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Anotações para um resgate pedagógico das escolas rurais

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Anotações para um resgate pedagógico das escolas rurais

Rejane de Medeiros CerviI; Sirley Terezinha FilipakII; Suiraci Placides da SilvaIII

IDoutora em Educação pela Universidade Barcelona - Espanha

IIMestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná

IIIMestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná

INTRODUÇÃO

Na atualidade, as questões educacionais brasileiras, estão, dentro da abordagem sociopolítica, submetidos a duas condições opostas : ou elas demandam uma consideração enquanto fenômeno "de massa" ou elas se incluem em uma configuração problemática "de minorias".

Entre as questões que hão de receber um tratamento político de grande escala estão as relativas ao ensino de primeiro grau, este já declarado universal, e os demais graus- ensino médio ou de segundo grau e o ensino superior. Estes dois últimos ganham significado de massa a partir do momento em que a sociedade brasileira proclama o seu compromisso de democratização do acesso, de redução das situações de seletividade no decorrer da escolarização e de diversificação da estrutura do sistema escolar. Todas estas medidas ampliam o fluxo de crianças, jovens e adultos, acomodando, inclusive, toda ambigüidade possível acolhida pelas demandas respectivas, especialmente aquelas subjacentes ao momento da escolha pelas áreas formativas universitárias.

A defesa de um ensino superior "massificado", conseqüência mais radical da liberalização do fluxo escolar, é reflexo de um quadro de ascensão acentuada da escola convencional em um sistema educacional que não oferece "terminalidades" formativas a não ser por meio de trajetórias curriculares mais longas ou em oportunidades que já se converteram em ocasiões verdadeiramente excepcionais. Cabe lembrar, aqui, que a profissionalização ao nível do ensino médio, ou de carreiras curtas em nível superior deram-se em oportunidades escassas que resistiram a um discurso pedagógico totalitário que está levando a conformação do sistema escolar convencional a uma condição funcional monolítica de suposto efeito equalizador.

O volume crescente da população brasileira e o expurgo precoce dos segmentos etários próprios, em todos os níveis de ensino, promovem dois outros fenômenos de massa que desafiam as soluções educacionais: o contingente de adultos não alfabetizados e a clientela do ensino supletivo constituída por jovens e adultos impedidos de realizarem a sua escolarização em regime e ritmo aceitos como "regulares".

Tanto a demanda virtual quanto aquela que passamos a denominar "supletiva" originada da exclusão social que se processa no seio do sistema escolar, derivam de pressões associadas a aspirações culturais e à hierarquização da sociedade, a qual não esconde a sua correspondência com um perfil de requisitos educacionais cada vez mais refinados. Basta passear pelos anúncios de empregos e pelos editais de concurso público. Não mais a ascensão social, mas a própria sobrevivência de grande parte da população, está condicionada à comprovação cartorial de níveis progressivos de qualificação escolar.

De outro lado, estão as expressões problemáticas "de minorias". Podemos considerá-las em seu sentido quantitativo, ou de razão numérica, ou em seu sentido qualitativo, ou de razão ideológica.

Constituem problemática educacional "de minorias", em seu sentido quantitativo dentro do quadro escolar, a escola para portadores de deficiências físicas e mentais (eles representariam perto de 10% da população escolarizável, segundo dados vulgarizados pelo setor), a educação escolar de agrupamentos indígenas e a escola rural.

O sentido qualitativo está mais destacado no discurso educacional internacional. Nas considerações de base de enunciados políticos projetados internacionalmente, o termo "minoria" é trabalhado em seu significado de desigualdade social, isto é, em seu sentido de qualificação política dentro do quadro da vida social.

Assim, as desigualdades sociais englobariam todas as diferenciações socialmente "explosivas", ou seja, todas aquelas provocadas por fatores de diferenciação biológica, diferenciação de sexo, distinção étnica, e as demais, originadas de outras circunstâncias sociais, como a de origem socioeconômica, por exemplo. Os segmentos inferiorizados pelas desigualdades sociais incluiriam, além de indígenas e outros nativos de territórios conquistados, os portadores de deficiências e os "campesinos" (já considerados também quantitativamente), os grupos étnicos, os imigrantes, as mulheres, os idosos, os analfabetos, etc.

