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Memória que educa: Epidemias do final do século XIX e início do XX

Educating memory: Epidemic from late XIX and early XX century

Resumos

O artigo resgata como as autoridades municipais e habitantes da cidade de Campinas (SP) receberam, em 1918, as notícias sobre a gripe espanhola ou influenza e, em vários momentos rememorando a febre amarela que flagelou a localidade em 1889, organizaram-se para combater a epidemia de gripe. O trabalho busca, desta forma, investigar como a memória da febre amarela esteve presente nas ações e reações dos campineiros desde as primeiras informações sobre a gripe espanhola, motivando atitudes e educando uma população ainda apavorada com a lembrança das conseqüências de uma doença epidêmica.

memória; educação; gripe espanhola; febre amarela; epidemia


This article focuses how authorities and many inhabitants of Campinas (SP) received news about spanish flu in 1918, and how they brought back the yellow fever that attacked the locality in 1889, and their organization to combat the epidemic influenza. This work intends to analyze how memories of yellow fever were present in actions and reactions of those inhabitants, since the very first news about Spanish flu, those that motivated attitudes and educated a population still frightened with memories of epidemic sickness consequences.

memory; education; spanish flu; yellow fever; epidemic


DOSSIÊ: EDUCAÇÃO-SAÚDE: DIFERENTES OLHARES

Memória que educa. Epidemias do final do século XIX e início do XX

Educating memory. Epidemic from late XIX and early XX century

Liane Maria Bertucci-Martins

Doutora em história (Unicamp). Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: liane@ufpr.br

RESUMO

O artigo resgata como as autoridades municipais e habitantes da cidade de Campinas (SP) receberam, em 1918, as notícias sobre a gripe espanhola ou influenza e, em vários momentos rememorando a febre amarela que flagelou a localidade em 1889, organizaram-se para combater a epidemia de gripe. O trabalho busca, desta forma, investigar como a memória da febre amarela esteve presente nas ações e reações dos campineiros desde as primeiras informações sobre a gripe espanhola, motivando atitudes e educando uma população ainda apavorada com a lembrança das conseqüências de uma doença epidêmica.

Palavras-chave: memória, educação, gripe espanhola, febre amarela, epidemia.

ABSTRACT

This article focuses how authorities and many inhabitants of Campinas (SP) received news about spanish flu in 1918, and how they brought back the yellow fever that attacked the locality in 1889, and their organization to combat the epidemic influenza. This work intends to analyze how memories of yellow fever were present in actions and reactions of those inhabitants, since the very first news about Spanish flu, those that motivated attitudes and educated a population still frightened with memories of epidemic sickness consequences.

Key-words: memory, education, spanish flu, yellow fever, epidemic.

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FONTES

Impressas e manuscritas

Jornais da cidade de Campinas

Texto recebido em 08 dez. 2004

Texto aprovado em 23 jan. 2005

1 Entre as praças, ruas e avenidas: Imprensa Fluminense, Costa Aguiar, Irmã Serafina e Angelo Simões. Confira o brasão da cidade em: MENDES, 1951.

2 Freqüentemente os jornais também denominaram a doença "influenza espanhola", mas neste artigo a moléstia epidêmica será chamada de gripe espanhola ou influenza.

3 Existem duas hipóteses mais difundidas para que, na época, tenham denominado a epidemia de gripe espanhola: a primeira, partia do pressuposto equivocado de que a moléstia havia se originado na Espanha e/ou lá fizera o maior número de vítimas. A segunda dizia que a Espanha, país neutro durante a Primeira Guerra Mundial, não censurava as notícias sobre a existência da gripe epidêmica, daí a dedução de que a enfermidade matava mais naquele país. Hoje acredita-se que a origem da epidemia foram os campos de treinamento militar no interiordos Estados Unidos. Cf.: BEVERIDGE, 1977; ECHEVERRI DÁVILA, 1993; MURAD; ZYLBERMAN, 1996; OLDSTONE, 1998.

4 Oficialmente, os primeiros casos de gripe espanhola na cidade de São Paulo foram confirmados pelo Serviço Sanitário do Estado no dia 15 de outubro. Em novembro, a gripe epidêmica fazia vítimas em todo o Estado e em todo o território nacional. A gripe espanhola teria chegado ao Brasil trazida por passageiros do navio Demerara, na primeira quinzena de setembro (BERTUCCI, 2004, p. 96-100).

5 Neste texto ciência e medicina referem-se a alopatia. Sobre as discussões sobre a doença e a cura, que envolviam também homeopatas, veja: BERTUCCI, 2004, p. 197-220; 313-338. Sobre a ação de charlatães, ver: Ibid., p. 176-197.

6 Sobre os temas memória, experiência/vivência, veja: BENJAMIN, 1975; 1987 e, também, GALZERANI, 2002.

7 Sobre castigo divino: DELUMEAU, 1990, p. 144-150. Sobre o uso do enxofre em 1889, veja: BERTUCCI, 1997, p. 37. Sobre as práticas populares de cura, comuns em outras cidadesdurante a gripe espanhola, confira: ABRÃO, 1995, p. 87-88; BERTOLLI FILHO, 2003, p. 121-136; BERTUCCI, 2004, p. 220-283; BRITO, 1997, p. 21-22.

8 É possível supor que os pobres, e assim os locais onde viviam, tenham sido os mais afetados pela epidemia, devido ao número de postos de socorro que, explicitamente, davam prioridade ao atendimento dos mais carentes e ao posto criado por iniciativa dos moradores da Vila Industrial, bairro localizado na periferia de Campinas em 1918. Segundo dados do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, entre os homens mortos de gripe espanhola, 3 eram operários, 59 tinham profissão ignorada e 28 eram menores de 15 anos, totalizando 90 pessoas. As mulheressomariam 119 vítimas fatais. É possível inferir que diversos indivíduos de profissão ignorada e dos chamados menores e várias das mulheres, eram pobres que trabalhavam, e muito, para sobreviver. Cf. MEYER; TEIXEIRA, 1920, p. 187.

9 No combate à epidemia, o poder público de Campinas gastou Rs: 23:690$100 (um prático de farmácia na época ganhava mensalmemte entre 120$000 e 150$000) e contou com um apoio relativo do poder estadual. Cf.: Relatório dos trabalhos... p. 4. Correspondência 27 out. 1918.

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  • CORREIO DE CAMPINAS. Campinas, set./dez. 1918.
  • DIÁRIO DO POVO. Campinas, set./dez. 1918.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 2005

Histórico

  • Aceito
    23 Jan 2005
  • Recebido
    08 Dez 2004
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