação e o compromisso com a ação. É a observação fenomenológica do pensar que permite o desenvolvimento dessa forma de pensar, que vai além do pensar racional.

            A Resenha do livro The heart of higher education: a call to renewall, de Palmer, Zajonk e Scribner, realizada por Iarê Cooper e Thiciane Pieckarka, convida os leitores a um mergulho na proposta de educação integrativa no espaço mais refratário: o do ensino superior. Inspirados em Rudolf Steiner, a obra responde a críticas a este modelo, bem como apresenta discussões teórico-práticas que sustentam o seu desenvolvimento.

            Finalizando a apresentação, permanece a “ambição despretenciosa” de movimentar de forma integrada corpos, sentimentos e mentes para a construção de outra educação, mais humana, visceralmente comprometida com o outro igual e diferente e com tudo aquilo que nos envolve, e que também está em nós.


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