Neste artigo, o objeto sobre o qual se disserta é a escola rural, especialmente interessante para a nossa realidade regional. No contexto paranaense, onde se detecta uma migração inicial importante, responsável pelo fenômeno da interiorização, consolidam-se pólos de urbanização e se altera a estrutura econômica rural, faz-se o êxodo do campo e a realidade rural mais pura se converte em expressão de minoria, de isolamento, e, "por ende", em expressão de marginalização.

Esta vocação de condição minoritária que a escola rural vem assumindo no contexto paranaense pode justificar, em parte, o seu afastamento temático dos programas de pós-graduação e de outras pesquisas financiadas por instituições governamentais.

Na verdade, a identificação do "cidadão-pesquisador", sediado no espaço urbano, com a problemática da escola rural, é quase inexistente, para sermos generosos.

A não identificação do pesquisador acadêmico com o rural tem raízes ideológicas e raízes empíricas. Raízes ideológicas, porque ele faz desconhecer a descontinuidade urbano-rural em seu referencial teórico. Sua racionalidade não comporta a especificidade do rural. Por outro lado, ele não "chega" ao rural, quando ocorre ausência de familiaridade suficiente com essa realidade, seja por origem, isto é, o pesquisador teve pouca ou jamais desfrutou de uma vivência no ambiente do campo, seja pelas limitações de deslocamento, de permanência e de comunicação, que conduzem a dificuldades operacionais específicas de investigação. Sua idiossincrasia prevalece na apreensão e interpretação da realidade sobre a qual estaria querendo se curvar.

Mas se na vida acadêmica brasileira a educação na zona rural não ganha a insistência devida, em âmbito internacional ela se mantém objeto de metódico debate, seja quando considerada em sua feição estratégica de desenvolvimento e superação (em países essencialmente rurais), seja quando considerada como expressão de minoria protegida por ideais de democratização plena (em países industrializados).

No Paraná, a escola rural tem um significado de provisoriedade. Em nosso entender, entretanto, é preciso transcender este sentido, melhor discutindo a lógica latente nos discursos e intenções políticas eventualmente esboçados e dados a conhecer nas últimas décadas. Matéria primária, expressa nos planos elaborados pela Secretaria de Educação Estado, (aqui, visível, paradoxalmente, pela omissão), ou, ainda, conteúdo oficioso recolhido nos bastidores das gestões administrativas, a provisoridade do rural é questão mais do que bucólica. Compreendemos, por isso, que é preciso assumir a escola rural, reconhecendo a sua natureza e auferindo-lhe a qualidade que merece, a despeito de outras vontades produzidas por racionalizações de ordem burocrática e economicista dominantes e, por isso mesmo, "anti-minorias".

Assumir a escola rural implicaria em exercitar, teoricamente, o conhecimento sobre a realidade e o seu imaginário de felicidade. E este exercício deixaria de ser solitário na medida em que nos abrimos a empreitadas comparativas, dividindo e somando nossas descobertas.

Com tal espírito iniciamos um intercâmbio com professores estrangeiros dedicados à temática da escola rural. Desse encontro de interesses, iniciado no começo da década de 80, emergiu o pretexto de um estudo avaliativo comparativo sobre a satisfação profissional do professor de escola rural. Este trabalho vem sendo levado a cabo mediante a partilha da matriz de pesquisa construída pelos professores canadenses Peter James Murphy e Margareth Haughey, da Universidade de Victoria, na Província de British Columbia, divulgada em 1982, pela Universidade de Alberta.

O nosso estímulo para a investigação sobre a escola rural foi reforçado pelo crescimento atual do tema provocado pelas discussões e ensaios referentes à municipalização da educação fundamental, levados à ordem do dia pelos novos dispositivos da Constituição Brasileira de 1988.

