Acessibilidade / Reportar erro

Banco Mundial e política educacional: cooperação ou expansão dos interesses do capital internacional?

World Bank and education policy: cooperation or expansion of international capital interests?

Resumos

O atual contexto econômico evidencia uma situação de crise do sistema capitalista, frente ao qual os representantes do interesses do capital internacional, particularmente o Banco Mundial e o FMI, intervêm na organização política e econômica dos países em desenvolvimento, na perspectiva de expandir os interesses dos países hegemônicos por meio de políticas que visam à abertura comercial e financeira, a desregulamentação das relações trabalhistas e a diminuição do tamanho e do papel do Estado na sociedade. Os interesses do capital internacional também permeiam as propostas educacionais propagadas pelo Banco Mundial por meio de acordos intitulados de "cooperação internacional", mais precisamente empréstimos por meio dos quais o banco impõe modelos de políticas e projetos educacionais e normas e regras que condicionam o processo de implementação das parcerias, instituindo uma lógica que favorece a abertura de mercado e a propagação da ideologia neoliberal. O presente artigo aborda o contexto de avanço da intervenção dos organismos internacionais, o histórico do Banco Mundial, a concepção de políticas sociais adotada e a presença efetiva desse organismo nas políticas educacionais, apresentado como exemplos o Projeto Nordeste para a Educação Básica e o Fundo de Desenvolvimento da Escola (Fundescola).

políticas educacionais; Banco Mundial; Fundescola


The current economical context shows up a crisis of the capitalist system, in which the representatives of the interests of the international capital, particularly the World Bank and IMF, intervene on political and economical organization of developing countries, from the central countries perspective of interests expansion through politics that seek commercial and financial opening, absence of labor rules and the weight decrease of State on society. The interests of international capital also permeate education proposals, which are spread by the World Bank through agreements called "international cooperation", more precisely loans which are used by the Bank to impose models of education policy, projects and norms and rules that condition the partnership process implementation and institutes a logic that is favorable to market opening and the propagation of new-liberal ideology. The present article approaches to the context of intervention progresses of International Organisms, the report of the World Bank, the conception of social politics adopted and the effective presence of that organism in the education politics, for example the Northeast Project for the Basic Education and Fund of Development of the School (Fundescola).

education politics; World Bank; Fundescola


DOSSIÊ - POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO: TENDÊNCIAS E DEBATES ENTRE O GLOBAL E O LOCAL

Banco Mundial e política educacional: cooperação ou expansão dos interesses do capital internacional?

World Bank and education policy: cooperation or expansion of international capital interests?

Rosana Evangelista da Cruz

Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Piauí. Contato: roecruz@yahoo.com.br

RESUMO

O atual contexto econômico evidencia uma situação de crise do sistema capitalista, frente ao qual os representantes do interesses do capital internacional, particularmente o Banco Mundial e o FMI, intervêm na organização política e econômica dos países em desenvolvimento, na perspectiva de expandir os interesses dos países hegemônicos por meio de políticas que visam à abertura comercial e financeira, a desregulamentação das relações trabalhistas e a diminuição do tamanho e do papel do Estado na sociedade. Os interesses do capital internacional também permeiam as propostas educacionais propagadas pelo Banco Mundial por meio de acordos intitulados de "cooperação internacional", mais precisamente empréstimos por meio dos quais o banco impõe modelos de políticas e projetos educacionais e normas e regras que condicionam o processo de implementação das parcerias, instituindo uma lógica que favorece a abertura de mercado e a propagação da ideologia neoliberal. O presente artigo aborda o contexto de avanço da intervenção dos organismos internacionais, o histórico do Banco Mundial, a concepção de políticas sociais adotada e a presença efetiva desse organismo nas políticas educacionais, apresentado como exemplos o Projeto Nordeste para a Educação Básica e o Fundo de Desenvolvimento da Escola (Fundescola).

Palavras-chave: políticas educacionais, Banco Mundial, Fundescola.

ABSTRACT

The current economical context shows up a crisis of the capitalist system, in which the representatives of the interests of the international capital, particularly the World Bank and IMF, intervene on political and economical organization of developing countries, from the central countries perspective of interests expansion through politics that seek commercial and financial opening, absence of labor rules and the weight decrease of State on society. The interests of international capital also permeate education proposals, which are spread by the World Bank through agreements called "international cooperation", more precisely loans which are used by the Bank to impose models of education policy, projects and norms and rules that condition the partnership process implementation and institutes a logic that is favorable to market opening and the propagation of new-liberal ideology. The present article approaches to the context of intervention progresses of International Organisms, the report of the World Bank, the conception of social politics adopted and the effective presence of that organism in the education politics, for example the Northeast Project for the Basic Education and Fund of Development of the School (Fundescola).

Key-words: education politics, World Bank, Fundescola.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Texto recebido em 10 ago. 2003

Texto aprovado em 03 out. 2003

1 Paulo Nogueira BATISTA JÚNIOR (1998) discute o "mito da empresa transnacional", na medida em que a maioria das empresas internacionais não rompe o vínculo com os interesses de seu país de origem, garantindo a este maior poder de deliberação, mesmo quando as cotas são percentualmente menores em relação ao capital dos demais países.

