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Os flintstones e o preconceito na escola

The flintstones and prejudice in school

Resumos

Em nosso país, que é tido pelo "imaginário mundial" e por si mesmo, como um paraíso de mestiçagem, a hipocrisia do não questionamento suficiente no que tange às diferenças que são muitas, tem permitido a manutenção e o agravamento do silêncio que fala a favor do preconceito. A não pluralidade na educação é apenas uma das formas de preservação do grande tapete da "democracia racial" que esconde a falta de democracia real. Este artigo, ao passear por entre os conceitos de alteridade e preconceito, pretende convidar o leitor à reflexão sobre a prática da negação do preconceito no âmbito da escola e suas conseqüências funestas para a manutenção do mesmo no tecido social. Com o intuito de ilustrar as considerações acerca do processo de "varredura para debaixo do tapete" utilizado na maioria dos espaços de socialização em nossa sociedade e não menos notadamente nas escolas, busca, mediante entrevista com alguns professores de uma escola pública do Estado do Paraná, dados para melhor diagnosticar a atitude da escola bem como a dos professores no que tange ao reconhecimento da existência à profilaxia e/ou o tratamento do preconceito. As análises indicam que a escola, mesmo a que se pretende voltada à convivência entre os diferentes, enfrenta, além dos inimigos já conhecidos, a grande e aparentemente intransponível barreira da negação que, deliberadamente ou não, promove a manutenção do estado de preconceito bem como da geração de indivíduos preconceituosos.

Preconceito; alteridade; escola


In our country, that is seen by the "global imaginary" and by itself as a paradise of the crossing of races, the hypocrisy of the not enough questioning about the differences, that are a few, has allowed for the maintenance and the aggravating of the silence that speaks in favour of prejudice. The lack of plurality in education is only one of the forms of preservation of the big carpet of the "racial democracy" that hides the lack of real democracy. This paper, while going through the concepts of alterity and prejudice, intends to invite the reader to reflect about the practice of the prejudice negation in the school space and its regrettable consequences to its maintenance in the social web. Aiming at illustrating the considerations about the process of "sweeping to under the carpet" using most of the socialising spaces in our society and, not less notably, in the schools, searches, by means of some interviews with teachers of a Public School of Paraná State, data to allow for a better diagnostic of the school attitude, as well as of the teachers' in respect to the acknowledge of the existence, to the profilaxes and/or the treatment of the prejudice. The analyses indicate that the school, even when it is intended to be orientated to the coexistence of the different, faces, apart from the enemies already known, the big and apparently non transposed barrier of the negation that, deliberately or not, promotes the maintenance of the state of prejudice as well as the generation of prejudiced individuals.

Ethics; prejudice; education


DOSSIÊ - SABERES E PRÁTICAS ESCOLARES EM CONTEXTOS CONTEMPORÂNEOS

Os flintstones e o preconceito na escola

The flintstones and prejudice in school

Tânia Maria Baibich

Professor Adjunto III, do Departamento de Teoria e Prática de Ensino, do Setor de Educação, da Universidade Federal do Paraná. tbaibich@zaz.com.br

RESUMO

Em nosso país, que é tido pelo "imaginário mundial" e por si mesmo, como um paraíso de mestiçagem, a hipocrisia do não questionamento suficiente no que tange às diferenças que são muitas, tem permitido a manutenção e o agravamento do silêncio que fala a favor do preconceito. A não pluralidade na educação é apenas uma das formas de preservação do grande tapete da "democracia racial" que esconde a falta de democracia real. Este artigo, ao passear por entre os conceitos de alteridade e preconceito, pretende convidar o leitor à reflexão sobre a prática da negação do preconceito no âmbito da escola e suas conseqüências funestas para a manutenção do mesmo no tecido social. Com o intuito de ilustrar as considerações acerca do processo de "varredura para debaixo do tapete" utilizado na maioria dos espaços de socialização em nossa sociedade e não menos notadamente nas escolas, busca, mediante entrevista com alguns professores de uma escola pública do Estado do Paraná, dados para melhor diagnosticar a atitude da escola bem como a dos professores no que tange ao reconhecimento da existência à profilaxia e/ou o tratamento do preconceito. As análises indicam que a escola, mesmo a que se pretende voltada à convivência entre os diferentes, enfrenta, além dos inimigos já conhecidos, a grande e aparentemente intransponível barreira da negação que, deliberadamente ou não, promove a manutenção do estado de preconceito bem como da geração de indivíduos preconceituosos.