No Estado do Paraná, a experiência das "escolas consolidadas" (final da década de 70 e década de 80), pela qual se forjaram polarizações sobre as quais se estruturaram centros de ensino de primeiro grau em substituição às escolas isoladas, está sendo fortemente cogitada, por dirigentes estaduais e municipais, para adoção generalizada.Enquanto isso, o abandono das escolas rurais isoladas está sendo acelerado por soluções alternativas, todas implicando em deslocamento da clientela e propiciando um duplo esvaziamento: por um lado, o da oferta educacional e, e por outro, o dos agrupamentos rurais, e da própria vida rural. Até onde isto pode ser desejável?

A retomada da temática, em tempos políticos de necessária reorientação, justifica o selecionamento de enunciados como os que aqui resumimos, subtraídos do debate canadense sobre a escola rural. Dada a objetividade deste espaço, servimo-nos da leitura mediada pelo estudo de Haughey e Murphy (1982) e de documentos complementares, para a apresentação de uma descrição pertinente.

Os estudos sobre a satisfação profissional do professor e a condição da escola rural

Ao buscarem definir o universo de sua pesquisa, Haughey e Murphy realizaram uma revisão de literatura por onde encontraram a definição de escola rural que adotariam como a de maior propriedade para o cenário canadense:

1. A rural elementary school: an elementary school which hás 5 or 10 classrooms, 100 or fewer pupils. And is located at least 30 miles from any community of 15.000 or more people.

2. A rural secondary school: a school with 300 or fewer pupils at the secondary level and located at least 30 miles from any community of 15.000 or more people.

Seu objetivo de investigação era dar continuidade a estudos de política e da administração escolar que buscavam interpretar o índice de alta rotatividade dos professores de escolas rurais pela correlação com fatores de satisfação profissional.

O estudo original, que serviu de desencadeamento ao trabalho de Haughey e Murphy, foi apresentado por Holdaway (1978) e divulgado pela Universidade de Alberta, também no Canadá. Outros trabalhos sobre a qualidade de vida profissional e o grau de satisfação profissional, anteriormente publicados e referenciados por Haughey e Murphy incluem; Smitters (1969), Dun e Stephes (1972), Lawler, Wickstrom (1973), Miskel (1975),Taddeo e Lefevre, e Chase (1976).

No início da década de 80, outros autores desdobraram o estudo de Holdaway, enfatizando o enfoque psicopatológico sem perder de vista a contribuição de sua análise para a fundação de decisões político-administrativas no campo da educação escolar: em 1980, aparecem os trabalhos de Onvoha, Cross, Bandy, Gleadow e, em 1982, o de Darnell, contemporâneo aos de Haughey e Murphy.

O estudo de Haughey e Murphy alça um longo período- as décadas de 60 e 70-quando se registrou uma intensa mobilidade dos professores de escolas situadas em zonas rurais. À época estudadas pelos pesquisadores canadenses, 60% (sessenta por cento) dos professores não permaneciam mais do que um ano no mesmo Distrito. Na Província de British Columbia, área de investigação daqueles pesquisadores, o índice de mobilização ainda era maior.

A contextualização da escola rural, tal como foi apresentada pelos nossos Autores, constitui dado essencial para a configuração da problemática em foco, principalmente porque sugere o seu papel no desenvolvimento e crescimento do País. Afinal, observam, estas pequenas instituições educacionais ofereceram uma educação básica aos filhos dos pioneiros, familiarizando os novos imigrantes no que concerne aos valores da sociedade canadense, estabilizando padrões de colonização e construindo a unidade nacional.

Ao descreverem a realidade canadense, os Autores fazem as seguintes observações:

-A sociedade canadense moderna é caracterizada pela existência de grandes centros urbanos, uma população móvel altíssima, uma rede de comunicação muitíssimo sofisticada, mudanças sociais rápidas e aplicação de tecnologia em todos os setores da vida.

