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Alfabetizando adultos numa perspectiva interdisciplinar: a prática do cotidiano

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Alfabetizando adultos numa perspectiva interdisciplinar : a prática do cotidiano

Alfabetizando Adultos numa Perspectiva Interdisciplinar:

a prática do cotidiano.

- Araci Asinelli da Luz.

- Elinor Eschholz Ribeiro.

- Maria Eneia Holzmann.

- Niroá Zuleika Rotta Ribeiro Glaser.

- Sônia Maria Chaves Haracemiv.

- Sônia Maria Marchiorato Carneiro.

Revisores: Antonio Lineu Carneiro e

Lauro da Silva Becker.

Desenhos: Pedro Maes, Professores do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação - Setor de Educação da UFPR.

Estagiárias que colaboraram neste trabalho:

- Marielbe Fonseca Santos - Educação Física

- Lilian Cristina Capetti - Educação Fìsica

- Emilson Couto - Matemática

- Denise Harasen - Geografia

- Maria Cristina Mochinski - Pedagogia/Ciências

- Jane Furlado - Pedagogia/Língua Portiguesa

- Vera L. C. Delezeu - Pedagogia/Educação Artística

- Leonor Ester Ramirez - Pedagogia/Ciências

ALFABETIZANDO ADULTOS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR: a prática do cotidiano.

O Projeto de Alfabetização de Adultos na UFPR teve seu início em outubro de 1984, respondendo às necessidades de um grupo de servidores sem escolaridade. Para este atendimento, professores do Departamento de Métodos e Técnicas de Educação - DMTE - constituíram uma equipe coordenadora que, a partir de um diagnóstico do grupo de alfabetizandos, projetou um trabalho a ser desenvolvido com esta clientela visando-se:

- integrar atividades do DMTE com as necessidades de adultos;

- desemvolver estudos e pesquisas sobre educação de adultos;

- minimizar o número de servidores analfabetos da instituição;

- propiciar novas alternativas e formas de estágio aos alunos das Práticas de Ensino e, sobretudo, - abrir novas perspectivas de ação nos campos da Educação e da Cultura.

De início, seria um trabalho de caráter experimental., mas com finalidades delineadas, considerando-se a educação como indispensável à existência humana em todas as suas fases, na perspectiva de uma justificativa lógica, psicológica e sociológica, de educação permanente de adultos. Assim, intenciounou-se desenvolver um trabalho em vista de mudanças qualitativas da condição humana dos participantes, a partir de uma apropriação mais significativa do saber pelos mesmos. Para tanto, as atividades desenvolvidas na alfabetização deveriam ultrapassar o domínio da forma mecânica da leitura e da escrita, para atingir o alfabetizando como um todo e inserido na sua realidade. (Ribeiro, 1988, p.6).

Neste sentido, desde o início do projeto houve uma preocupação em desenvolver unidades integradas de trabaçho, para favorecer as propostas de ensino e de aprendizagem. Para isso, decidiu-se pelo envolvimento de professores de diversas licenciaturas, com a participação de estagiários das Práticas e Ebsino e da disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa Educacional (esta, especialmente, subsidiando as pesquisas desenvolvidas pelo grupo, buscando-se uma avaliação constante do projeto).

Numa perspectiva de planejamento aberto, as unidades trabalhadas emergiram das necessidades e interesses da clientela, bem como de fatos atuais que ocorrem no Brasil e no mundo, como por exemplo: as Eleições, a Constituição, as Olimpíadas, a Abolição, o Plano cruzado", o Saneamento, a Cidade de Curitiba - entre outros temas. Essas unidades foram trabalhadas em clima de alta motivação por meio de procedimentos metodológicos baseados no diálogo e compreendendo passeios, visitas, idas ao teatro, filmes (em vídeo), de modo que a clientela pudesse vivenciar descobertas e observações, assim como desenvolver análises e críticas das situações de sua realidade ambiente.

A seguir é apresentada uma amostra de como, normalmente, é desenvolvida uma unidade de trabalho. A Fig. 01 refere-se a uma atividade realizada no primeiro semestre de 1989, num período de dez dias. Participaram do trabalho professores e estagiários das licenciaturas de Ciências, Educação Artística, Educação Física, Geografia, Matemática e Pedagogia.

