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A formação do professor para o ensino das disciplinas pedagógicas na escola de 2.º grau

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A formação do professor para o ensino das disciplinas pedagógicas na escola de 2.º grau

Leila de Almeida de Lócco

Departamento de Ensino de Segundo Grau - DESG-SEED

A questão da formação dos professores para as disciplinas pedagógicas na Escola de 2.º Grau nos remete à problemática da "Formação de Recursos Humanos", envolvendo não só as Instituições de Ensino Superior, as de Ensino de 2.º Grau, 1.º Grau, como também as Instituições a nível de Pós-Graduação e, conseqüentemente, a uma Política de Recursos Humanos. Ora, uma Política de Recursos Humanos em Educação só poderá ser tratada no contexto de uma Política Educacional que, por sua vez, só pode ser entendida de forma global, se inserida no contexto sócío-político e cultural do país.

Convém lembrarmos o descaso com que os governos militares trataram a Educação nestes últimos vinte anos. Nesse período, ocorreram Reformas Educacionais abarcando todos os níveis de ensino. Estas reformas, no entanto, não foram objeto de ampla discussão com a sociedade brasileira, nem com a comunidade acadêmica. Os modelos implantados, sem a tão necessária "redução sociológica" para que realmente servissem à realidade brasileira, vieram desarticular o sistema educacional vigente sem, no entanto, propiciar a tão decantada democratização da educação, defendida em discursos liberais.

O saldo educacional hoje é bastante insatisfatório. Vejamos:

- implantação desenfreada de Instituições de Ensino Superior ligadas à Particulares;

- reduzido orçamento para a Educação Pública, que não vem podendo expandir sua oferta, a não ser em detrimento da qualidade do ensino;

- centralização das verbas educacionais, rigidez excessiva, além de muita burocracia para a prestação de contas;

- fracasso do ensino profissionalizante, a nível de 2.º Grau;

- altos índices de seletividade nos diferentes graus de ensino, quer seja dentro ou fora do processo;

- o descompromisso com um ensino transformador e democrático que, além de oferecer oportunidades iguais, também ofereça condições iguais para que a permanência do aluno no sistema seja assegurada;

- as propostas educacionais da escola pública não valorizam a cultura brasileira, nem se identificam com ela;

- descumprimento da legislação, principalmente a que favorece a democratização da educação;

- falta de incentivo às pesquisas e pesquisadores que, muitas vezes, acabam sendo cooptados por outros paíser, tendo ocorrido uma verdadeira evasão de cérebros, se constituindo em perda inestimável;

- altas taxas de analfabetismo, lado a lado com propostas de alfabetização de adultos destituídas de dimensão político-social;

- dificuldades sendo impostas à organização dos docentes e discentes em associações.

Esses nada mais são do que alguns dos reflexos dos resultados de um modelo de sociedade que nos foi imposto, onde a "Ideologia de Segurança e Desenvolvimento" não dá espaço para uma Educação que não seja amordaçada, com dirigentes e diretrizes impostos, com os discentes impedidos de vivenciar a democracia através de suas organizações, com os docentes adormecidos pela "Ideologia da Neutralidade Científica", que nega a "Educação como ato político".

Lado a lado a esta situação de penúria em educação, e não por coincidencia, o povo brasileiro também se encontra neste estado. E é essa clientela que hoje está nas escolas públicas, mas paradoxalmente, não é essa clientela a trabalhada nas nossas escolas, seja ela de Pós-Graduação, 3.º Grau (Cursos de Pedagogia), 2.º Grau (Curso Magistério). A clientela que está presente nos nossos currículos é uma "clientela idealizada", ou seja, não trabalha, tem pré-requisitos, é bem alimentada, estuda de preferência nos cursos diurnos e etc.

A crise que a sociedade brasileira está enfrentando, pois vivemos um momento histórico de transição, se reflete na Educação que, por sua vez, se encontra sem rumos, sem um projeto político-pedagógico definido.