Não fica difícil compreender, então, interpretam, a falta de reconhecimento do papel da escola rural, pois, em um ambiente de tamanha complexidade tecnológica e diversidade societária, a pequena instituição parece definitivamente superada.

Apesar de tudo, o movimento das escolas rurais vem se afirmando, conforme o registro progressivo de pequenas colonizações ao norte, no interior e na costa da Província de British Columbia.

-Dada a mentalidade da sociedade canadense, um dos mais importantes serviços sociais para a qual as famílias dirigem suas expectativas em uma nova comunidade é uma "boa" escola para as suas crianças. Os pais estão plenamente convencidos de que a educação pública que seus filhos possam receber determina, em grande medida, o seu futuro profissional, o padrão de vida e o acesso a uma educação superior. Entendem, eles, que a qualidade de educação oferecida pela escola está estritamente determinada pelos seus professores.

-A escola rural, por ser referência institucional local, serve a respostas diversas em muitas comunidades. Além de prover a educação básica, ela cedia a discussão dos negócios comunitários, o desenvolvimento de programas de educação de adultos e outros eventos recreativos e sociais.

-As pessoas que vivem em zonas rurais sabem que a sobrevivência da comunidade da qual elas fazem parte depende do trabalho das escolas locais, também. Por isso, a resistência ás decisões (emanadas pelos conselhos escolares distritais) de fechamento de pequenas escolas é um registro constante.

Mais adiante, e em razão destas mesmas observações preliminares, Haughey e Murphy destacam que tais aspirações levam a comunidade rural a apresentar expectativas sobre o papel do professor um pouco mais além do que se restrinja à função instrucional.

Em virtude da sua própria formação, o professor é visto como alguém que tem um conhecimento mais amplo e mais versátil. Assim é, que os pais,visitam os professores freqüentemente para discutirem problemas de seus filhos e buscarem orientação para assuntos familiares,assuntos de correspondência, etc. Não por menos, os Autores consideram que ser professor em uma comunidade rural, de algum modo, representa ter trabalho todas as horas do dia ("24hours job")

As escolas rurais canadenses, por efeito de seu tamanho e localização, estruturam-se de modo multisseriado, com recursos mais escassos que as demais escolas da rede, sem a mesma assistência diuturna de especialistas educacionais. A própria organização de atividades extracurriculares fica mais difícil pela dispersão dos alunos. Basta pensar que um dos distritos escolares, alvo da pesquisa em pauta, integra uma área que se aproxima à do território francês e atende a menos de dois mil estudantes. Desta forma, o próprio contato com os colegas é limitado, do mesmo modo que as oportunidades de desenvolvimento profissional são eventuais pelo mesmo isolamento.

Há vantagens e desvantagens em ser professor de escola rural no Canadá, dizem os Autores. A comunidade rural tem grande respeito e afeto pelos professores. Em algum sentido, os estudantes formam como que uma grande família em uma escola rural, e a permanência do professor em uma comunidade aumenta, de modo veemente, o seu prestígio.

Para reforçar o viés atrativo da escola rural, Haughey e Murphy apelam à expressão poética de uma janela de uma escola, uma espécie de "breathtaking". A alusão ao cenário natural que circunda as escolas rurais sugere oportunidade para adoção de novos "hobbies" e a prática de esportes aos professores e suas famílias.

Vantagens e desvantagens da escola rural

A defesa da escola rural, no Canadá, foi mobilizada no fim da década de 60, em função do "Plowden Committee Report" (1967) e, mais tarde foi retomada quando da divulgação do "Relatório Better Schools" (1985), documento que veio reiterar as recomendações do primeiro. Ambos relatórios constituem pesquisas oficiais sobre o nível de qualidade do sistema escolar canadense, e indicaram, entre outros pontos, a necessidade de reorganização das unidades escolares que atendem a crianças na faixa dos 05 aos 11 anos no sentido de que deveriam apresentar um mínimo de densidade.