A unidade denominou-se "A Relação do Homem com o seu Espaço". A escolha do tema teve como base trabalhos anteriores, nos quais se verificaram dificuldades de elaboração cognitiva por parte da clientela em relação à percepção do espaço - carecendo das noções de lateralidade, de extensão, de localização e apresentando deficiências na distinção de formas, entre outros aspectos.

FIG. 01 - Organograma da unidade trabalhada.

VER PÁGINA 9.

A área de Educação Física iniciou o desenvolvimento da unidade, encaminhando atividades relacionadas com o reconhecimento de formas geométricas no espaço em que as participantes do grupo vivem.

Foram vivenciados alguns passos para melhorar compreensão dos objetos a serem atingidos. Na sala de aula onde se desenvolveu o trabalho com as alfabetizandas havia, entre outros objetos, alguns arcos. Com eles, as alunas foram convidadas a participar de várias atividades, em forma de brincadeiras. Os arcos foram colocados no chão e elas pularam dentro (interior), pularam fora (exterior), passaram o arco ao redor de seu corpo, tentaram bambolear. Seguindo a orientação das estagiárias, as alfabetizandas fizeram uma roda, com o objetivo de se construir uma circunferência, a qual possibilitou-lhes perceberem a idéia de círculo, ou seja, o espaço delimitado pela roda. Esta tarefa foi cumprida com muito entusiasmo por parte delas, pois a Educação Física representou um momento de descontração no qual o domínio cognitivo foi trabalhado em integração com o psicomotor por meio do movimento, sendo o conteúdo informativo desenvolvido de modo emergente e experiencial.

Num segundo momento, as estagiárias ofereceram algumas bolas às alfabetizandas e, através de um diálogo explicativo foi sugerido que elas tateassem, observassem, descrvessem, jogassem e brincassem. Foram minutos de alegria que se seguiram pela descrição da bola, a qual consideraram redonda e cheia de ar. Assim, chegaram à conclusão. o de que a bola tem uma região de dentro (interior), e de fora (exterior), representando a esfera.

Após serem interrogadas se gostariam de desenhar, as açfabetizandas receberam das estagiárias a sugestão de que começassem por uma laranja, sem, contudo, precisar pintá-la. Algumas contestaram, achando que não seriam capazes. A tarefa foi iniciada após alguma relutância, pos as alfabetizandas estavam se julgando incapazes de desenhar a forma solicitada. Depois de muito estímulo, concluíram a tarefa comentando: "tem laranja de todos os tamanhos, umas grandes outras pequenas". Como seqüência, foi-lhes solicitado que recortassem a figura no papel, e questionou-se a forma geométrica do desenho recortado. A resposta unânime foi a de que "era redonda".

Em continuidade ao trabalho, tendo recebido uma almofada, as alfabetizandas deveriam observar o objeto e desenhá-lo no papel. Indagou-se sobre a forma do objeto e a resposta veio ser nenhuma relutância: "dois lados maiores e dois lados menores". Daí, passou-se a denominar a forma da almofada de retângulo. Partindo deste mesmo princípio, procedeu-se à identificação do "quadrado", sendo que o objeto identificado por elas, naquele ambiente físico, foi uma banqueta.

A etapa seguinte foi a de se passar o desenho para a educação pelo movimento. A som de ritmos adequados, as alfabetizandas foram solicitadas a formar em grupos as figuras de circunferência, quadrado e retângulo. Estas figuras foram representadas com receptividade e espontaneidade pelas alfabetizandas, usando de movimentação corporal adaptativa até conseguirem a forma geométrica visada. Nesta dinâmica de ação as alfabetizandas verificaram que. formando duas filas com quatro participantes em disposição simétrica, formariam um retângulo (a) e, se retirassem de cada fila dois elementos, obter-se-ia um quadrado (b), conforme a figura abaixo.

FIG 02 - a e b

VER FIGURA P.11.

As estagiárias contornaram as representações com fita crepe e assim, ficando marcadas no carpete as formas do retângulo, do quadrado e da circunferência.