2 Compõem o G7: Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Canadá. 3 Documento disponível no livro Estratégia dos Bancos Multilaterais para o Brasil: uma análise crítica de documentos inéditos, organizado por Aurélio VIANNA JÚNIOR (1998).

4 Segundo Arruda, na relação de empréstimos internacionais para o Brasil existem três categorias de credores: os credores oficiais (países mais ricos, principalmente EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Suíça, Canadá e Holanda); os credores privados (bancos privados internacionais) e os credores multilaterais (Banco Mundial, FMI e BID) (1999, p. 15).

5 No Brasil, até 1998, foram encaminhadas três solicitações para investigação de projetos financiados pelo Banco Mundial. Duas referem-se aos projetos Planafloro (Rondônia, 1995) e Itaparica (Pernambuco e Bahia, 1997). O primeiro resultou em reformulação do Projeto e acompanhamento pelo Painel de Inspeção; o segundo na aprovação de um Plano de Ação para solucionar questões pendentes do Projeto. A inspeção no terceiro projeto foi solicitada em 1998 e referia-se ao Programa "Cédula da Terra", do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tendo sido negado (VIANNA JÚNIOR, 1999, p. 53- 54).

6 O mundo atual conta com 192 países ao todo, ou seja, apenas 11 países do planeta não são sócios participantes do Banco Mundial (KRUPPA, 2000).

7 MAC'NAMARA, R. S. Equidade social y crecimiento económico. México: El Mercado de Valores, out. 1972. n. 41, p. 1064-1072.

8 O Banco Mundial define como pobreza rendas per capita inferiores a US$ 30 por mês, ou um dólar por dia. A situação de indigência é imputada às rendas familiares correspondentes, no máximo, ao valor de aquisição de uma cesta básica de alimentos que atendam os requerimentos nutricionais recomendados pela FAO/OMS/ONU, para a família como um todo.

9 Consultar a dissertação de Mestrado "Banco Mundial e Política Educacional: o Projeto Nordeste para Educação Básica e seus desdobramentos no Piauí", defendida por Rosana Evangelista da Cruz, em abril de 2002, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo.

10 O Projeto Nordeste para Educação Básica apresenta como objetivo melhorar a qualidade do ensino nas primeiras séries do ensino fundamental das redes estadual e municipais de educação, propondo a integração entre Estado e Municípios e a mudança no padrão de gestão da educação pública. Para viabilizar seus objetivos, o Projeto Nordeste organiza-se em diferentes Componentes Estratégicos: Gestão Educacional; Capacitação de Recursos Humanos; Materiais de Ensino-Aprendizagem e Rede Física e Inovações Pedagógicas. O financiamento das ações previstas no Projeto envolvia uma previsão inicial, em 1994, de US$ 745.100.000,00 (setecentos e quarenta e cinco milhões e cem mil dólares).

11 O Fundescola envolve um montante de US$ 1,3 bilhões, sendo de US$ 650 milhões a contrapartida do governo federal e o restante do BIRD, em três empréstimos diferentes (Fundescola I, II e III). A maioria das ações previstas neste Programa dá continuidade àquelas desenvolvidas no Projeto Nordeste, pretensamente, com maior aprimoramento: Programa de Formação dos Professores em Exercício (Proformação), Programa de Gestão da Aprendizagem Escolar (formação continuada), Escola Ativa (salas multisseriadas), Atendimento Rural (construção de escolas em assentamentos, aldeias e áreas remanescentes de quilombos), Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), Projeto de Melhoria da Escola (PME), Definição dos Padrões Mínimo de Funcionamento das escolas, Projeto de Adequação do Prédio Escolar (Pape), Levantamento da Situação Escolar (LSE), Microplanejamento Educacional, Projeto Espaço Educativo (projeto arquitetônico para construir novas escolas), Desenvolvimento Institucional (capacitação de dirigentes educacionais e conselheiros do Fundef e assessorias), software para auxiliar na elaboração dos Planos de Carreira e informatização das coordenações do Fundescola.