Embora o "Plowden Report" e o "Better Schools" reconhecessem a inevitabilidade das escolas menores, apregoaram uma exigência de maior porte àquela unidades: elas deveriam agrupar pelo menos três classes.

O debate que se alastrou durante todos os últimos anos no Canadá deixou em aberto um confronto de vantagens e desvantagens da pequena escola rural, sem impedir, contudo, a sua sobrevivência.

Thorley (1985), retomado por Murphy em sua revisões teóricas, resenha o conteúdo dos dois mais famosos Relatórios já citados, observando que o seu teor crítico não tinha ultrapassado a consideração de fatores singulares decorrentes do tamanho e da localização das escolas rurais.

Deste modo, destaca as principais questões levantadas, distinguindo suas vantagens e desvantagens dentro de três eixos: a abertura ao currículo oferecido em pequenas escolas, a socialização das crianças em relação a grupos de equivalência e aos adultos e o papel da comunidade na vida da escola.

Entre as vantagens da pequena escola rural foram enfatizados os seguintes aspectos:

-maior facilidade para manter a continuidade no ensino e lograr melhor conhecimento da criança;

-é igualmente mais fácil concretizar o entrosamento da escola com a criança e suas famílias;

-é mais fácil dar atenção às diferenças individuais em grupos menores e onde existe continuidade da relação pedagógica;

-é mais fácil encorajar a criança a se desenvolver, principalmente aquela com mais dificuldade, pois a competição é menos acentuada;

-é mais fácil desenvolver um sentimento de segurança e evitar solidão em comunidades pequenas e com interação acentuada;

-há um natural agrupamento familiar, na escola pequena, no qual os mais velhos ajudam os mais novos. A existência de diferentes idades e habilidades em um grupo "helps an atmosphere of kindness, patience, tolerance and justice";

-também é mais fácil desenvolver padrões de auto-afirmação e iniciativa sem perder a noção das idéias de responsabilidade e ajuda mútua;

-é mais fácil para a criança se sentir que é um membro importante da comunidade;

-é mais fácil relacionar o trabalho da escola com a vida da comunidade;

-é mais fácil envolver os pais e o resto da comunidade com a vida da escola, seja pelo pequeno número de seus membros, seja pela maior intimidade de conhecimento; ou ainda, porque a escola, enquanto prédio, é uma instituição vocacionada para ser o centro de referências par a comunidade.

Thorley observa, complementarmente, que as grandes escolas podem chegar perto destas situações qualitativas, mas as escolas menores têm mais potencialidades para realizá-las.

Sua maior crítica ao "Plowden Report" se justifica pelo fato de que esse documento apenas consegue atribuir desvantagens às pequenas escolas rurais no que concerne a aspectos de natureza econômica.

Em sua síntese, agrupa as desvantagens arroladas por aquele Relatório nos seguintes tópicos:

-o número de alunos pode ser tão baixo em cada faixa etária que se torna impossível instalar um "grupo dinâmico";

-pode não haver contato com outros adultos que não os dois professores durante toda a vida primária da criança; mais ainda, a desvantagem pode ser maior se aqueles professores "tiveram sido do sexo feminino";

-o rol de interesses dos alunos, essencialmente nas duas últimas séries primárias, pode não ser atendido por um único professor (os alunos estariam com idade entre 10 e 13 anos, conforme o sistema).Vale lembrar que um professor destas séries em uma escola maior é sempre um especialista;

-a criança mais jovem e a criança mais velha, em uma classe multi-seriada, podem não receber atenção adequada;

-na hipótese de ocorrer conflito professor-aluno, este relacionamento problemático será mais prolongado;

-a transferência para a escola secundária (escola grande) pode apresentar mais problemas par a criança que vem da pequena escola do que para aquela que vem de unidades maiores;

- o menor número de crianças em uma escola torna inviável a prática de determinadas atividades culturais e desportivas.