Em alguns momentos as alfabetizandas dançaram e foram convidadas a girar, alternativamente, para a direita e para a esquerda, dando-se e soltando as mãos. Trabalhou-lhe assim, indiretamente, a noção de lateralidade e foi explorada a formação de coluna, fila e linha.

Na seqüência das atividades, como exercício de fixação, as alfabetizandas tiveram que reconhecer, dentro do próprio ambiente, as formas observadas e verbalizá-las. Os objetos forma localizados e, com muita presteza, elas relacionaram suas formas. Reconheceram que os óculos de uma colega, os botões da blusas e o porta-copos eram redondos. E a estante, com suas subdivisões, e os cadernos eram retangulares. E assim sucessivamente...

Para finalizar, escreveram no papel e no quadro-de-giz as formas das figuras que tinham aprendido e as nominaram.

A GEOMETRIA É A EXPLORAÇÃO DO ESPAÇO

As atividades de Matemática nesta unidade deram seqüência à exploração do espaço sala de aula, iniciadas em Educação Física.

As alunas nomearam os objetos que se encontravam no ambiente, como mesas, cadeiras, cadernos, banquinhos, quadro-de-giz, livros, etc.

Ao serem questionadas quanto à forma geométrica do caderno, de início elas responderam que era quadrado. Uma aluna, porém, com o auxílio do lápis como instrumento de medida arbitrária, afirmou que "a medição de um lado do caderno era diferente da medicação do outro" e que "o único objeto cadrado que havia na sala de aula era a banqueta". Com a observação desta aluna, todas concluíram que o caderno não era quadrado, e sim de forma retangular e, ainda, que o quadrado tem os quatro lados de igual medida e o retângulo tem lados iguais dois a dois.

O caderno foi representado no quadro de giz. Houve, nesse momento, necessidade de se esclarecer que o caderno media 20 centímetros, em vista do questionamento feito por uma aluna, se não eram 20 metros. Logo tiveram a idéia de que 20 metros é uma medida muito grande.

Outra aluna, que é costureira, lembrou que para cortar uma saia godê, ela tem que fazer um quadrado com o pano. Inclusive, fez a demonstração desse procedimento.

A lapela do boldo da blusa de uma alfabetizanda era de forma triangular. Foi representada no caderno de todas. Perceberam que o triângulo da lapela tinha dois lados do mesmo tamanho e outro diferente; e que o triângulo, instrumento musical, tinha os três lados iguais. Assim, descobriramque xistem diferentes tipos de triângulos. O botão da lapela, assim também como atampa de um vidro, a bola e o arco foram classificados como de forma geométrica redonda. Os objetos foram contornados nos cadernos. O contorno identificado como circunferência e a região interior ao contorno, denominada círculo. A bola, por sua vez, como representação da esfera.

A partir desse objetos, as alfabetizandas começaram a relacionar outros como: a roda da bicicleta, circunferência; o disco do Fábio Jr., círculo e o globo geográfico, esfera.

Nessa conexão, foram trabalhadas a idéia de espaço, diferenciado em interior e exterior, dentro e fora; a idéia de medida: grande e pequeno, grosso e fino, leve e pesado, etc.

O espaço interno da sala, tendo como limites as paredes e as janelas, o corredor como área exterior à sala e as outras salas mais próximas ou mais distantes, também foram exemplos mencionados. A sala de aula foi considerada como espaço grande em relação a certos espaços. Uma aluna comentou que: toda a sua casa caberia dentro da sala de aula". Com isso a relação de inclusão pôde ser trabalhada: o menor incluso no maior. As noções de grosso e fino também foram trabalhadas quando os liivros e os cadernos tiveram classificação quanto à quantidade de páginas.

A noção de leve e pesado foi discutida no momento em que se propôs uma mudança de lugar no mobiliário, na sala de aula.

Para finalizar, foi comentada a altura da sala, que as alfabetizandas denominaram pé direito. Como a construção da Universidade é antiga o pé direito é muito alto em relação às construções atuais, foi a conclusão a que chegaram.