Este momento, no entanto, se reveste de máxima importância se acreditarmos que a Educação não reflete apenas as relações sociais existentes na sociedade, mas também suas contradições. Podemos, com base nisso, ressaltar alguns avanços de nossa sociedade que, fazendo emergir as contradições e percebendo que, embora a Educação não seja a alavanca das transformações sociais (Otimismo Pedagógico), ela possui um espaço que deve ser ocupado por nós educadores; e isso possibilitou algumas tentativas de organização da sociedade civil, dentre as quais vamos encontrar grupos organizados ligados à educação.

Graças às pressões desses grupos organizados, propôs-se a "Reformulação dos Cursos de Ensino Superior responsáveis pela formação de recursos humanos em Educação", através de processo participativo, como estratégia inclusive para a própria reformulação das Instituições de Ensino Superior como um todo. Nesse projeto foram envolvidas as diferentes Instituições (as isoladas, as municipais, as estaduais e as federais). É interessante relembrar que o Curso de Pedagogia vinha sendo questionado em sua proposta de formação de recursos humanos, com base no Parecer 252/69 do Conselho Federal de Educação, que previa as Habilitações (Orientação Educacional, Administração Escolar, Supervisão Escolar, Planejamento Educacional, Inspeção Escolar e Magistério de 2.º Grau). Nessa etapa de sua história, o Curso de Pedagogia que, para fugir à crítica de curso generalista, se especializou; acabou se esvaziando justamente no que se constitui em sua essência, ou seja, a formação do educador. Nesse momento, não se questionava nesses cursos que homem se devia formar. Apesar do Ministério da Educação e Cultura aparentemente concordar com a proposta de renovação desses cursos, envolvendo num trabalho participativo docentes, discentes e administradores de quase todo o Brasil, a proposição feita por esse órgão não foi de encontro às expectativas dos participantes, que alegaram o esvaziamento da proposta. Os participantes, no entanto, não tiveram forças ou organização suficiente para superar a proposta conservadora do órgão central. Assim é que, no momento, a estrutura dos Cursos de Pedagogia, de um modo geral, não foi mexida, a não ser com raras exceções, como é o caso da Universidade Federal do Paraná, que oferece a Habilitação Magistério para as Séries Iniciais. Isto equivale dizer que o Curso de Pedagogia continua afastado de seu principal motivo, ou seja, o 1.º Grau, nas suas classes de 1.ª a 4.ª séries.

O Curso de Pedagogia, além de estar isolado dos Cursos de Magistério, a nível de 2.º Grau, e das classes de 1.ª a 4.ªséries, se isolou também dentro da própria instituição, não se integrando com os outros cursos da Área de Educação. A própria proposta do Curso, com ênfase nas habilitações, colaborou para a falta de integração dentro do curso. Inclusive temos elementos formados apenas em determinada habilitação, enquanto que outras propostas colocavam a habilitação em Magistério de 2.º Grau como tronco comum. Mas, nem nesse caso tem havido integração, pois a expectativa da maioria das alunas era fazer as habilitações, principalmente as que mais vingaram (Orientação Educacional, Administração Escolar e Supervisão Escolar), cursando a Habilitação Magistério como uma obrigação.

Acrescente-se a estes ingredientes a dicotomia entre teoria e prática, o regime semestral, o sistema de créditos, uma abordagem funcionalista dos conteúdos, falta de política de recursos humanos a nível de Estado, resultando em falta de mercado de trabalho, ausência de política de recursos humanos das instituições de ensino superior, redundando em pessoal desatualizado, sem incentivos; falha nos mecanismos de seleção, o que possibilita a acolhida de uma clientela que não apresenta consistência em sua vocação, falta de valorização da profissão no contexto social, classes numerosas, regime de trabalho por hora-aula; e teríamos um quadro bastante aproximado dos nossos sofridos Cursos de Pedagogia.

Pari passu registre-se o que vem acontecendo no Ensino de 2.º Grau. Após o reconhecimento do fracasso do ensino profissionalizante, o balanço em termos de formação de recursos humano para atuar em 1.ª a 4.ª séries não é nada animador.