Ao lado dessas desvantagens derivadas do agrupamento vertical outras vão ser observadas a partir das limitações de recursos e instalações, da redução societária, da qualidade do professor e do custo;

-há uma maior restrição de livros e equipamentos apropriados para cada criança em particular;

-não há, ou são restritas, as instalações para usos específicos;

-os contatos com a comunidade não são variados;

-a situação de "pequenez" da comunidade é freqüentemente acompanhada por um isolamento, o que repercute, inevitavelmente, sobre o próprio desenvolvimento profissional do professor;

-todas as desvantagens acumuladas da escola pequena acabam por comprometer a qualidade docente;

- o custo por aluno de escola pequena é consideravelmente mais alto do que das escolas grandes.

A pesquisa de Haughey e Murphy vai mais além na análise da qualificação das pequenas escolas rurais, permitindo maior visibilidade ás chagas do isolamento dessa rede.

Suas conclusões revelam que a grande parte dos professores das escolas rurais da Província de British Columbia estava insatisfeita com a qualidade de sua vida profissional. O quadro levantado pela pesquisa (dos 1148 professores que compunham o universo docente das escolas rurais, 528, ou seja, 46% forneceram resposta à investigação) se lhes pareceu tão agudo que eles chegaram a levantar a hipótese de um futuro danoso para as experiências das crianças, caso persistisse a situação detectada.

A correlação mais enfatizada pela pesquisa reúne o "sentido de aperfeiçoamento no ensino, a perspectiva do ensino como uma carreira e a estimulação intelectual em seu trabalho". Enquanto situação que satisfaz as necessidades de auto-realização e demonstração de competência, a vida profissional impõe um processo de estimulação e de recompensa (avaliação e promoção). Ora, no caso dos professores das escolas rurais pesquisadas, não ocorre esta correspondência de expectativas, pelo que a migração para centros de maior recurso e de melhores oportunidades de educação profissional continuada (permanente) se configura como inevitável.

Defensores da escola rural, Haughey e Murphy sugerem uma administração criativa, capaz de remanejar o quadro crítico insinuado, para o qual encontram uma explicação histórica que, entretanto, em seu entender, não compromete em absoluto a sua reversibilidade.

Encaminhamento de confronto

As questões levantadas pelos professores canadenses não podem ser interpostas, gratuitamente, no contexto paranaense. É necessário realizar revisões conceituais e interpretativas tanto sobre concepções pedagógicas de um modo geral, quanto sobre a expressão de singularidade da realidade rural nesta região.

Assim, a própria definição de escola rural, o reaproveitamento da literatura autóctone e a indicação de pautas para a revitalização de pesquisas sobre o tema em apreço, constituem tarefas preliminares e impostergáveis. Ilustremos.

A definição oficial da escola rural no Paraná consta do elenco de nominações apresentado no Glossário de Termos que referencia o Sistema de informações do Estado: "escola rural é o estabelecimento de ensino localizado fora da sede do Município ou Distrito e que oferece as quatro primeiras séries do Ensino de Primeiro Grau".

Como se pode ver, já na definição se relativiza a questão do isolamento das escolas rurais. "Fora da sede"pode representar uma relação de alguns metros e também quilômetros. No entanto, nunca será uma relação exata nem aproximada de trinta medidas itinerárias inglesas (trinta milhas), isto é, de 48,06 quilômetros de polarização e isolamento.

Além da relativização do isolamento, a proximidade da base de recrutamento dos professores é fator que desobriga estes profissionais do enfrentamento de distância e uma cultura que os discrimine, muito embora, em muitos casos, o acesso é penoso em termos de distância, tempo e obstáculos físicos, impondo a utilização de transporte urbano, transporte animal ou inevitáveis caminhadas bastante exaustivas.

A escola rural no Paraná ainda não está descrita com todas as suas particularidades.Apenas se tem conhecimento de sua feição crítica pelos indicadores de baixo padrão de qualidade pedagógica: perfil de qualificação do corpo docente, baixo teor de sucesso escolares, condições de acesso difícil e condições físicas precárias, disponibilidade técnica local insipiente, escassez de recursos financeiros, estado de pobreza crescente da clientela, etc.