AULA DE GEOGRAFIA

A aula de Geografia foi iniciada como idéia de círculo, explorando nas atividades de Educação Física e Matemática, para se trabalhar as noções de espaço interno e externo, centro, periferia e limites. Em vista de que a pessoa apreende com maior facilidade os conceitos a partir do que ela conhece, do que ela vivencia e observa no seu cotidiano, todas as noções acima referidas foram desenvolvidas em relação aos ambientes imediatos e próximos da clientela, sendo que as atividades tiveram a seguinte seqüência:

- primeiramente, foi colocado um círculo de papel no chão e solicitou-se que algumas senhoras entrassem nele e respondessem se estavam no interior ou exterior do círculo e, vice-versa, em relação às que ficaram fora do círculo.

- em seguida, foi-lhes perguntado onde ficava o exterior e o interior da sala de aula e, depois:

- o exterior e o interior do prédio em que se encontravam.

Com a utilização da mesmo figura do círculo, foram então trabalhadas as idéias de centro e periferia, seguindo o procedimento anterior, isto é, com movimentação das participantes e pelo desenvolvimento de diálogo explicitador, utilizando-se sinônimos esclarecedores (periferia, arredores; centro, meio) Esses conceitos, como os anteriores, foram aplicados à sala de aula e à própria Universidade (Ed. D. Pedro I e Reitoria) por meio da dramatização, na qual cada pessoa representava um local e sua respectiva direção cardeal, considerando-se que, no semestre anterior, fora trabalhada com as alfabetizandas a idéia de orientação.

Fig. 03

VER P.15.

Em conexão com a discussão do sentido de centro e de periferia, o grupo explorou também as idéias de perto e longe.

Num terceiro momento das atividades, a estagiária pisou na linha que cortava a figura do círculo perguntando se estava no interior ou no exterior do mesmo, chegando-se ao conceito de limite. Foram dados, pela estagiária e pelas participantes, vários exemplos de limites:

- no ambiente da sala de aula (utilização da mesa e das carteiras para separar partes da sala e as paredes da sala como um todo);

- no exterior da sala de aula: ruas, como limite da quadra do prédio D. Pedro I e da Reitoria; cercas e muros como limites de áreas rurais, fazendas e chácaras - conhecidas por algumas senhoras, deve-se observar que, em aulas subseqüentes de Geografia, o conceito de limite foi ampliado para os bairros da cidade e para os municípios da Região Metropolitana de Curitiba.

Como último momento das atividades da aula sob relato, foram retomadas todas noções trabalhadas com o objetivo e realizar-se uma avaliação da aprendizagem da turma. As participantes desenharam um círculo no quadrado, indicando os espaços internos e externos, suas divisas, o centro e os arredores do círculo.

AS CIÊNCIAS NATURAIS

A partir da unidade de trabalho "a relação do homem com seu espaço", as alunas em processo de alfabetização desenvolveram tópicos referentes aos aspectos anatômicos e fisiológicos do organismo humano, i.é., os diferentes órgãos e partes que caracterizam externamente e internamente o corpo humano e os órgãos dos sentidos. Os conceitos de interno e externo surgiram como conseqüência de momento anteriores, nas aulas de Educação Física, Matemática e Geografia.

A aula de iniciação às Ciências começou com a identificação dos alunos e da professora como forma de reconhecimento de cada um, enquanto ser vivo. Para isto a estagiária solicitou às alunas que fizessem um crachá de identificação. Em seguida, iniciaram o reconhecimento das partes externas do corpo humano. Na medida em que os diferentes órgãos iam sendo citados as alunas, uma a uma, os escreviam no quadro-de-giz enquanto uma, a que estava na frente da turma, indicava em seu próprio corpo a localização dos órgãos. Assim, foram citadas partes externas do corpo humano: braços, pernas, cabeça, olhos, orelhas, cílios, lábios, sobrancelhas, unhas, joelhos, bunda, busto e pés.

Em seqüência as alunas foram orientadas pela estagiária a organizarem as palavras escritas sobre o corpo humano em grupos, de acordo com suas localizações. Foram estabelecidos sinais para isto.Todas as partes do corpo localizadas na cabeça, foram circundadas no quadro-de-giz, com uma determinada cor. Da mesma forma, as que constituem os membros inferiores e superiores e as que se localizam no tronco.