O Curso Magistério de 1.º a 4.ª séries reduziu-se a mais uma entre as habilitações, a nível de 2.º Grau e, conseqüentemente, sofreu um processo de descaracterização, se comparado com o Curso Normal até então vigente. Houve a desarticulação desse Curso, que passou a desviar seus objetivos de Profissionalização (Terminalidade) em prol dos objetivos de Continuidade. Mais uma vez, a dicotomia se fez presente e Educação Geral e Formação Especial se excluíram, ao invés de se integrarem. A par disso, a divisão também se fez presente em Teoria e Prática, além da falta de sintonia com a 1.ª a 4.º séries. Agora não há mais a convivência do Curso Magistério com as classes de 1.ª a 4.ª séries, pois este está numa escola de 2.º Grau que, na maioria das vezes, não abriga classes das séries iniciais.

O 1.º Grau sofreu modificações, sua clientela é diferente, não pertence mais à classe média; é uma clientela carente, que leva à crise econômica e social para a sala de aula. No entanto, as alunas do Magistério chegam até essa escola sem saber "alfabetizar" e as professoras de Didática do Curso Magistério (Pedagogia) não questionam com seus alunos a problemática da Alfabetização, nem criam espaço para trabalhar com mais profundidade e crítica a questão. Faltam-lhes subsídios para tanto. Também não é preocupação dos Cursos Magistério e, por extensão do Curso de Pedagogia, os problemas de Evasão e Repetência e sua estreita ligação com o sistema de avaliação, que vem funcionando impunemente como mecanismo de seleção intra-escolar. Nesses momentos, a qualidade de ensino é evocada e, em nome dela, a seleção é legitimada.

Não se faz, nos Cursos de Pedagogia, nem nos Cursos de Magistério, a crítica a uma Educação que ainda é Educação de Classes e, portanto, não se questiona o conceito de "Qualidade do Ensino" e ainda, se utiliza um conceito de Qualidade tido como universal por excelência como referencial teórico para as decisões educacionais. Não se busca o significado de qualidade de ensino para as classes populares que vêm procurando a escola pública, já que esse conceito é relativo e ligado à classe social.

A nível de Paraná, dentre as Políticas Educacionais explicitadas pela SEED, aparece a "Melhoria da Qualidade do Ensino com prioridade para as escolas da rede pública" e a "Reorganização do Ensino de 2.º Grau" como uma das formas de assegurar essa política setorial, assim como a "Integração entre os Diferentes Graus e Modalidades de Ensino".

Para efetivar estas políticas, o Departamento de Ensino de 2.º Grau desencadeou o "Projeto Magistério em Nova Dimensão" que tem como objetivo revitalizar os Cursos de Magistério em face de sua descaracterização. Neste projeto foram envolvidas as Instituições de Ensino Superior como um todo e os Cursos de Pedagogia em particular, visando em última instância, a melhoria da qualidade do ensino de 1.º Grau - 1.ª a 4.º séries.

Este Projeto tem a intenção de promover a integração das diferentes instituições e graus de ensino responsáveis pela formação de recursos humanos para o Magistério, para que através de ação conjunta se aproximem mais da formação de um profissional atuante, crítico; realmente educador, pois precisamos superar as críticas isoladas a determinados graus de ensino, partindo para um trabalho de articulação entre os diferentes graus e modalidades de ensino.

Quanto à formação do professor para lecionar as disciplinas pedagógicas, a nível de 2.º Grau, muitos pontos podem ser considerados: Como se deseja para o Curso Magistério um professor, ao mesmo tempo com competência técnica e compromisso político; do pedagogo que se habilitou para lecionar as disciplinas pedagógicas se espera também que sua formação lhe garanta compromisso político e competência, expressas através de:

- uma sólida fundamentação filosófica para que se tenha bem claro uma concepção de homem, mundo, sociedade, escola, educação, currículo e ensino;

- uma visão crítica da Didática e da Psicologia como forma de superação do psicologismo na Educação. Que a Psicologia seja apenas uma das dimensões da Educação a ser trabalhada e não o definidor do pedagógico;

- estabelecer, com base em referencial filosófico, a crítica às diferentes concepções de currículo;

- uma visão crítica da história e da filosofia da educação brasileira, como forma de intervenção na realidade educacional;

- abordagem curricular que propicie a integração do currículo como um todo e uma ação transformadora da realidade;

