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Dislexias adquiridas como referência para a análise das dificuldades de aprendizagem da leitura

Acquired dyslexia as a reference for the analysis of reading disorders

Resumos

Vários autores têm tentado explicar as dificuldades de aprendizagem da leitura comparando o padrão de leitura dos sujeitos que apresentam essa dificuldade com o dos portadores de dislexia adquirida dos tipos fonológica (dificuldade na coordenação letra-som) e de superfície (distúrbio no processo de reconhecimento da forma da palavra). O presente estudo teve por objetivo identificar se o procedimento de leitura preferencialmente utilizado pelas crianças com dificuldades de aprendizagem dessa habilidade é diferente do procedimento utilizado pelos leitores normais. Foram formados três grupos de sujeitos: 20 crianças de 3ª e 4ª séries com dificuldades de aprendizagem da leitura (grupo 1); 20 crianças da 1ª série com o mesmo nível de leitura dos sujeitos do grupo 1 (grupo 2); e 20 crianças de 3ª e 4ª séries com a mesma idade cronológica dos sujeitos do grupo 1 (grupo 3). A pesquisa consistiu em uma tarefa de leitura e duas provas de controle. Os escores obtidos revelaram que todos os sujeitos apresentaram melhor desempenho na leitura das palavras de alta freqüência e pior desempenho na leitura de palavras inventadas. Esses resultados indicam uso preferencial de um procedimento lexical (não-analítico) por todos os sujeitos. Identificou-se também que o grupo 1 apresentou menor facilidade em utilizar a mediação fonológica. Contudo, os resultados não mostram diferenças entre os procedimentos de leitura utilizados pelos sujeitos com e sem dificuldades de aprendizagem. Portanto, acredita-se que a comparação entre dislexias adquiridas e dificuldades de aprendizagem da leitura não é o quadro teórico adequado para explicar este tipo de problema.

transtornos da aprendizagem; dislexia do desenvolvimento; dificuldades de aprendizagem da leitura


Several authors have tried to explain reading disorders by comparing them to acquired dyslexia of different types: phonological (letter-sound coordination disorder), and surface (a disorder in the process of recognizing the word form). In this study we aimed at finding out if the preferred reading process used by children with reading disorders is different from the process used by normal readers. Three subject groups were formed: 20 children in the 3rd and 4th grades with reading disorders (Group 1); 20 children in the 1st grade at the same reading level as the subjects in Group 1 (Group 2); and 20 children in the 3rd and 4th grades of the same chronological age as the subjects in Group 1 (Group 3). The study was based on a reading task and two control tests. The scores achieved revealed that all subjects performed best when reading high-frequency words, and performed worst when reading made up words. Such results indicate that all subjects prefer to use a lexical (non-analytical) procedure. We also learned that Group 1 experienced more difficulty than the other groups to use phonological mediation. However, the results show that there is no difference between reading procedures used by subjects with or without learning disorders. Therefore, we believe that the method of comparing acquired dyslexia and reading disorders is not suitable to theoretically explain this kind of problem.

learning disorders; development dyslexia; reading disorders


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Dislexias adquiridas como referência para a análise das dificuldades de aprendizagem da leitura