Depois as alunas constituíram duplas e receberam revistas, tesoura, cola e folha de papel em branco. Deviam recortas figuras humanas e colá-las nas folhas fornecidas. Estas figuras tiveram suas partes identificadas e escritas. de forma a indicar sua localização (Fig. 04).

FIG. 04

VER P.18

A seguir, as alunas iniciaram o estudo dos órgãos dos sentidos e de suas finalidades. Para tanto, desenvolveram uma série de observações específicas, utilizando-se de variados materiais: lixas, lanterna, sineta, recipientes com areia, sal açúcar, vinagre, pnho-sol, percebendo os diferentes estímulos provocados por eles sobre os respectivos órgãos de recepção do corpo humano.

Conheceram assim, de forma sistematizada, os órgãos dos sentidos e aprenderam a discriminar algumas das características dos materiais que podem ser percebidos por eles, tais como: cor, tamanho, tipos de sons, sabor, textura, temperatura, etc.

Motivadas por estas atividades, as alunas se interessaram em conhecer com detalhes o que se passa no interior do corpo humano.

Desta forma, estimuladas por situações-problema que lhes foram propostos, discutiram e refletiram sobre o que acontece com o alimento no interior do corpo humano, o caminho e função do ar até chagar ao pulmões e a reprodução humana.

Para melhro fixarem os principais conceitos relacionados aos órgãos, aparelhos e sistemas que compõem o interior do organismo humano, as alunas desenvolveram atividades de recorte e colagem, jogos didáticos, análise e discussão com base em cartazes, fotografias e desenhos.

Revestiu-se de grande importância para as alunas o estudo do corpo humano, na medida em que foram esclarecidas questões referentes ao conhecimento do próprio corpo, possibilitando o enriquecimento não só do processo da escrita como também da expressão verbal.

SENSIBILIZAÇÃO AUTO-PERCEPTIVA

Em Educação Artística foi proposta e realizada uma seqüência de atividades em dois momentos: a) em relação ao ambiente e b) em relação ao próprio corpo.

a) Em relação ao ambiente:

1. andaram pela sala sentindo o espaço-tamanho, temperatura, confortabilidade, iluminação, etc.; 2. experimentaram os diversos lugares da sala; 3. escolheram um lugar preferido; 4. desenharam, com lápis-cera, o lugar escolhido.

Nestas atividades, foi dada ampla liberdade ao grupo para relaizar estas propostas da maneira que quisessem. O desenho do lugar escolhido poderia ser feito com linhas ou só com cores, em expressão livre.

Ao final, mostraram os desenhos às colegas e comentaram as várias atividades: o que mais gostaram de fazer, o que acharam mais difícil etc.

b) Em relação ao próprio corpo:

1. andaram pela sala sentindo os movimentos do corpo; 2. pesquisaram, enquanto andavam, suas articulações ("dobradiças"); 3. examinaram, com o olhar, suas próprias mãos: tamanho, sinais, linhas, formato, etc.; 4. exploraram os muitos movimentos e trabalhos que as mãos podem fazer; 5. pesquisaram as próprias mãos através do tato; 6. desenharam com lápis-cera o contorno das mãos e, assim como fora feito no primeiro momento, elas comentaram: - nnca tinha olhado direito minhas mãos...! - como é bom encostar nas mãos!

VER FIGURA P.20

A partir de um recorte do jornal Gazeta do Povo (03 set. 1989), foi explorada a parte dos pés. Inicialmente, copiaram o desenho dos pés, apresentado no recorte e depois, fizeram comparações com outros pés: pés de galinha, pés de pato, pata de vaca e pata de cachorro. Então, desenharam e elaboraram frases.

Apesar de conhecerem os animais citados, tiveram muitas dúvidas, quanto à forma dos pés desses animais. Chegaram a colocar que, apesar de ter em sua casa uma criação de galinhas e patos, nunca observaram como eram seus pés. Outra mencionou que em casa já havia "matado" mais de 3.000 galinhas mas nunca teve a preocupação de "reparar" quantos dedos há nos pés das galinhas. A partir dessa dúvida, se propuseram a prestar mais atenção a esse fato.