Palavras-chaves: Preconceito, alteridade, escola.

ABSTRACT

In our country, that is seen by the "global imaginary" and by itself as a paradise of the crossing of races, the hypocrisy of the not enough questioning about the differences, that are a few, has allowed for the maintenance and the aggravating of the silence that speaks in favour of prejudice. The lack of plurality in education is only one of the forms of preservation of the big carpet of the "racial democracy" that hides the lack of real democracy. This paper, while going through the concepts of alterity and prejudice, intends to invite the reader to reflect about the practice of the prejudice negation in the school space and its regrettable consequences to its maintenance in the social web. Aiming at illustrating the considerations about the process of "sweeping to under the carpet" using most of the socialising spaces in our society and, not less notably, in the schools, searches, by means of some interviews with teachers of a Public School of Paraná State, data to allow for a better diagnostic of the school attitude, as well as of the teachers' in respect to the acknowledge of the existence, to the profilaxes and/or the treatment of the prejudice. The analyses indicate that the school, even when it is intended to be orientated to the coexistence of the different, faces, apart from the enemies already known, the big and apparently non transposed barrier of the negation that, deliberately or not, promotes the maintenance of the state of prejudice as well as the generation of prejudiced individuals.

Key-words: Ethics, prejudice, education.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Texto recebido em 10 fev. 2002

Texto aprovado em 22 abr. 2002

1 Tornar esta expressão maiúscula, parece, mais que nunca, o caminho que, como educadores, devemos indicar.

2 Em pesquisa realizada pelo IBGE em 1998, na qual os próprios entrevistados se atribuíam uma cor, apareceram 143 designações, como canela, sarará, cabo verde, marrom e chocolate. (Folha de São Paulo, 22 out. 2001).

3 Apesar do fato de que desde 1989 a discriminação racial passou a ser considerada crime, há hoje no Brasil menos de 150 processos por crime de racismo, segundo levantamento do Ministério das Relações Exteriores feito para a 3ª. Conferência da ONU contra o racismo, realizada na África do Sul em setembro último.

4 Segundo ROSEMBERG (2001), a desigualdade entre raças no desempenho escolar é devida tanto a fatores socioeconômicos quanto ao que chama de "pessimismo racial", que significa descrença na possibilidade de sucesso do aluno de ascendência negra. Para a pesquisadora, "a criança negra é considerada, de antemão, o candidato mais provável à repetência por todo o aparato educacional - do professor ao diretor e ao secretário de Educação." (Folha de São Paulo, 22 out. 2001).

5 Para maiores dados sobre alteridade vide BAIBICH, T. M. Fronteiras da identidade:o auto-ódio tropical. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001.

6 "Do Latim prae, antes, judicium, julgamento, pode ser definido como crenças e valores apreendidos, que conduz um indivíduo, ou grupo de indivíduos, a ser contra membros de grupos previamente a experiências atuais com estes grupos. [...] Estas generalizações são, invariavelmente, derivadas de informações incorretas ou incompletas sobre o outro grupo. [...] Aos indivíduos do grupo vítima do preconceito é negado o direito de serem reconhecidos e tratados como indivíduos com características individuais." (CASHMORE, 1996) [tradução da autora]. "Preconceito é definido como uma injustificada, usualmente negativa atitude dirigida a outros devido sua categoria social ou sua condição de pertença a um grupo." (SAMPSON, 1999, p. 15) [tradução da autora].

7 O trabalho de ambos os autores, Distúrbios emocionais e anti-semitismo, que pretendeu demonstrar que o anti-semitismo é um preconceito neste último sentido, teve sua hipótese plenamente confirmada.