12 As Unidades Executoras recebem, ainda, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE).

  • ARRUDA, M. Dívida E(x)terna: para o capital, tudo; para o social, migalhas. Petrópolis: Vozes, 1999.
  • ARRUDA, M. ONGs e o Banco Mundial: é possível colaborar criticamente? In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 41-74.
  • BANCO MUNDIAL. Prioridades y estratégias para la educación Estudo Sectorial - versión preliminar. Tradução de Rosana Evangelista da Cruz. Washington/DC: Banco Mundial, 1995. p. i-xxxii.
  • BANCO MUNDIAL. Relatório n. 16582BR Memorando do presidente do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento e da Cooperação Financeira Internacional aos diretores Executivos sobre a estratégia de assistência ao país do Grupo Banco Mundial para a República Federativa do Brasil. Washington/DC: Banco Mundial, jun. 1997.
  • BANCO MUNDIAL. Relatório sobre desenvolvimento mundial 1997: o Estado num mundo em transformação. Washington/DC: Banco Mundial, 1997. p. 1-39.
  • BANCO MUNDIAL. World Bank Brasil Brasília: Banco Mundial, 1999. Mimeog.
  • BATISTA JÚNIOR, P. N. Mitos da "Globalização". Rio de Janeiro: Camp, Sindecon-RJ, Fisenge, Pedex, Senge-RJ, 1998.
  • CASASSUS, J. Descentralização e desconcentração educacional na América Latina: fundamentos e crítica. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 74, p. 11-19, 1990.
  • CORAGGIO, J. L. Propostas do Banco Mundial para a Educação: sentido oculto ou problemas de concepção. In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 75-124.
  • FONSECA, M. Apostila do minicurso "As reformas educativas no Brasil e as organizações Internacionais". In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 23., set. 2000, Caxambu/ MG. Mimeog.
  • FONSECA, M. O financiamento do Banco Mundial e a educação brasileira: 20 anos de cooperação internacional. In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 229-253.
  • FRIGOTTO, G. A formação e profissionalização do educador: novos desafios. In: SILVA, T. T.; GENTILI, P. Escola S.A - quem ganha e quem perde no mercado educacional do Neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996a. p. 75-105.
  • FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real São Paulo: Cortez, 1996b.
  • GENTILI, P. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, T. T.; GENTILI, P. Escola S.A - quem ganha e quem perde no mercado educacional do Neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996. p. 9-49.
  • HAYEK, F. A. O caminho da servidão Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1994.
  • KRUPPA, S. M. P. O Banco Mundial e as Políticas Públicas de Educação nos anos 90 São Paulo: FEUSP, 2000. Tese (Doutorado em Educação) - USP.
  • LEHER, R. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial para "alívio" da pobreza. São Paulo: FEUSP, 1998. Tese (Doutorado em Educação) - USP.
  • LICHTENSZTEJN, S.; BAUER, M. Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial - Estratégias e políticas do poder financeiro. São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • NEGRÃO, J. J. O. O governo FHC e o neoliberalismo. Lutas Sociais, São Paulo: Neils/ Xamã, n. 1., p. 103-111, 1996.
  • NOGUEIRA, F. M. G. Ajuda Externa para a Educação Brasileira - Da USAID ao Banco Mundial. Cascavel/PR: Unioeste, 1999.
  • OLIVEIRA, F. O surgimento do antivalor - capital, força de trabalho e Fundo público. In: OLIVEIRA, F. Os direitos do Antivalor Petrópolis: Vozes, 1998. p. 19-48.
  • PERONI, V. M. V. A redefinição do papel do Estado e a política educacional no Brasil nos anos 90 São Paulo, 1999, p. 23-157. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Educação) - PUC-SP.
  • ROSAR, M. F. F. Globalização e descentralização: o processo de desconstrução do Sistema Educacional Brasileiro pela via da municipalização. Campinas, 1995. Tese (Doutorado em Educação) - Unicamp.
  • SANTOS, M. A grande crise se instalou. In: BENJAMIN, C.; ELIAS, L. Brasil: crise e destino. Entrevista com pensadores contemporâneos. São Paulo: Expressão Popular, 2000. p. 21-34.
  • SILVA, M. A. Políticas para a educação pública: intervenção das instituições financeiras internacionais e o consentimento nacional. Campinas, 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Unicamp.
  • SOARES, M. C. C. Banco Mundial: políticas e reformas. In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 15-40.
  • TORRES, R. M. Melhorar a qualidade da Educação Básica: Estratégias do Banco Mundial. In: TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 125-194.
  • VIANNA JUNIOR., A. (Org.). A estratégia dos Bancos Multilaterais para o Brasil: uma análise crítica de documentos inéditos. Brasília: Rede Brasil, 1998.
  • VIANNA JUNIOR., A. O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) - Banco Mundial In: CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. Guia Resumido das Organizações Internacionais. São Paulo: CUT/CFDT/INESC/FASE, 1999. p. 42-55.
  • VIANNA JUNIOR, A. O Painel de Inspeção do Banco Mundial, um instrumento para a participação. In: LEROY, J. P.; SOARES, M. C. C. Bancos Multilaterais e Desenvolvimento Participativo no Brasil: dilemas e desafios. Rio de Janeiro: Fase-Ibase, 1998. p. 191-210.
  • VIANNA JUNIOR, A. Pronunciamento na Câmara dos Deputados. In: BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Fiscalização Financeira e Controle. Audiência Pública: Os financiamentos das Instituições Financeiras Multilaterais e o orçamento da União. Brasília/DF: Câmara dos Deputados, 11 ago. 1998.
  • VIANNA JUNIOR., A.; PARECHI, A. C. La participación de la sociedad civil en los programas del Banco Mundial y del BID: El caso de Brasil. Argentina: Flacso/Rede Brasil, 1999. (Serie de documentos e informes de Investigación).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Aceito
    03 Out 2003
  • Recebido
    10 Ago 2003
Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: educar@ufpr.br