Em continuidade, uma questão foi colcada para reflexão: para onde meus pés estão me levando? Ao que a maioria delas respondeu: "para todos os lugares".

Questionados quais os lugares, citaram: igreja, trabalho, escola, compras, passeio; os pés permitem a locomoção dentro de sua própria casa (do quarto ao banhiero, para o jardim, a cozinha, etc).

Foram feitos alguns movimentos com os pés. Tiveram oportunidade de observar, apalpar os seus próprios pés, comparar com os dos companheiros, questionando os tamanhos e o número dos sapatos que calçavam; bem descontraídas iam assimilando muitas coisas: tamanho, formas, exterior e interior, os pés fora e dentro dos sapatos, etc.

Sabendo-se que, de acordo com a literatura, a apreensão e representação mental dos espaços, o conhecimento e a representação mental do próprio corpo, considerou-se que a proposta de Educação Artística oportunizou às alfabetizandas um processo significativo no desenvolvimento da unidade.

A LEITURA E A ESCRITA DO ESPAÇO

Em todas as áreas de aprendizagem a linguagem falada e escrita esteve presente no desenvolvimento da unidade.

As palavras que eram comuns às alfabetizandas, como mesa, cadeira, banco e caderno não apresentaram dificuldades na fala e no registro das mesmas. Pode-se verificar, porém, uma barreira inicial com algumas palavras que, devido à prática espontânea da fala, as alfabetizandas pronunciavam e escreviam de forma análoga, desconhecendo a norma culta da respectiva representação gráfica, por exemplo:

- zolho, zóio: olho;

- oreia: orelha;

- vido, ovido: ouvido;

- narize: nariz;

- bouca: boca;

- branceia: sobrancelha;

- drento: dentro;

- retango: retângulo;

- prumão: pulmão;

- figo: fígado;

- circo: círculo;

- sômago: estômago;

- fera: esfera.

Outra dificuldade encontrada no trabalho durante as atividades da área foi a questão da relação entre signos e significados. Por exemplo, para elas o vacábulo representar significava a mesma ação que apresentar.

Para melhor compreensão, estas palavras foram escritas no quadro-de-giz e nos cadernos. Nesse momento já começaram a perceber certa diferença na escrita. O uso do dicionário foi de vital importância, porque as alfabetizandas reconheceram que as palavras estão em ordem alfabética mp dicionário.

A palavra apresentar no início, pois começava com a letra a e representar estava bem mais próximo do fim, pois a letra inicial era r. Isso foi fantástico para elas. Foi comentado que a lista telefônica, as agendas de endereço, e os cartões-ponto também estão em ordem alfabética. Em seguida, entenderam, após a leitura, que os significados de apresentar e representar eram diferentes.

Para finalizar, foi sugerida uma dramatização das palavras. Um grupo dramatizou a palavra apresentar como uma ação entre duas pessoas desconhecidas. Outro grupo montou uma brincadeira: os animais. Pela mímica dos movimentos dos atores, o público identificava qual o animal representado. Reeptiu-se também esse jogo em outros momentos, quando ocorria uma dificuldade em relação entre significado e significante.

No final da unidade, com as palavras aprendidas, foram elaborados alguns textos; de início em grande grupo, depois individualmente. Como ilustração, alguns exemplos.

TEXTOS FORMULADOS PELO GRUPO:

a) "A janela é grande, transparente e retangular, para olhar, entrar ar e fechar. O quadro negro, tem forma retangular e de tamanho médio, serve para escrever. Os vasos são pequenos: têm, a forma do círculo e serve para plantar flores. A banqueta é quadrada e serve para: sentar".

b) "A janela é grande, transparente e retangular. Serve para abrir e entrar o ar, e fechar.

O quadro é negro, tem forma retangular e tamanho, médio. E serve para escrever e aprender. A mesa é grande, a forma dela é retangular e serve para estudar e comer. Os vasos são pequenos, têm a forma do círculo e servem para plantar flores e para enfeitar a casa. A banqueta tem a forma de um quadrado e serve para sentar.