Por ora, pois, nada é permitido comparar. Aprovar proposta política, então, sem o subsídio das análises críticas do modelo pedagógico e das práticas atuais, será expressão de extrema leviandade administrativa.

Ainda,não se pode dizer que os técnicos dos sistemas escolares e os acadêmicos brasileiros tenham solucionado, ao menos no plano das idéias e da teoria, o conhecimento da realidade escolar rural. Imbuídos de "insights" discursivos, eles emprestaram, na melhor das hipóteses, ao longo dos últimos tempos, nada mais do que enunciados de palanque ao encaminhamento das intervenções sobre a escola na zona rural.

Nesse contexto discursivo nacional, a questão da escola rural poderia ser equacionada, como num gesto de magia, pela imposição de um"controle popular" e/ou pela assunção de "tarefas políticas" . Porém, nunca se encontrará uma indicação específica, distinta, sobre o "fazer" pedagógico.

Na verdade, o modelo pedagógico em si, tem, sido pouco refletido.A escola na zona rural permanece expropriada cultural e pedagogicamente e isto perdurará enquanto prevalecer a atual tutoria ideológica. Uma tutoria que só fez recrudescer a problemática da educação escolar na zona rural fundada sobre uma encruzilhada onde se entrechocam o padrão urbano e a vocação rural.

Por aí, a afirmação de Jacques Therrien1 1 THERRIEN, J."Políticas de educação para o meio rural: o papel do Estado par a produção do saber". In: IV CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. (1988, São Paulo) Anais...São Paulo : Cortez, 1988- Tomo II (1986): " deve-se questionar a real existência da escola rural, ou seja, a demanda social desta escola como instância institucional capaz de desempenhar sua função social. Este é um pressuposto que os estudos mais recentes não conseguem identificar claramente. O que equivale a dizer que se duvida da existência real da escolar rural como instância social reivindicada pela comunidade local".

Assumir a escola situada em espaço que não é o urbano implica em subordinar-se a uma cautela necessária que respeite a historicidade daquela vocação derivada de um tipo de organização social. Esta sugestão, a expressão de Lefevre (1949) dá conta de sustentar:

Entre os que- cidadãos, intelectuais, certamente historiadores ou sociólogos- passam por uma de nossas aldeias, descobrem sua fisionomia original ou indeterminada e assustam-se com a sua monotonia ou admiram o seu "pitoresco", quantos sabem que ela não se reduz a uma confusa mescla acidental de homens e de coisas e que seu exame revela uma organização complexa, uma "estrutura" ?

O resgate pedagógico da escola rural no Paraná deve se inserir no contexto das reivindicações regionais de afirmação social e nunca na extrapolação de conveniências administrativas.

  • CERVI, R.M., SILVA, S.P e FILIPAK, S.T. Ruralidade e educação. A satisfação profissional do professor de escola rural. Relatório de pesquisa. Curitiba, 1991.
  • HAUGHEY, M. and MURPHY, P.J. "Quality of work life: rural teachers perceptions". In: The Canadian Administrator Department of Educational Administration. University of Alberta, Canada, Vol. XXIII, (2), November 1983, p.1-6.
  • IIPE. Planification de l'education pour la reduction des inégalités. Paris, Paris, UNESCO, 1981.
  • LEFEVRE, H, "Problemas de Sociologia Rural".In: MARTINS, J.S. Introdução crítica à sociologia Rural. São Paulo : Hucitec, 1981.
  • THORLEY, J. Education in small rural primary schools. Victoria, B.C.,Canadá, 1985 (mimeografafo).
  • UNESCO, Annuaire International de l'Éducation. Paris, Vol. XXXIII, 1981.
  • UNESCO, Annuaire International de l'Éducation. Paris, Vol. XXXVI, 1984.
  • 1
    THERRIEN, J."Políticas de educação para o meio rural: o papel do Estado par a produção do saber". In: IV CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. (1988, São Paulo) Anais...São Paulo : Cortez, 1988- Tomo II
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1993
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