8 De acordo com Crochik, "sem desconsiderar o peso preponderante dos fatores objetivos, relacionados às esferas política, econômica e cultural, (os estudos de ADORNO et al. (1965) e de ACKERMAN; JAHODA (1969)] entenderam que era necessário compreender os fatores subjetivos presentes no fenômeno do preconceito, pois isso poderia contribuir para minimizar a violência e a destruição presentes, através de políticas educacionais preventivas ou restauradoras enquanto a sociedade nas suas condições objetivas, isto é, políticas e econômicas, não puder ser alterada." (1997, p. 55-56).

9 Estudo de Flávia Rosemberg, da Fundação Carlos Chagas, mostra que das crianças de sete anos ou mais que ainda estão na pré-escola, 63,5% são negras ou pardas, enquanto 36,5% são brancas. Segundo a pesquisadora, a retenção de alunos negros e pardos também é maior no ensino fundamental. (Folha de São Paulo, 22 out. 2001).

10 Protagonista do desenho animado intitulado Os Flintstones do estúdio Hanna Barbera, que ao ser instado por sua mulher, Wilma, a varrer a casa, costuma esconder a sujeira sob o tapete.

11 Os dados foram colhidos com o apoio dos alunos Andreia Moessa, Hermelina Maria Sandman, Ionara R. Carraro Bonança, Luis Fernando Dietzel Ferraro, Mariana Cardieri Mendonça e Maria Augusta de Mendonça Guimarães, da disciplina de Prática de Ensino de Psicologia da UFPR, a quem agradeço a valiosa cooperação.

12 Essa afirmação está baseada em depoimentos informais que tive a oportunidade de ouvir vindos de outros professores de escolas públicas e até mesmo da professora de Psicologia, que disse ter escolhido aquela escola para dar aula por que já sabia desta identidade. Num destes depoimentos, a professora comenta em tom pejorativo as características "esquerdistas" da escola, apresentando os professores e funcionários como se fossem "encrenqueiros".

13 Cabe notar aqui, a epistemologia subjacente à ação docente, que considera que o conhecimento vindo de fora inscreve-se, sutilmente, na tábula rasa. Mais do que isto, considerase que o tabu deve permanecer um tabu, escondido. Isto apenas reforça o que se pretende esconder.

  • ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: COHN, G. (Org.). Theodor W. Adorno São Paulo: Ática, 1994.
  • BAIBICH, T. M. Perfil da extensão das universidades públicas brasileiras. Cadernos de Extensão da Pró-Reitoria de Extensão da UFPR Curitiba, Ano 1, n.1, 1995.
  • BAIBICH, T. M. Fronteiras da identidade: o auto-ódio tropical. Curitiba: Moinho do Verbo, 2001.
  • BECKER, F. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes, 1993.
  • BELTRÃO, I. C. Pedagogia e escola: o discurso sobre a educação e a máquina de disciplinar. Pátio-revista pedagógica, Porto Alegre, Ano 1, n. 3, p. 30-32, nov./jan., 1997/1998.
  • CASHMORE, E. Dictionary of race and ethnic relations London: Routledge, 1996.
  • CROCHIK, J. L. Preconceito: indivíduo e cultura. São Paulo: Robe, 1997.
  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
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  • FREUD, S. El malestar en la cultura Madrid: Biblioteca Nueva, 1973b.
  • FREUD, S. El tabú de la virginidad Madrid: Biblioteca Nueva, 1973c.
  • INDICADORES sociais da década de 90. Folha de São Paulo, 5 abr. 2001.
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  • KOLTAI, C. Política e psicanálise: o estrangeiro. São Paulo: Escuta, 2000.
  • ROSEMBERG, F. Preconceito sutil tira negros da universidade. Folha de São Paulo, 22 out. 2001.
  • SAMPSON, E. E. Dealing with differences: an introduction to the social psychology of prejudice. Orlando: Harcourt Brace & Company, 1999.
  • VIÑAR, M. O reconhecimento do próximo. Notas para pensar o ódio ao estrangeiro. In: KOLTAI, C. (Org.). O estrangeiro. São Paulo: Escuta, 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 2002

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2002
  • Aceito
    22 Abr 2002
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