A porta tem a forma de um quadrado, e serve para abrir e fechar.

O jornal tem a forma de um quadrado, e serve para ler.

O vidro tem várias formas, e servem para ver o outro lado.

O travesseiro tem a forma retangular, e serve para dormir e descansar".

TEXTOS INDIVIDUAIS

As orelhas são importantes para ouvir. A língua precisa para sentir o gosto da comida e para falar.

Maria Cândida Oliveira

Que linda noite, Que céu tão azul

Nem vento do norte

Nem vento do sul

Lindas estrelas brilhando no céu.

Santina Alves

19 de novembro de 1988:

é o dia da Bandeira

Na bandeira tem:

retângulo.

A cor verde representa

as matas

Losângo: cor amarela, as

riquezas, o ouro.

Círculo: as estrelas.

Cada estrela é um

Estado.

Na faixa branca:

"Ordem e

progresso.

S.M.S.

Os textos refletem o momento no qual se encontravam as alfabetizandas, que era o domínio da escrita, correspondendo também aos conteúdos trabalhados na unidade.

Observa-se uma disponibilidade por parte das mesmas em trabalhar palavras, tentando até fazer poesia: elas demonstraram assim o seu envolvimento no processo de alfabetização.

É possível que, nas fases subseqüentes, estas alfabetizandas possam vir a caracterizar melhor sua realidade de vida por meio do código escrito, pois pela fala elas expressavam tal percepção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do conceito de alfabetização como um processo integrado de apropriação do saber e, portanto, de compreensão do mundo, as atividades desenvolvidad por meio de situações concretas em todas as áreas de estudo permitiram às alfabetizandas uma construção de conceitos e uma vivência cognitiva de relação direta e imediata com o se cotidiano. Assim, durante as atividades de Educação Física, Matemática, Geografia e Educação Artística, as alfabetizandas nomeavam os objetos que estavam no espaço da sala de aula, denominavam as formas geométricas e as relacionavam com outros objetos utilizados no seu dia-a-dia, bem como exploravam a localização espacial desses objetos, isto é, indicando em que lugar no espaço eles se encontravam: interior, região periférica e centro. Nesse sentido, trabalho e exterior, dentro e fora, longe e perto, em cima e embaixo, semelhante foi realizado com algumas partes do corpo, em Ciências. E, considerando-se que o texto, oral ou escrito, é interdisciplinar, as atividades de expressão verbal foram efetuadas em todo o decorrer da unidade, com culminância no momento da leitura e escrita. O trabalho foi produtivo na medida em que todos os conteúdos foram planejados, discutidos e reelaborados por uma equipe interdisciplinar, composta por especialistas de todas as áreas. Os alunos estagiários das diferentes licenciaturas, com assessoramento de seus professores, puderam desenvolver uma experiência docente diferenciada, vivenciando dessa forma uma prática da alfabetização de adultos.

  • ALMEIDA. Rosangela D. de & PASSINI, Elza Y O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo, Contexto, 1989, 90p.
  • DIENES, Zoltan. Primeiros passos em matemática, Un. III. Exploração do Espaço. São Paulo E.P.V., 1964.
  • FEIL, Isilda Teresinha Saresen. Conteúdos Integrados: uma proposta metodológica para as séries iniciais do ensino de 1ş grau. Ijui, Fidene; Petrópolis, Vozes, 1985.
  • PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre Educação de Adultos São Paulo, Loyola, 1973.
  • PROCIRS. PEC - Projeto de ensino de Ciências Porto Alegre, Fundação para o Desenvolvimento do Ensino do Rio Grande do Sul, 1983.
  • RIBEIRO, Elinor E. Projeto Alfabetização de Adultos - Servidores da UFPR Curitiba, Fundação da Universidade Federal do Paraná para o Desenvolvimento da Ciências, da Tecnologia e da Cultura, 1988.
  • SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica, São Paulo, Cortez Editora, 1980. 224 p.
  • SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DE CURITIBA , Escola Abertura-Aventura da Alfabetização, ano V, nş 12, agosto de 1988.
  • TFOUNI, Leda Verdiani. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas, São Paulo, Pontes, 1988.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1989
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