Acquired dyslexia as a reference for the analysis of reading disorders

Sandra Regina Kirchner Guimarães

Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba - PR

RESUMO

Vários autores têm tentado explicar as dificuldades de aprendizagem da leitura comparando o padrão de leitura dos sujeitos que apresentam essa dificuldade com o dos portadores de dislexia adquirida dos tipos fonológica (dificuldade na coordenação letra-som) e de superfície (distúrbio no processo de reconhecimento da forma da palavra). O presente estudo teve por objetivo identificar se o procedimento de leitura preferencialmente utilizado pelas crianças com dificuldades de aprendizagem dessa habilidade é diferente do procedimento utilizado pelos leitores normais. Foram formados três grupos de sujeitos: 20 crianças de 3ª e 4ª séries com dificuldades de aprendizagem da leitura (grupo 1); 20 crianças da 1ª série com o mesmo nível de leitura dos sujeitos do grupo 1 (grupo 2); e 20 crianças de 3ª e 4ª séries com a mesma idade cronológica dos sujeitos do grupo 1 (grupo 3). A pesquisa consistiu em uma tarefa de leitura e duas provas de controle. Os escores obtidos revelaram que todos os sujeitos apresentaram melhor desempenho na leitura das palavras de alta freqüência e pior desempenho na leitura de palavras inventadas. Esses resultados indicam uso preferencial de um procedimento lexical (não-analítico) por todos os sujeitos. Identificou-se também que o grupo 1 apresentou menor facilidade em utilizar a mediação fonológica. Contudo, os resultados não mostram diferenças entre os procedimentos de leitura utilizados pelos sujeitos com e sem dificuldades de aprendizagem. Portanto, acredita-se que a comparação entre dislexias adquiridas e dificuldades de aprendizagem da leitura não é o quadro teórico adequado para explicar este tipo de problema.

Palavras-chave: transtornos da aprendizagem, dislexia do desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem da leitura.

ABSTRACT

Several authors have tried to explain reading disorders by comparing them to acquired dyslexia of different types: phonological (letter-sound coordination disorder), and surface (a disorder in the process of recognizing the word form). In this study we aimed at finding out if the preferred reading process used by children with reading disorders is different from the process used by normal readers. Three subject groups were formed: 20 children in the 3rd and 4th grades with reading disorders (Group 1); 20 children in the 1st grade at the same reading level as the subjects in Group 1 (Group 2); and 20 children in the 3rd and 4th grades of the same chronological age as the subjects in Group 1 (Group 3). The study was based on a reading task and two control tests. The scores achieved revealed that all subjects performed best when reading high-frequency words, and performed worst when reading made up words. Such results indicate that all subjects prefer to use a lexical (non-analytical) procedure. We also learned that Group 1 experienced more difficulty than the other groups to use phonological mediation. However, the results show that there is no difference between reading procedures used by subjects with or without learning disorders. Therefore, we believe that the method of comparing acquired dyslexia and reading disorders is not suitable to theoretically explain this kind of problem.

Key-words: learning disorders, development dyslexia, reading disorders.

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Full text available only in PDF format.

Texto recebido em 20 ago. 2003

Texto aprovado em 03 abr. 2004

1 HOLMES, J. M. Dyslexia: a neurolinguistic study of traumatic and developmental disorders of reading, Edinburgh, 1973, Doctoral Thesis - University of Edinburgh.

2 SEYMOUR, P. K. H. Cognitive analysis of dyslexia, London: Routledge and Kegan Paul, 1986.

3 Em relação às salas de recursos, é importante ressaltar que elas "foram implantadas na Rede Municipal de Ensino a partir da necessidade de se oferecer atendimento aos alunos que apresentavam Dificuldades de Aprendizagem (...), cujas características não recomendavam atendimento em Classe Especial." (CURITIBA, 1992, p. 50).

4 Delineamentos de pesquisa com grupo de controle emparelhado pela idade de leitura têm sido usados por diversos pesquisadores (BRYANT; BRADLEY, 1985; 1987; BRYANT; NUNES; BINDMAN; 1997; GUIMARÃES, 2001; GUTHRIE,1973). Eles são apropriados para verificar se existem diferenças entre o padrão de leitura das crianças com dificuldades nessa área e o padrão de leitura dos leitores principiantes.

5 Embora no delineamento do presente estudo não tenha sido previsto o controle da variação lingüística, ou seja, não foi avaliada a distância entre a fala da criança e a norma padrão utilizada na escola, acentua-se que esta é uma variável que pode estar significativamente relacionada ao desenvolvimento da leitura e da escrita (cf. BARRERA, 2000). Registra-se, portanto, a necessidade de incluir essa variável em futuros estudos.

6 É importante salientar que essa classificação foi mantida para repetir fielmente as palavras do estudo de PINHEIRO (1994). Além disso, na presente pesquisa, os dados considerados relevantes estão relacionados à variável "freqüência de ocorrência" e não à variável "regularidade da palavra" (cf. Resultados e Discussão).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2003
  • Aceito
    03 Abr 2004
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