- convivência com as escolas de 2.º Grau - Magistério e 1.º a 4.ª séries, participando de seus projetos pedagógicos e não só por ocasião das "atividades formais de Estágio Supervisionado";

- integração dos Cursos de Pedagogia com os demais Cursos da Área de Educação, que muito têm a contribuir para a formação do pedagogo. Exemplo: Curso de Letras, no campo da Lingüística, para melhor embasar a questão da Alfabetização e uma nova postura diante do Ensino da Língua nas demais séries. A divulgação dos resultados das pesquisas, principalmente, dos diferentes Cursos de Licenciatura, viria enriquecer sobremaneira o currículo;

- acompanhamento dos egressos, como forma de revitalização constante dos cursos;

- matérias que consideradas básicas, no Currículo da Universidade, contribuam realmente para a profissionalização do pedagogo.

Em síntese, para a construção do novo perfil do pedagogo, a Didática, a Metodologia e a Prática de Ensino assumem uma importância bastante grande, uma vez que a Didática vem se revestindo de um papel estabilizador na sociedade, haja visto a ausência de mudanças substanciais nas nossas escolas, sejam elas de que grau forem, onde ainda predominam: um planejamento tradicional, uma disciplina rígida, o autoritarismo do professor em razão de sua autoridade funcional e não da autoridade do saber, um currículo desvinculado da realidade da clientela regional e nacional, pois não são embasados em critérios de ordem social, mas apenas de ordem lógica e psicológica e ainda legitimados por um sistema de avaliação com conotações fortemente ideológicas, onde o medo e o poder da avaliação são componentes reais, não havendo lugar para uma dimensão social da avaliação onde os valores sócio-culturais seriam respeitados.

Propõe-se que a Didática e a Metodologia assumam um papel transformador, onde inicialmente far-se-ia a crítica a essa Didática, Metodologia e Prática de Ensino que estão aí postas para, em seguida, buscar formas mais inovadoras, onde o aluno concreto seria o ponto de partida, assim como o conhecimento de sua realidade, para só então planejar ações, executá-las e avaliá-las. A Didática, a Metodologia e a Prática de Ensino precisam superar uma postura associacionista, em prol de uma postura mais operatória, compromissada com a construção da sociedade, onde o aluno seja sujeito de sua aprendizagem e, além de aprender-a-aprender para não se tornar nosso cliente cativo, deve ainda entender os mecanismos que regulam nossa sociedade capitalista para nela poder intervir.

Nessa nova dimensão da Didática proposta, muita coisa terá que se alterar, porque se alterou nossa visão sobre a escola:

- é a concepção de planejamento, que passa a ser participativo, pensado numa dimensão social;

- é a concepção de método de ensino, entendido também no seu papel político de estabilizador ou acelerador de mudança;

- é a concepção de disciplina, que se despe de autoritarismo, pois será resultado de um trabalho embasado em temas com significado e não sobre a realidade congelada;

- é o relacionamento entre professor e aluno, que deve ser pautado no diálogo, pois ninguém se educa sozinho, mas em comunhão. Aqui a Didática assume sua dimensão humana, uma vez que o homem é um ser inconcluso, um ser que busca;

- é a adoção de métodos libertadores, que propiciem a construção e reconstrução do saber;

- é a avaliação, que deve assumir realmente seu caráter formativo e deixar de ser discriminatória.

Finalizando, não é nada fácil abraçar uma nova visão da Didática. Ela requer coragem, por significar um desafio, um compromisso. Para quem trabalha de modo formal, é o desconhecido, o novo, e isto gera insegurança e até resistência, que se observa nos próprios colegas de trabalho e ,até mesmo, nos alunos que já passaram por uma abordagem tradicional dessa disciplina (que favorece a acomodação). Muitos alunos confessam preferir, quando consultados, uma abordagem tradicional, pois estas regras do jogo eles já conhecem de há-muito. A incursão em novas formas de abordar a Didática requer mais competência técnica do que a abordagem tradicional, onde a programação é pré-fixada. A resistência por parte dos alunos reside em assumir o compromisso de acompanhar o trabalho como um todo e dele participar realmente, como sujeito do processo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1986
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